quinta-feira, 28 de abril de 2016

3 - A aventura da modernidade - Tudo que é sólido desmancha no ar.

MARSCHALL BERMAN

(Do livro: "Tudo que é sólido desmancha no ar - A aventura da modernidade", Marshall Berman, Companhia das Letras, 1987, p. 15-35)

No desfecho de A ÉticaProtestanteo Espírito do Capitalismo, escrito em 1904, Max Weber afirma que todo o "poderoso cosmo da moderna ordem econômica" é como "um cárcere de ferro". Essa ordem inexorável, capitalista, legalista e burocrática "determina a vida dos indivíduos que nasceram dentro desse mecanismo ( ... ) com uma força irresistível". Essa ordem "determina o destino do homem, até que a última tonelada de carvão fóssil seja consumida". Agora, Marx e Nietzsche - e Tocqueville e Carlyle e Mill e Kierkegaard e todos os demais grandes críticos do século XIX - chegam a compreender como a tecnologia moderna e a organização social condicionaram o destino do homem. Porém, todos eles acreditavam que os homens modernos tinham a capacidade não só de compreender esse destino, mas também de, tendo-o compreendido, combatê-lo. Assim, mesmo em meio a um presente tão desafortunado, eles poderiam imaginar uma brecha para o futuro. Os críticos da modernidade, no século XX, carecem quase inteiramente dessa empatia com e fé em seus camaradas, homens e mulheres modernos. Segundo Weber, seus contemporâneos não passam de "especialistas sem espírito, sensualistas sem coração; e essa nulidade caiu na armadilha de julgar que atingiu um nível de desenvolvimento jamais sonhado antes pela espécie humana"." Portanto, não só a sociedade moderna é um cárcere, como as pessoas que aí vivem foram moldadas por suas barras; somos seres sem espírito, sem coração, sem identidade sexual ou pessoal - quase podíamos dizer: sem ser. Aqui, como nas formas futuristas e tecnopastorais do modernismo, o homem moderno como sujeito - como um ser vivente capaz de resposta, julgamento e ação sobre o inundo -desapareceu. Ironicamente, os críticos do "cárcere de ferro", no século XX, adotam a perspectiva do carcereiro: como os confinados são desprovidos do sentimento interior de liberdade e dignidade, o cárcere não é urna prisão, apenas fornece a uma raça de inúteis o vazio que eles imploram e de que necessitam.*

Weber depositava pouquíssima fé no povo e menos ainda em suas classes dominantes, aristocráticas ou burguesas, burocráticas ou revolucionárias. Por isso, sua perspectiva política, pelo menos nos últimos anos de vida, foi um liberalismo sob permanente ameaça, Todavia, assim que o seu ceticismo e visão crítica foram postos à margem do seu distanciamento e desrespeito pelos homens e mulheres modernos, o resultado foi uma política muito mais à direita do que a do próprio Weber. Muitos pensadores do século XX passaram a ver as coisas deste modo: as massas pululantes, que nos pressionam no dia-a-dia e na vida do Estado, não têm sensibilidade, espiritualidade ou dignidade como as nossas; não é absurdo, pois, que esses "homens-massa" (ou "homens ocos") tenham não apenas o direito de governar-se a si mesmos, mas também, através de sua massa majoritária, o poder de nos governar? Nas idéias e nas posturas intelectuais de Ortega, Spengler, Maurras, T. S. Eliot e Allen Tate, vemos a perspectiva neo-olímpica de Weber apropriada, distorcida e amplificada pelos modernos mandarins e candidatos a aristocratas da direita do século XX.

Mais surpreendente e mais perturbadora é a extensão que essa perspectiva atingiu entre alguns dos democratas participativos da recente Nova Esquerda. Porém, foi isso o que aconteceu, ao menos por um tempo, no fim da década de 1960, quando o ensaio de Herbert Marcuse, O homem unidimensional,tornou-se o paradigma dominante de certo pensamento crítico. De acordo com esse paradigma, tanto Marx como Freud são obsoletos: não só lutas de classes e lutas sociais, mas também conflitos e contradições psicológicos foram abolidos pelo Estado de "administração total". As massas não têm ego, nem id, suas almas são carentes de tensão interior e dinamismo; suas idéias, suas necessidades, até seus dramas "não são deles mesmos"; suas vidas interiores são "inteiramente administradas", programadas para produzir exatamente aqueles desejos que o sistema social pode satisfazer, nada além disso. "O povo se auto-realiza no seu conforto; encontra sua alma em seus automóveis, seus conjuntos estereofônicos, suas casas, suas cozinhas equipadas." (11)

Isso veio a ser um refrão familiar no século XX, partilhado por aqueles que amam e por aqueles que odeiam o mundo moderno: a. modernidade, é constituída por suas máquinas, das quais os homens e mulheres modernos não passam de reproduções mecânicas. 

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