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sábado, 30 de novembro de 2013

Papa ataca "tirania dos mercados" e pede renovação da Igreja

Por Naomi O'Leary
 
CIDADE DO VATICANO, 26 Nov (Reuters) - O papa Francisco pediu uma renovação na Igreja Católica, chamou o capitalismo desenfreado de uma "nova tirania" e pediu aos líderes mundiais que combatam a pobreza e o crescimento desigual, no primeiro grande trabalho de sua autoria desde que foi eleito pontífice.
 
O documento de 84 páginas, denominado Exortação Apostólica, equivale a uma plataforma oficial do papado, com base em opiniões que ele tem expressado em sermões e comentários desde que tornou-se, em março, o primeiro pontífice não europeu em 1.300 anos.
 
No texto, Francisco foi além de criticar o sistema econômico mundial, ao atacar a "idolatria ao dinheiro" e implorar aos políticos que garantam a todos os cidadãos "trabalho, atendimento de saúde e educação dignos".
 
Ele também pediu às pessoas ricas que compartilhem sua riqueza. "Do mesmo modo como o mandamento ‘Não matarás' estabelece um claro limite para salvaguardar o valor da vida humana, hoje nós também temos de dizer "Não deves" para uma economia de exclusão e desigualdade. Tal tipo de economia mata", escreveu Francisco no documento divulgado nesta terça-feira.
 
"Como pode ser que não seja assunto para notícia quando uma pessoa sem teto morre por abandono às intempéries, mas é notícia quando o mercado de ações perde 2 pontos?".
 
O papa disse que a renovação da Igreja não poderá ser adiada e que o Vaticano e sua arraigada hierarquia "também precisam ouvir o chamado da conversão pastoral".
 
"Eu prefiro uma Igreja que esteja machucada, ferida e suja porque tem saído às ruas do que uma Igreja doente por estar confinada e se agarrar à própria segurança", escreveu.
 
Em julho, Francisco encerrou uma encíclica iniciada pelo papa Bento 16, mas deixou claro que era de modo geral o trabalho de seu antecessor, que renunciou em fevereiro.
 
Chamada "Evangelii Gaudium" (A Alegria do Evangelho), a exortação é apresentada no estilo de pregação simples e caloroso de Francisco, distinto dos escritos acadêmicos de papas anteriores, e enfatiza a missão central da Igreja de pregar "a beleza do amor salvador de Deus manifestada em Jesus Cristo".

Nele, Francisco reitera afirmações anteriores de que a Igreja não pode ordenar mulheres ou aceitar o aborto. O sacerdócio exclusivo para os homens, disse ele, "não é uma questão aberta à discussão", mas as mulheres têm de ter mais influência na liderança da Igreja.

POBREZA

Como uma meditação sobre como revitalizar uma Igreja sofrendo com os avanços da secularização nos países ocidentais, a exortação ecoa o zelo missionário ouvido frequentemente dos evangélicos, que ganharam fiéis entre os católicos desencantados na América Latina, região natal do papa.

A desigualdade econômica é um dos temas com os quais Francisco, de 76 anos, mais se preocupa no texto. O papa pede uma mudança no sistema financeiro e alerta que a distribuição desigual das riquezas inevitavelmente conduz à violência.

"Enquanto os problemas dos pobres não forem radicalmente resolvidos por meio da rejeição da autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira, e pelo ataque às causas estruturais da desigualdade, nenhuma solução será encontrada para os problemas do mundo ou, nessa matéria, para quaisquer problemas", escreveu.

 http://br.reuters.com/article/topNews/idBRSPE9AP03H20131126?pageNumber=2&virtualBrandChannel=0

Black Friday

Cuidado com a depressão que surge depois de compras inúteis

Por Leonardo Sakamoto

Não entendo as pessoas que têm um prazer orgásmico no ato de comprar sem motivo. Quer dizer, entendo, antropologicamente falando. Da mesma forma que compreendo o porquê de uma ave migratória europeia ir para o Sul, no inverno, ou os fantasmas atacarem incessantemente o velho e bom Pac-Man. Ou seja, programação.

Sei que há um milhão de  justificativas que podem ser dadas para tal ato: como a ardente materialização do desejo, passando pela projeção no objeto de uma série de sentimentos que você não terá tempo para experimentar por vivência própria (ou alguém aqui acha que é mais livre por ingerir xarope doce com água gaseificada?) até a simples possibilidade de deixar claro quem está acima no estrato social via símbolos de status e poder.

Estamos chegando a mais uma Black Friday, uma sexta-feira de grandes descontos, ideia que nasceu nos Estados Unidos para ocorrer depois do Dia de Ação de Graças e foi importada, para cá, por razões óbvias. Alguns sites mais-que-honestos de compras já estão se preparando para subir o preço em 80% e, assim que virar a meia-noite, dar um incrível desconto de 75%. Em outros, realmente o bicho do desconto vai pegar.

Comprar é importante, gira a economia, gera empregos, realiza desejos, supre necessidades, compensa frustrações, controla o povo. Não raro, a possibilidade de que a aquisição de um bem esteja no horizonte de uma pessoa dá a ela um sentido para a sua existência. Bizarro, mas é a vida. Isso traz ansiedade e esperança para “hordas de bárbaros'', que aprenderam a entender esses produtos como passaportes para saírem do ostracismo social.

Por tudo isso, um pedido: não compre com o fígado. Ao acordar de manhã, cheque a fatura do seu cartão de crédito, os extratos bancários e os empréstimos – dos CDCs, passando pelas consignados até aquela grana que você tomou da sogra e nunca devolveu. E reflita se o seu emprego está minimamente garantido pelo próximo ano antes de cair na esbórnia e comprar aquele descascador eletrônico de ovo cozido que você nunca vai usar, mas que o cara da TV disse que, sem ele, você é um zero à esquerda.

Lembre-se: não é demanda que gera oferta. Mas a publicidade ostensiva sobre a oferta que cria a demanda.

Como já disse aqui, não estou peidando regras ao vento, achando que sou leve feito um elfo. Tenho meus desejos de consumo. Mas se está com aquele vazio difícil de preencher ou ficando “transparente'' para seus amigos e colegas, acha que a solução é realmente adquirir um produto e, através dele, o pacote simbólico de cura e inserção que traz consigo?
Acredita que precisa dar um presente para alguém a fim de mostrar que o a
ma? Você se lembra como escrever cartas com as próprias mãos?

Não precisamos ser aquilo que compramos. Ou, melhor, você não precisa comprar para ser alguém. Esses objetos de desejo serão realmente úteis para você? Ou só está procurando um estilo de vida do que gostaria de ser, mas não pode porque não tem dinheiro ou tempo para isso?

Presenteamos nossos filhos para demonstrar carinho em nossa ausência achando que isso resolve. Mas não resolve. Aliás, “o que deveríamos ser'' ou o que “deveríamos viver'' normalmente não é resultado de uma auto-reflexão, mas de alguém martelando algo em nossa cabeça, dia após dia, em comerciais, anúncios, novelas e filmes.

Quanto tempo depois de uma compra impulsiva você percebe que aquilo não lhe trouxe felicidade? E a culpa vai te consumindo por dentro – afinal, somos um país católico ou não somos? E o horror: o vazio da falta de significado que aquilo tudo lhe traz dá uma paúra que antiácido nenhum resolve.

A “classe baixa com poder de consumo mas ainda fora de patamares mínimos de dignidade'', conhecida como “nova classe média'', está alcançando a inclusão social através do consumo. A pessoa deixa de ser vista como uma ignorante completa, uma estrangeira, porque tem um iPhone. Sendo que seria melhor que sua inclusão ocorresse via a garantia de serviços de educação, saúde, cultura e lazer de qualidade e as consequências positivas que isso traz.

Repito sem medo de me tornar redundante: muitos de nós ficam tanto tempo trabalhando que tornam-se compradores compulsivos de símbolos daquilo que não conseguiremos obter por vivência direta. Em promoções, como esta, em que a porteira está aberta e o convite está feito, nem se fala.

Através desses objetos, enlatamos a felicidade – pronta para consumo, mas que dura pouco. Porque, como os produtos que a representam, possui sua obsolescência programada a fim de garantir, daqui a pouco, mais dinheiro a alguém.

As próprias campanhas contra o consumismo desenfreado e pela proteção ao meio ambiente podem ser, quando superficiais, bons pacotes fechados para o consumo imediato e o alívio rápido da consciência, visando à compra de uma indulgência social ou ambiental. Já que a contradição é inerente ao capitalismo e à sociedade de consumo, por que ter pudores ao explorar isso? Sextas-feiras como esta só ajudam a catalisar o processo.

Boas compras.

Mas lembre-se que montar uma pipa com papel de seda, organizar um piquenique no parque, ir a algumas exposições bem legais, pegar emprestado um bom livro ou ir a um sarau literário não custam quase nada. E são tão grandes que não cabem em caixas de papelão…

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/11/28/black-friday-cuidado-com-a-depressao-que-surge-depois-de-compras-inuteis/

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Fumaça = Armas de Destruição em Massa

Estudos mostram que a poluição cotidiana em nossas cidades mata tanto quanto as armas de destruição em massa

Você deve estar se perguntando o que seria a sigla ADM em medicina. Essa sigla não tem nada ver com o complicado glossário médico. Ela foi emprestada da política, da história, dos jornais atuais. Em inglês seria WMD. Armas de destruição em massa. Seriam armas nucleares ou químicas, muito na moda hoje, tendo em vista os conflitos na Síria e as incógnitas experiências iranianas. Por que não incluir a poluição do ar como uma arma química de destruição em massa?

Ela adapta-se muito bem nesse papel. Produzida por reações químicas, espalha-se pelo ar, atinge todo mundo de forma indiscriminada, causa distúrbios na saúde da população atingida de forma aguda e pode ter efeitos deletérios a longo prazo, causando doenças graves e, eventualmente, a morte. A associação da poluição atmosférica com doenças graves tem sido sugerida em vários estudos científicos. Mesmo assim, as autoridades de saúde, principalmente as autoridades ligadas às indústrias poluidoras e à venda de combustíveis e de carros, relutam ainda em atribuir a essas fontes atraentes de lucros, quaisquer males que possam resultar. Discutem-se os estudos, e permanecem as dúvidas.

Um estudo recentemente publicado na revista médica Jama fornece dados contundentes da correlação entre níveis de poluição atmosférica por partículas finas, e a mortalidade da população geral, e as mortes causadas por câncer de pulmão ou por doenças cardiovasculares como infarto e derrame cerebral. Um time de cientistas liderado pelo doutor AC Pope, da Universidade de Brigham Young, em Utah, Estados Unidos, em associação com universidades em Nova York, Ottawa e a Sociedade Americana de Câncer, apresentou os resultados mais claros e sólidos que correlacionaram diretamente a concentração de poluentes e partículas finas no ar das cidades com o risco de morte de seus habitantes.

Eles incluíram nesse estudo de prevenção de câncer, desde 1982, 1,2 milhão de pessoas adultas. Ao término da pesquisa, após, no mínimo, 16 anos de seguimento, mais de 500 mil pessoas tiveram detalhadas avaliações de suas exposições a poluentes. O estudo demonstrou a associação entre a poluição ambiental por partículas finas e os riscos de morte por câncer ou por doenças cardiovasculares. Cada aumento de 10 ug/m3 na concentração desses poluentes no ar das cidades elevou a mortalidade geral, por câncer de pulmão ou por doenças cardiovasculares, entre 4% e 8%.

São milhares de pessoas que, pelo simples fato de respirarem o ar poluído de suas cidades, sofrem e morrem de doenças graves, mutiladoras e incapacitantes. Mortes rápidas ou lentas. Qualidade de vida piorando progressivamente.

Os autores do estudo confirmam que os resultados dessa publicação fornecem a mais sólida evidência até hoje do impacto da poluição na vida das pessoas. Essa correlação é independente de fumo, obesidade ou outras causas de doenças graves.  O doutor Pope e seus colegas alertam para a gravidade dessas conclusões, e urgem todas as autoridades a reverem seus conceitos de níveis seguros de poluentes no ar. Acredito que tenhamos de tratar a poluição e seus causadores, no mínimo, com a mesma atenção que damos ao raro uso do gás sarin. Uma arma de destruição em massa.

http://www.cartacapital.com.br/revista/768/fumaca-adm-2971.html/view

sábado, 8 de junho de 2013

Os novos Deuses

A última grande mudança de paradigma deu-se quando optamos, na busca por mais liberdade, pelo deslocamento do espírito para a matéria, não percebendo que estávamos criando um novo valor único e absoluto. Com o tempo elevamos o econômico ao topo da hierarquia de valores e este passou a orientar toda relação humana, reduzindo as possibilidades, nos enquadrando a valores absolutistas e criando uma nova servidão humana através da total submissão à razão técnica como encarnação de novos deuses fazendo-nos acreditar no crescimento econômico como caminho único para o desenvolvimento; no dinheiro como signo de poder; e no consumo como forma de prazer.

Não se trata de não reconhecer os benefícios do desenvolvimento técnico e suas realizações, mas, apenas recordar que o homem se plasma através de um conjunto de possibilidades culturais e que deve sempre procurar impedir qualquer tipo de domínio que limite o seu ser.

O controle da força do conjunto de possibilidades cria uma nova Tradição, regredindo-se ao monismo e marginalizando o múltiplo e o diferente; daí se dizer que vivemos em uma sociedade de pensamento único e a constatação do enorme aumento da intolerância em todos os segmentos, isso em plena modernidade em que cada um estaria autorizado a orientar-se por crenças distintas.

Quando mudanças são interpretadas exclusivamente como determinismo do progresso, ou de qualquer outro, o humano aparece como mera criatura que se torna um objeto intrínseco à práxis absolutista, incapaz de plasmar a história, permitindo-se ser manipulado e abrindo mão de ser sujeito soberano capaz de exercer a democracia. Como alerta Finkielkraut:

“Não nos alegremos muito rapidamente; a indiferença pelas grandes causas traz, em contraposição, a resignação diante da força. O fanatismo que desaparece das sociedades ocidentais está arriscado a ceder à outra enfermidade da vontade não menos inquietante: o espírito de colaboração.

De fato, torna-se difícil acreditar na utopia, como veículo de inovação, quando o ser, e a sua realidade, passa a acreditar em uma predestinação qualquer.

Para reduzir a sociedade a um mero espectador do jogo e submetê-lo ao poder criou-se o antiutopismo, massificou-se a ideia de que as utopias são veículos exclusivos dos modelos totalitários, ao mesmo tempo em que se alimentava a ideia do subjetivismo egoísta, com as máximas da competitividade e da meritocracia.  O objetivo foi travar qualquer possibilidade de mudança do “status quo”, trazendo a paralisia, o imediatismo, e o conformismo do ser humano.

Dito isso, será preciso uma refundação humanista, com todas as transformações culturais que isso implica, inclusive no plano socioeconômico, para que a humanidade volte a exercer a sua liberdade plena. Será preciso transpor, tal com o ocorreu a partir da idade média, as referências fatalistas modernas, e para tal é necessário que resgatemos a subjetividade e a utopia na criação da história, trazendo de volta a nossa capacidade de criticar os valores estabelecidos.

Com o modernismo esperava-se que para cada valor houvesse um modo de ser, e ainda que cada humano pudesse experimentar várias diversidades, desde que, ao vivenciá-las, respeitasse as leis e regras. Mas, como resultado atual do modelo não mais se experimenta a diversidade e temos cada vez mais dificuldades de cumprir as regras de convivência.

Mas, o que é o futuro sem mudanças evolutivas, que começa por um choque de ideias ou valores e que se aprimoram com o tempo? 

Democracia deveria ser definida como o exercício da ordem existente, estimulando as utopias, que, por sua vez, romperiam com os fundamentos dessa mesma ordem, deixando-a livre para evoluir em direção à ordem seguinte.  Ao contrário, o que se vê é um mundo que, através das suas elites, tem pavor à modificação, paralisando a democracia e sua necessidade constante de aprimoramento.

O próprio atual liberalismo surgiu de um conflito com a ordem existente (utopia).  São as crises históricas que apontam o exato momento de transformações na sociedade, quando se deixa de considerar verdadeiros os valores e as crenças vigentes (a nova utopia), - e parece que chegamos ao pico dessa condição em 2008, - observado em movimentos contínuos anteriores, notadamente os da década de sessenta, onde se busca alternativas à praxe estabelecida.

Tais movimentos ocorrem por que o campo da liberdade não se tem afirmado a contento na vida pública durante a trajetória do capitalismo diante das fortes limitações na esfera econômica das pessoas. A revolução individualista, libertária e igualitária, não conseguiu implementar a autonomia do ser humano, mesmo porque a acumulação que o capitalismo proporcionou trouxe como consequência cultural o hiperindividualismo possessivo e egoísta, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente,  despersonaliza o ser humano até torná-lo descartável e plenamente redutível à função que ocupa no interior do sistema.

A mentalidade individualista torna-se possessiva quando a consciência subjetiva da autonomia eclipsa a consciência objetiva da dependência social. E assim o ser humano se submete à percepção de se estar no mundo por conta própria (descartável), um subjetivismo delirante, que o leva a só vislumbrar o interesse pessoal (egoísmo), passando a conceber as convenções sociais à maneira dos sofistas: como um mal necessário diante da ameaça do outro e como um entrave à sua suposta natureza acumulativa, oportunista e prazerosa (possessivo).

Trata-se da antissociabilidade do indivíduo que passa a ter dificuldades de convivência com o seu semelhante a partir do momento que enxerga este como um concorrente usurpador dentro do conceito de dominação e opressão, o que reduz toda subjetividade humana ao campo da introspecção e do alargamento doentio do eu, com suas expressões de narcisismo e o desejo de potencialização da dominação.

O individualismo possessivo se distingue do individualismo humanista pelo seu alto grau de egolatria, e se ela não for contida por formas universais de consciência – religião, moral, civismo, humanidade, nação, etc. – ela se transforma, inevitavelmente, em uma fonte incontrolável de dissolução social. Essa é a diferenciação do individualismo clássico para o moderno.

Além da coisificação do ser humano, vivemos ainda sobre a influência dos padrões patriarcais da civilização judaico-cristã o que nos impulsiona ao autoritarismo, à misoginia e à homofobia.

Preocupações puramente pessoais gera a apatia social que favorece a experiência atual com um mínimo de resistência. É o refluxo dos interesses universais, que provoca a despolitização, a descrença, a desmobilização e o esgotamento de qualquer alternativa que gere mudanças.

De tal modo que o tipo humano atual está refletindo um indivíduo que, tendo aceitado como fatalidade o mundo dado, ele como trabalhador submisso e consumidor insano, não consegue vislumbrar qualquer outro horizonte da liberdade para além daquele que lhe oferece à maleabilidade do próprio ego, ou, em outras palavras, a substituição da busca da felicidade pela realização do prazer. 

Segundo o psicólogo americano Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia, felicidade é a soma de três coisas diferentes: prazer, engajamento e significado.

Ficamos limitados às mudanças autorizadas e direcionadas, e uma vez esgotados estes ciclos de prazer, o ego indelevelmente buscará a violência, a opressão e a corrupção.

Para se evitar tal desfecho é preciso que os indivíduos voltem a reconhecer a sua autonomia criativa e legisladora, identificando o mundo humano como obra coletiva construída por vontades individuais, que reconheça a história como obra humana e que toda transformação significativa depende da capacidade de cada um em contribuir para a renovação, negando os valores impostos e acreditando na busca de um novo significado, só desta forma se consegue estabelecer as bases gerais de uma nova civilização.

sábado, 1 de junho de 2013

Responsabilidade face ao futuro da espécie humana

A espécie humana possui uma singularidade no conjunto dos seres: cabe-lhe a responsabilidade ética de cuidar e manter as condições que garantam a sustentabilidade do todo.

Leonardo Boff

Numa votação unânime de 22 de abril de 2009 a ONU acolheu a ideia, durante muito tempo proposta pelas nações indígenas e sempre relegada, de que a Terra é Mãe. Por isso a ela se deve o mesmo respeito, a mesma veneração e o mesmo cuidado que devotamos às nossas mães. A partir de agora, todo dia 22 de abril não será apenas o dia da Terra, mas o dia da Mãe Terra.

Esse reconhecimento comporta consequências importantes. A mais imediata delas é que a Terra viva é titular de direitos. Mas não só ela e, sim, também todos os seres orgânicos e inorgânicos que a compõem; são, cada um a seu modo, também portadores de direitos. Vale dizer, cada ser possui valor intrínseco, como enfatiza a Carta da Terra, independentemente do uso ou não que fizermos dele. Ele tem direito de existir e de continuar a existir neste planeta e de não ser maltratado nem eliminado.

Essa aceitação do conceito da Mãe Terra vem ao encontro daquilo que já nos anos 20 do século passado o geoquímico russo Wladimir Vernadsky (1983-1945), criador do conceito de biosfera (o nome foi cunhado do geólogo austríaco Eduard Suess (1831-1914) que chamava de ecologia global no sentido de ecologia o globo terrestre como um todo. Conhecemos a ecologia ambiental, a politico-social e a mental. Faltava uma ecologia global da Terra tomada como uma complexa unidade total. 

Na esteira do geoquímico russo, recentemente, James Lovelock, com dados empíricos novos, apresentou a hipótese Gaia, hoje já aceita como teoria científica: a Terra efetivamente comparece como um superorganismo vivo que se autorregula, tese apoiada pela teoria dos sistemas, da cibernética e pelos biólogos chilenos Maturana e Varela.

Vernadsky entendia a biosfera como aquela camada finíssima que cerca a Terra, uma espécie de sutil tecido indivisível que capta as irradiações do cosmos e da própria Terra e as transforma em energia terrestre altamente ativa. A vida se realiza aqui.

Nesse todo se encontra a multiplicidade dos seres em simbiose entre si, sempre interdependentes de forma que todos se autoajudam para existir, persistir e co-evoluir. A espécie humana é parte deste todo terrestre, aquela porção que pensa, ama, intervém e constrói civilizações.

A espécie humana possui uma singularidade no conjunto dos seres: cabe-lhe a responsabilidade ética de cuidar e manter as condições que garantam a sustentabilidade do todo.

Como descrevemos no artigo anterior, vivemos gravíssimo risco de destruir a espécie humana e todo o projeto planetário. Fundamos, como afirmam alguns cientistas, o antropoceno: uma nova era geológica com altíssimo poder de destruição, fruto dos últimos séculos que significaram um desarranjo perverso do equilíbrio do sistema Terra. Como enfrentar esta nova situação nunca ocorrida antes de forma globalizada?

Temos pessoalmente trabalhado os paradigmas da sustentabilidade e do cuidado como relação amigável e cooperativa para com a natureza. Queremos agora, brevemente, apresentar um complemento necessário: a ética da responsabilidade do filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993) com o seu conhecido Princípio responsabilidade, seguido pelo Princípio vida.

Jonas parte da triste verificação de que o projeto da tecno-ciência tornou a natureza extremamente vulnerável a ponto de não ser impossível o desaparecimento a espécie humana. Daí emerge a responsabilidade humana, formulada neste imperativo: Aja de tal maneira que os efeitos de suas ações não destruam a possibilidade futura da vida.

Jonas trabalha ainda com outra categoria que deve ser bem entendida para não provocar uma paralisação: o temor e o medo (Furcht). O medo aqui possui um significado pedestre, um medo que nos leva instintivamente a preservar a vida e toda a espécie. Há efetivamente o temor de que se deslanche um processo irrefreável de destruição em massa, com os meios diante dos quais não tínhamos temor em construir e que, agora, temos fundado temor de que nos podem realmente destruir a todos. Daí nasce a responsabilidade face às novas tecnociências como a biotecnologia e a nanotecnologia, cuja capacidade de destruição é inconcebível. Temos que realmente nos responsabilizar pelo futuro da espécie humana por temor do desaparecimento e muito mais por amor à nossa própria vida. Queremos viver e irradiar.

http://www.brasildefato.com.br/node/13020

domingo, 5 de maio de 2013

Ciência e Religião de mãos dadas

Helena Blavatsky, e a Teosofia, tratou deste tema com profundidade em seus vários livros.
A Teosofia se constitui na sabedoria universal e eterna presente nas grandes religiões, filosofias e nas principais ciências da humanidade, e pode ser encontrada na raiz ou origem, em maior ou menor grau, dos diversos sistemas de crenças ao longo da história.

Basicamente a Teosofia prega a fraternidade universal, a origem espiritual das formas e dos seres, e a unidade de toda a vida; aponta uma fonte única e eterna para todo conhecimento, demonstra a identidade essencial entre os grandes mitos das culturas mundiais, traça o perfil da estrutura do cosmo  e do homem e descreve os mecanismos, suas leis, suas potencialidades e suas transformações ao longo dos aeons.

A Teosofia teve um papel fundamental e revolucionário na evolução do pensamento moderno do ocidente. No contexto intelectual e espiritual da época em que apareceu, embora jamais tenha reivindicado para si o status de nova religião, a Teosofia como exposta por Blavatsky representou na prática a proclamação de um novo Evangelho universal, combatendo a forte tendência materialista da ciência em rápido desenvolvimento, e que estava a esvaziar, com os novos conhecimentos que trazia à luz sobre o mundo manifesto, as instituições religiosas que continuavam a pregar suas histórias piedosas mas irracionais, as quais começavam a se tornar um estorvo para o futuro desenvolvimento da raça humana, com perigo de uma perda generalizada da fé. Sua linguagem moderna traduziu e atualizou para o homem de hoje uma série de conceitos importantes da espiritualidade antiga que já estavam obscurecidos e fossilizados pela poeira secular das sucessivas más interpretações, e por isso tornados inaceitáveis à nova mentalidade que surgia e que iniciava a questionar as bases da fé em múltiplos aspectos, a partir da desafiadora massa de evidências e conclusões, dificilmente constestável, produzida pelos cientistas.

Seus ensinamentos podem ser divididos em dois grupos.

Primeiro, a Teosofia significa o conhecimento direto da Realidade. A tradição afirma que o homem, em sua natureza essencial, é uma parte ou aspecto dessa Realidade que as grandes religiões do mundo têm sempre reconhecido com o nome de Deus. Por causa dessa identidade interna, é possível ao homem conhecer Deus diretamente, pelo processo milenar do auto-descobrimento, até que, pela compreensão de si mesmo, se compenetra de sua identidade com a Realidade. Daí em diante não poderá haver para ele dúvida ou morte, nem pecado ou dor. Este estado, descrito pelos místicos como "união com Deus", é o objetivo conhecido por muitos nomes: Liberação, Salvação, Iluminação ou Nirvana.

Assim, a TEOSOFIA é a declaração da identidade do homem com a Realidade e de seu conseqüente poder de conhecer a Finalidade que se chama Deus. "E conhecereis a Verdade, e a Verdade vos tornará livres." "Vede, ISTO sois vós."

O segundo significado da Teosofia é um desenvolvimento do primeiro: o estudo das grandes religiões, passadas e presentes, assim como os ensinamentos dos Sábios cujos escritos, vindos através de muitos séculos, mostram a evidência de um certo corpo comum de conhecimentos relativos a Deus, ao homem e ao universo. Este corpo de conhecimentos, o mais elevado fator comum do ensinamento religioso e filosófico do passado remoto, é também chamado Teosofia.

Seus princípios gerais podem ser resumidos nos itens abaixo:

1. Toda existência é uma unidade. Todas as unidades aparentemente separadas são partes de um único todo.

2. Toda existência é governada por leis imutáveis, que se aplicam tanto aos aspectos visíveis, quanto aos invisíveis da natureza, do universo e do homem.

3. A evolução é um fato na natureza. Da correlação entre o espírito e matéria, entre vida e forma, as infinitas possibilidades da existência emergem gradualmente do estado latente para a expressão ativa.

4. O homem é uma fase no processo evolutivo. A fase humana difere das primitivas, principalmente pela autoconsciência que dá, unicamente ao homem, a responsabilidade pelas suas ações e o poder de dirigir o curso de sua futura evolução.

5. Cada vida humana, do nascimento à morte, é parte de um padrão total de evolução individual. Este padrão é determinado pela ação de leis, que são de extrema relevância para a compreensão das condições do ser no dia-a-dia: a lei do ritmo, que faz a vida e a morte serem seqüência uma da outra, como o despertar segue ao sono no ciclo diário; a lei da Ação ou Karma, que encadeia cada acontecimento ao que o sucede, como as causas estão encadeadas aos efeitos.

6. O indivíduo, como parte da Existência Una e dotado de autoconsciência, tem o poder de libertar-se de todas as limitações de uma condição meramente humana e, experimentalmente, realizar sua identidade com Deus.

7. O caminho para o conhecimento da nossa própria divindade é, em si, obediência às leis da natureza. Pode ser encontrado e palmilhado por aqueles que desejam estudar as leis da natureza e sintonizar suas vidas com as únicas condições que tornam possível a descoberta da Verdade.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Teosofia
http://www.centroraja.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=48&Itemid=59

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Loucura consumista


Por Luis Pellegrini

Nas últimas décadas, Estados Unidos, nações da Europa Ocidental, Japão e demais países desenvolvidos foram responsabilizados pelo nível avassalador a que chegou o consumismo. Os índices de consumo de bens perecíveis, bem como os do desperdício desses bens, há muito ultrapassaram os limites da sustentabilidade. Agora, também as nações em desenvolvimento atingem altos patamares de consumo, em detrimento do meio ambiente, da saúde e da felicidade, de acordo com o WI - Worldwatch Institute (sediada em Washington, essa organização destaca-se na promoção de uma sociedade ambientalmente sustentável, onde as necessidades humanas sejam atendidas sem ameaças à saúde da natureza - www.worldwatch.org.br).

Nos últimos anos, cerca de 2 bilhões de indivíduos em todo o mundo entraram naquilo que se convencionou chamar de "classe consumidora" – o grupo de pessoas caracterizado por dietas de alimentos altamente processados, desejo de morar em casas maiores, possuir mais carros e de tamanhos maiores, níveis mais altos de endividamento, e estilo de vida devotado à acumulação de bens não essenciais.

Hoje, cerca de metade dos consumidores globais mora em países em desenvolvimento, incluindo 260 milhões na China e 130 milhões na Índia – mercados com maior potencial para a expansão.
"O aumento mundial do consumo ajudou a satisfazer necessidades básicas e a criar empregos", diz Christopher Flavin, presidente do Worldwatch Institute em recente entrevista. "Mas à medida que avançamos no século 21, esse apetite consumista nunca antes verificado está corroendo os sistemas naturais dos quais todos dependemos, e tornando ainda mais difícil para os pobres do mundo satisfazer suas necessidades básicas".

Os relatórios do WI expõem os custos devastadores que o consumismo significa para as reservas mundiais de água doce, os recursos naturais e os ecossistemas, corrompidos por uma massa gigantesca de câmeras e outros artefatos descartáveis, sacos e embalagens plásticas, além de muitos outros objetos de custo barato cujo principal denominador comum é a obsolescência. Objetos manufaturados produzidos dentro do conceito "usar e jogar fora".
"Boa parte dos problemas ambientais dos nossos dias são ligados ao consumismo", diz Gary Gardner, diretor de pesquisas do Worldwatch. "Apenas para dar um exemplo, saiu há pouco nos jornais a notícia de que 37% das espécies poderão em breve ser declaradas extintas, e isso está diretamente relacionado ao consumismo".

Da necessidade ao luxo

A globalização é hoje o principal fator a fazer com que mercadorias e serviços outrora de acesso difícil para as nações em desenvolvimento tenham se tornado facilmente adquiríveis. Itens antes considerados como luxo – televisões, telefones celulares, computadores, ar condicionado – são agora vistos como necessidades.

A China oferece possivelmente o melhor mostruário dessas realidades em mutação. Durante décadas, as ruas das maiores cidades chinesas eram caracterizadas por um virtual oceano de pessoas movendo-se a pé ou em bicicletas; há 25 anos, existiam pouquíssimos automóveis privados em toda a China. Já no ano 2000 , 5 milhões de veículos rodavam no território chinês. Ao redor do ano 2010, esse número aproximava-se dos 30 milhões. Ele deverá superar a casa dos 70 milhões até o final deste ano, e chegará à casa dos 200 milhões de veículos registrados no país até 2020, segundo estimativas do Ministério Chinês da Indústria e da Informação Tecnológica.
Nos Estados Unidos existem mais carros nas ruas do que condutores com carteira regular de motorista.

Internet reforça consumismo

O Worldwatch também questiona o crescente uso do apelo ecológico no lançamento de novos produtos. Uma preocupante tendência na relação entre internet, publicidade e consumismo foi detectada pelo WI: Com base em exaustiva pesquisa sobre o mercado publicitário, um estudo divulgado no fim de março mostra que o avanço da mídia digital levou a um aumento nos gastos globais com publicidade. Mais ainda: o consumismo foi vitaminado pelas novas formas da propaganda no mundo virtual, relata o estudo Advertising Spending Continues Gradual Rebound Driven by Growth in Internet Media, disponível on-line.

Segundo o serviço Vital Signs Online, do Worldwatch, as despesas globais com publicidade cresceram 3,3% em 2012, para US$ 497,3 bilhões, prosseguindo o movimento de recuperação gradual do tombo sofrido em 2009. Naquele ano, os gastos declinaram 9,6% como efeito da recessão.
A internet foi a mídia com maior expansão no ano passado, quando ampliou para 18% sua fatia no mercado global da publicidade – puxada, sobretudo, pelas redes sociais e anúncios nos vídeos on-line. Não surpreende, portanto, que os telefones celulares e as redes sociais já respondam por mais da metade de toda a receita publicitária nos Estados Unidos.

Em meio à expansão espetacular do mercado publicitário, parece paradoxal que a propaganda na mídia pré-internet esteja perdendo eficácia, segundo o relatório. Como resposta à fadiga com comerciais televisivos, anúncios na imprensa e outdoors, as agências de propaganda concebem técnicas mais sutis, tais como materiais promocionais em blogs e publicidade interativa nas redes sociais, especialmente Facebook e Twitter. "A distinção entre publicidade
e conteúdo na mídia, dessa forma, fica cada vez mais turva", disse Shakuntala Makhijani, autora do estudo, em sua apresentação.

O relatório também questiona o crescente uso do apelo ecológico no lançamento de novos produtos. Nos Estados Unidos, o número de novos produtos "verdes" subiu de 100 itens comercializados em 2004 para 1.500 em 2009. Para o Worldwatch, a autêntica sustentabilidade demandará menos consumo material e, portanto, limites mais severos sobre a publicidade, de modo a frear sua expansão e crescente presença no cotidiano das pessoas.

O que eu e você podemos fazer?

Algumas perguntas que estão, mais do que nunca, na ordem do dia: você precisa mesmo levar todas as suas compras de supermercado em sacolas plásticas? É indispensável ter na garagem aquele utilitário esportivo tão imponente quanto gastador? E o banho de 15 minutos, que tal encurtá-lo?

A revisão dos atuais (e inviáveis) modelos de consumo já havia sido objeto de um contundente alerta em novembro de 2009, dado pela organização internacional Global Footprint Network: de acordo com um estudo produzido por ela, a Terra precisa atualmente de quase 18 meses para produzir os serviços ecológicos que os quase 7 bilhões de humanos utilizam em um ano. Segundo o Worldwatch institute, um exame cuidadoso da rotina dos membros da "classe consumidora global" mostra que há várias situações nas quais é possível consumir de forma mais sensata e sustentável.

Invertendo a equação, estamos consumindo praticamente um planeta e meio em 12 meses. Não é preciso ser gênio para perceber que a conta não fecha. No atual ritmo, dizem os autores do estudo, no início da década de 2030, precisaremos de duas Terras para atender a nossa demanda anual – um nível tão alto de gasto ecológico que poderá causar um colapso de ecossistemas de grandes proporções.

"Os padrões culturais são a causa de uma convergência sem precedentes de problemas econômicos e sociais, incluindo a mudança do clima, uma epidemia de obesidade, um enorme declínio na biodiversidade, perda de terras agricultáveis e produção de resíduos tóxicos", afirma Erik Assadourian, diretor do Worldwatch. Devolver a saúde a esse quadro exige uma proposta de aplicação urgente: a necessidade de uma transformação radical dos padrões culturais dominantes, que segundo o economista bengali Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz de 2006, assinala no prefácio, envolve "uma das maiores mudanças culturais imagináveis: a partir de culturas de consumo para as culturas de sustentabilidade".

 http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/100565/Loucura-consumista-Ascens%C3%A3o-e-queda-de-uma-tend%C3%AAncia-devastadora.htm

domingo, 28 de abril de 2013

A Terra é um ser vivo: E nós somos o seu sistema nervoso

Há cerca de 40 anos o cientista britânico James Lovelock fez furor com o lançamento da sua "Hipótese Gaia", proposição científica na qual ele definia a Terra como um organismo vivo, inteligente e sensível. Discutida e em parte desacreditada, a ideia volta hoje com toda a sua força original

Falar de James Lovelock é falar de paradoxos. A começar por sua reputação de teórico inflamado e visionário e por sua aparência: magrinho, olhos azuis-claros, voz suave e sorriso infantil. Difícil imaginar que esse vovô alegre e brincalhão publicou um dos livros mais sombrios dos últimos anos sobre o futuro do planeta. Da mesma forma, é difícil acreditar que, por trás do ar inofensivo de aposentado, esse homem provocou mais de 40 anos de polêmicas no mundo da ciência com sua hipótese Gaia – que ele batizou com o nome da deusa grega da Terra –, segundo a qual nosso planeta seria um ser vivo.

Foi há quase meio século que Lovelock, na época com 42 anos, assumiu, algo por acaso, o destino de teórico da ciência – bem como o de semeador de encrencas. Ele era, então, um obscuro biofísico britânico, médico de formação, que concebera vários aparelhos engenhosos – "naqueles tempos, os cientistas fabricavam eles mesmos seus instrumentos, pois ninguém tinha dinheiro para comprá-los nas lojas", recorda ele. Alguns desses aparelhos permitiam a detecção de substâncias em concentrações muito baixas, pelo método da cromatografia gasosa, e interessaram à Nasa, que então desenvolvia um programa de exploração de Marte. Para obter esses detectores, a agência norte-americana trouxe seu inventor, que chegou em 1961 ao Jet Propulsion Laboratory (JPL), na Califórnia, com a missão estritamente técnica de adaptar os aparelhos às exigências das naves espaciais.

Mas – traço indelével de seu caráter – o inventor logo resolveu se meter onde não era chamado. "Logo de cara, disse aos biólogos da Nasa que as experiências que eles planejavam eram ridículas: implicitamente, elas partiam do princípio de que as formas de vida em Marte seriam semelhantes àquelas do deserto da Califórnia!" O tom das discussões engrossou e Lovelock foi chamado ao escritório do diretor, furioso por causa do clima de conflito entre os biólogos que ele trouxera a peso de ouro para o JPL. "Você tem três dias para me trazer uma proposta construtiva", ele disse a Lovelock.

Um sistema que favorece a vida

Três noites em claro mais tarde, Lovelock voltou ao JPL. Trazia um projeto ao mesmo tempo nebuloso e preciso. Sua ideia? Buscar uma "assinatura" global da vida, mais que dissecar algumas amostras demasiadamente locais. E a audácia de sustentar que, ao desvendarmos a composição química da atmosfera marciana pela análise da luz oriunda do Planeta Vermelho, poderíamos talvez perceber se essa atmosfera carrega a marca de seres que nela colhem nutrientes e nela lançam seus dejetos. Ou se, ao contrário, ali simplesmente nada acontece. A ideia de que um simples telescópio munido de um espectrofotômetro permitiria detectar a vida recolocava em questão todo o programa em curso. Os cientistas presentes imediatamente puseram cadeados nas portas, e solicitou-se ao sujeito que voltasse a seus instrumentos... e retomasse sua condição de homem livre e descompromissado o mais rapidamente possível.

A Nasa ficou para trás, mas isso pouco importava. Lovelock havia encontrado uma pista e, como bom sabujo da ciência, nunca mais a abandonaria. Em 1965, ele publicou na revista Nature um primeiro artigo sobre a análise a distância da vida em Marte. Dois anos depois, divulgou algumas das primeiras conclusões, amparadas no estudo da radiação infravermelha desse planeta comparada à da Terra. Eram conclusões extremamente engenhosas e inovadoras, baseadas no segundo princípio da termodinâmica, segundo o qual a matéria tende a uma crescente desordem, à qual se opõe a ação organizadora da vida.

"Expliquei que Marte estava próximo do equilíbrio químico e dominado em 95% pelo dióxido de carbono (uma molécula muito estável), enquanto a Terra estava num estado de profundo desequilíbrio químico", recorda Lovelock. "Em nossa atmosfera, o dióxido de carbono é raro. Aqui, porém, encontramos oxigênio em abundância, que coexiste com o metano e outras substâncias muito reativas." Ora, essa combinação é improvável num planeta onde atuam apenas as leis da química. Para o pesquisador, uma conclusão se impõe: é a vida que renova sem cessar todas essas moléculas e afasta a Terra do equilíbrio químico visto em Marte e Vênus. Esses dois planetas, portanto, estão mortos, enquanto a Terra está viva.

Num planeta no qual há vida, essa característica fica perceptível na atmosfera, onde seres animados colhem nutrientes e lançam dejetos.

Lovelock, que quando muito jovem queria ser médico, se debruça finalmente sobre as propriedades da Terra. E verifica que sua atmosfera, de composição química tão distante do equilíbrio, permaneceu notavelmente estável ao longo das eras. Um pouco como o sangue de um ser vivo. O mesmo se observa no que diz respeito à temperatura: à escala de centenas de milhões de anos, ela exibe uma surpreendente estabilidade. A radiação solar, no entanto, aumentou um terço desde o surgimento da vida na Terra. A propriedade de conservar sua temperatura constante enquanto a do meio circundante varia, a homeotermia, é característica dos animais mais complexos.

Enfim, o raciocínio chega à terceira etapa, a mais controvertida de todas. Lovelock constata que tanto a temperatura como a composição química tendem a valores quase ótimos para a criatura viva – como se o "objetivo" do sistema fosse favorecer a vida. De fato, uma atmosfera com duas vezes mais oxigênio causaria incêndios incessantes, enquanto o oxigênio mais rarefeito acarretaria vários problemas metabólicos para os seres vivos. Segundo Lovelock, a causa é bem clara e, após publicar artigos de grande repercussão, ele resumiu esses pensamentos em 1979 em sua obra de referência: A Terra É um Ser Vivo – A Hipótese Gaia.

Nela, defende a ideia de que a Terra é uma espécie de simbiose (uma associação biológica favorável a todas as partes que a compõem) gigante entre todos os seres vivos e o meio mineral, um superorganismo que se conserva no estado mais favorável possível à vida por meio de mecanismos de retroação (ou seja, o efeito agindo sobre a causa).

Marte (acima), pelas análises de Lovelock, tem uma atmosfera próxima do equilíbrio químico. Já a da Terra se encontra em profundo desequilíbrio químico – fator que indica a existência de vida. Isso levou o cientista britânico a criar a hipótese Gaia, nome da deusa grega (abaixo) associada ao nossso planeta.

Semente da discórdia

Um dos mais eminentes climatologistas norteamericanos da atualidade, David Archer, comenta: "Durante meu primeiro curso de biogeoquímica, fizeram-me ler os primeiros capítulos desse livro. Desde então, impus sua leitura a todos os alunos dos quais me tornei orientador." A ideia, hoje mundialmente aceita, de que é preciso pensar a Terra como um sistema no qual todas as partes interagem, e que biólogos, oceanógrafos, geólogos, meteorologistas, etc. devem trabalhar juntos para conseguir antecipar seu funcionamento, deve muito a Lovelock.

Mas, ao batizar seu objeto de estudo "Gaia", nome de uma divindade feminina (aconselhado por William Golding, Prêmio Nobel de Literatura em 1983), o teórico foi, para muitos, longe demais. Passou-se a recomendar muita prudência na leitura de seus livros, e em várias universidades ele passou a ser tratado como místico e teleólogo, pelo fato de que sua teoria parece conferir um sentido para a vida e a evolução. Imperdoável, para um cientista! Jovens pesquisadores foram inclusive advertidos de que o uso do nome "Gaia" num título de artigo ou trabalho científico podia arruinar ou macular seriamente uma carreira de cientista. Os biólogos, sobretudo Richard Dawkins, acusaram-no com virulência de questionar o darwinismo. Como caracteres "altruístas", favorecendo a biosfera em seu conjunto, e não o indivíduo ou a espécie, poderiam ter sido selecionados pela evolução? Quer-se introduzir aqui uma mão divina, argumentavam, indignados. E não faltaram sequer aqueles que lembravam que o segundo nome de Lovelock, Ephraim, dá testemunho de suas origens familiares rigidamente protestantes...

A independência de pensamento de Lovelock incomoda muita gente. Os ambientalistas, por exemplo, apreciam a metáfora de Gaia, mas se irritam com a defesa histórica que seu criador faz da energia nuclear – para o cientista, a principal fonte energética do futuro.

A simples menção dessas críticas consegue apagar o luminoso sorriso de Lovelock. "Os biólogos tornaram-se exageradamente belicosos por causa dos repetidos ataques desferidos contra eles pelos criacionistas. Assim que alguma coisa sai do seu padrão de pensamento, eles a interpretam como criacionismo e partem para o ataque. Além disso, fazem-no usando as próprias armas dos religiosos, um pouco como se A Origem das Espécies, de Darwin, fosse a nova Bíblia. Não estou minimamente em desacordo com o darwinismo. Minha teoria o engloba, mas em um nível superior. Um pouco como a teoria da relatividade supera, sem a contradizer, a física newtoniana."

Mas, assim sendo, o planeta vivo é apenas uma metáfora? "Claro, ele não é vivo como nós ou uma bactéria, e, nesse sentido, é mesmo uma metáfora", admite Lovelock. "Mas acho que a definição de vida dada pelos biólogos é demasiado restritiva. Afinal, falta a Gaia apenas a reprodução!"

Pode-se apostar que se, em vez de lançar mão do termo Gaia, ele tivesse batizado sua tese de "teoria biogeoquímica", como lhe fora aconselhado, teria evitado muitos aborrecimentos e gozaria de todas as merecidas honras de grande cientista. Mas, como um Dom Quixote da ciência, o obstinado doutor recusa baixar o tom de seus escritos, não admite a retirada de uma única vírgula e se mantém em permanente disputa com seus adversários. Isso lhe valeu um estatuto original de "cientista independente", fora das grandes instituições, inteiramente consagrado à defesa e à consolidação de sua teoria – mas não o impediu de publicar em sua carreira mais de 200 artigos, 30 dos quais na Nature, e de fazer várias descobertas importantes. Por exemplo, a do DMS, aerossóis sulfurosos emitidos pelas algas e capazes de esfriar a atmosfera oceânica. Eles constituem um bom exemplo de retroação "à moda de Gaia": se a temperatura aumenta, as algas proliferam, produzem mais aerossóis... o que, por sua vez, faz baixar a temperatura do oceano.

Tarde demais?

Em relação fria com a maioria das instituições científicas, Lovelock poderia ter se refugiado no seio de uma nova família que lhe estendia os braços: o movimento ecológico. Entusiasmados pela metáfora de Gaia, os ecologistas dos anos 1970 piscam os olhos para seu inventor. Mas desde o início o paradoxal Ephraim não pôde ser digerido pelo movimento verde. É que o homem, que não hesita em se declarar ecologista, é ao mesmo tempo um tecnófilo decidido. Claro, ele manifesta hostilidade à poluição e à excessiva intrusão humana no funcionamento normal de Gaia. Mas isso não o impede de ser, por exemplo, um defensor histórico da energia nuclear – e isso muito antes de a questão do aquecimento global aflorar.

O aquecimento global afetará profundamente a agricultura mundial, deixando-a inviável em diversas regiões do mundo.

"Numerosos verdes franceses, donos de belas mansões na Dordonha (sudoeste do país), vêm a mim para elogiar as vantagens do TGV, o trem ultrarrápido", conta o cientista. "Então, digo a eles: 'Mas vocês sabem que se trata de um transporte nuclear?' Eles, claro, soltam gritos de protesto. Mas isso é verdade! A maior parte dos verdes é feita de burgueses urbanos e bem posicionados na vida. São cheios de boas intenções, mas não entendem nada de ciência nem da realidade."

Embora sempre denunciando as ações poluidoras e os atentados aos ciclos naturais, Lovelock tem se mantido a boa distância de um catastrofismo muito em moda nos meios ecologistas. Para ele, Gaia é bem mais forte que os homens e, no fundo, apenas superficialmente atingida por seus caprichos, mesmo os mais insanos. Ou, melhor dizendo, ele pensava assim: recentemente, mudou quase que radicalmente de posição e, em sua última obra, A Vingança de Gaia, dá um verdadeiro grito de alarme.

"Esse livro", diz ele, "nasceu de uma visita ao Hadley Centre (centro de estudos do clima britânico) em janeiro de 2005. À medida que passava de departamento a departamento, dos especialistas da banquisa polar aos do oceano, e depois aos da floresta, o repicar do sino era sempre o mesmo: as coisas se degradam e a retroação será positiva. Ou seja: por exemplo, o desaparecimento da banquisa oceânica no Ártico irá acelerar o aquecimento do oceano, o oceano não conseguirá mais absorver o carbono, o aquecimento da floresta irá liberar ainda mais CO2... O perigo é mortalmente sério."

Gaia, portanto, está em perigo? "Gaia, precisamente, não", estima Lovelock, "mas, se o aumento da temperatura que prevejo, de 6 a 8 graus centígrados, se produzir, a civilização poderá ser ameaçada: teremos uma extinção em massa de espécies e a agricultura se tornará impossível em boa parte da superfície do planeta. O alimento será insuficiente, haverá migrações de populações inteiras, conflitos, a humanidade se concentrará ao redor das regiões polares..." Esse prognóstico se justifica, segundo Lovelock, pelo fato de modelos atuais subestimarem as retroações.

Fazer as pazes com a Terra

Em seu último livro, A Vingança de Gaia (Editora Intrínseca), Lovelock traça um prognóstico pessimista, julgando que nosso planeta está febril e que sua saúde declina. Ele pede uma reação enérgica para salvar aquilo que ainda pode ser salvo – "fazermos as pazes com Gaia enquanto ainda somos fortes o bastante para negociar, e não quando tivermos nos tornado uma multidão dividida e vencida, em via de extinção".

O momento atual, para ele, é o de uma "retirada sustentável", mais que de um "desenvolvimento sustentável". Para ilustrar a situação, ele costuma usar a metáfora de Napoleão às portas de Moscou em 1812: "Acreditamos ter vencido todas as batalhas, mas a verdade é que avançamos demais, temos demasiadas bocas para alimentar e o inverno se aproxima..." E o Protocolo de Kyoto? Nova metáfora: "É como os acordos de Munique que vivi na minha juventude. O mundo inteiro percebe o perigo que se aproxima e os políticos pronunciam belas frases e fazem de conta que estão fazendo alguma coisa."

A humanidade representa uma grande oportunidade para Gaia, diz Lovelock. "Somos, de certa forma, seu sistema nervoso", ressalta o cientista. "Ela perderia muito se nos perdesse."

Medicina planetária

Diante da gravidade do momento, e fiel a seu gosto pela tecnologia, Lovelock concebe sem reticências uma "medicina planetária". Ela inclui estratégias para refrescar artificialmente o planeta, seja na forma de aerossóis sulfurosos, seja na de espelhos gigantes instalados em órbita no espaço, e várias outras soluções paliativas.

Ele preconiza uma nuclearização maciça da eletricidade mundial e sugere inclusive que uma parte de nossa alimentação seja produzida artificialmente, em fábricas, para minimizar nossa utilização do espaço natural. Programa surpreendente, que demonstra a independência de pensamento de um homem que, apesar de quase meio século de uso da palavra livre, é agora recebido pelos grandes do planeta, como Al Gore, ex-presidente norte-americano e Prêmio Nobel da Paz de 2007.

E como estão as relações entre o homem e Gaia? Será preciso ver nossa espécie como um tipo de câncer do planeta, paralisando pouco a pouco suas funções reguladoras? "A aparição da humanidade constituiu uma grande oportunidade para Gaia", protesta o cientista. "Somos, de certa forma, seu sistema nervoso. Em todo caso, é graças a nós que ela de algum modo tomou consciência de si mesma e inclusive conseguiu se ver a partir do espaço exterior. Ela perderia muito se nos perdesse." E conclui com uma última metáfora: "Gaia, vocês sabem, é como uma avó que recolheu em sua casa um bando de adolescentes demasiado indisciplinados e turbulentos. Ela poderá – talvez com a morte na alma – trancar a porta e deixá-los do lado de fora."

James Lovelock é doutor honoris causa de uma dezena de universidades ao redor do mundo. Ganhou prêmios científicos de vários organismos, tais como a Organização Mundial de Meteorologia, a Academia de Ciências da Holanda, a Sociedade Norte-Americana de Química e o Laboratório Marinho de Plymouth.
A HIPÓTESE GAIA

Na década de 70 o inglês James Lovelock elaborou a hipótese Gaia, e segundo ela, o planeta Terra se comporta como um só organismo vivo

Por: Paula Louredo, bióloga (http://www.brasilescola.com/biologia/hipotese-gaia.htm)
A hipótese Gaia foi elaborada pelo cientista inglês James Lovelock no ano de 1979, e fortalecida pelos estudos da bióloga norte-americana Lynn Margulis. Essa hipótese foi batizada com o nome de Gaia porque, na mitologia grega, Gaia era a deusa da Terra e mãe de todos os seres vivos.

Segundo a hipótese, o planeta Terra é um imenso organismo vivo, capaz de obter energia para seu funcionamento, regular seu clima e temperatura, eliminar seus detritos e combater suas próprias doenças, ou seja, assim como os outros seres vivos, um organismo capaz de se autorregular. De acordo com a hipótese, os organismos bióticos controlam os organismos abióticos, de forma que a Terra se mantém em equilíbrio e em condições propícias de sustentar a vida.

A hipótese Gaia sugere também que os seres vivos são capazes de modificar o ambiente em que vivem, tornando-o mais adequado para sua sobrevivência. Dessa forma, a Terra seria um planeta cuja vida controlaria a manutenção da própria vida através de mecanismos de feedback e de interações diversas.

Um dos argumentos utilizados pelos defensores dessa hipótese é o fato de que a composição da atmosfera hoje parece depender principalmente dos seres vivos. Sem a presença dos seres fotossintetizantes o teor de gás carbônico (CO2) na atmosfera seria altíssimo, enquanto que nitrogênio (N2) e oxigênio (O2) teriam concentrações muito baixas. Com a presença dos seres fotossintetizantes, a taxa de CO2 diminuiu, aumentando consideravelmente os níveis de N2 e O2 disponível na atmosfera. Essa redução do CO2 favorece o resfriamento do planeta, já que esse gás é o principal responsável pelo efeito estufa, influenciando muito na temperatura do planeta. Segundo esse argumento, a própria vida interferiu na composição da atmosfera, tornando-a mais adequada à sobrevivência dos organismos.

Embora muitos cientistas concordem com essa hipótese, outros não a aceitam, discordando da ideia de que a Terra seja um "superorganismo". Um dos argumentos utilizados por esses cientistas é que não só os fatores biológicos moldam o planeta, mas também fatores geológicos, como erupções vulcânicas, glaciações, cometas se chocando contra a Terra, que modificaram e ainda modificam profundamente o aspecto do planeta.

Discordando ou não, a hipótese Gaia nos chama a atenção para as relações existentes entre os seres vivos e o meio ambiente, e principalmente para as relações existentes entre nossa espécie e os demais seres vivos. Dessa forma, utilizemos essa hipótese para refletir sobre os impactos que as nossas atividades estão causando no planeta Terra.

http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/99301/A-Terra-%C3%A9-um-ser-vivo-E-n%C3%B3s-somos-o-seu-sistema-nervoso.htm

sábado, 13 de abril de 2013

Desenvolvimento Sustentável

"o desenvolvimento sustentável é bastante criticado por ambientalistas, que além de sugerirem uma mudança radical no âmbito da sustentabilidade, propõem uma mudança social profunda. 

Uma das críticas ao DS, que vem ganhando relevância é o slogan político do decrescimento. Serge Latouche, em seu ensaio, deixa bem claro que o decrescimento (decroissance, em francês) não é um conceito e também não significa o "oposto simétrico do crescimento" (p. 48) 

Pode-se dizer que o decrescimento é uma crítica à estrutura da sociedade ocidental, alimentada pelo consumismo desenfreado, pelo gasto energético desmedido. 

Essa noção de crescimento, segundo Latouche, causa pelo menos três efeitos negativos: "ela produz um aumento das desigualdades e injustiças; ela cria um bem-estar amplamente ilusório; ela não suscita, mesmo para os que mais se beneficiam, uma sociedade amigável e sim uma antissociedade que padece de sua riqueza"....

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/resenha-do-livro-enfrentando-os-limites-do-crescimento#comment-1334703

sábado, 16 de fevereiro de 2013

O bem comum como maior valor social

Estamos precisando da multiplicação dos pães”, sustenta esse rabino que vive no Rio de Janeiro, autor de vários livros e uma peça teatral, A Alma Imoral, de grande sucesso. Não como a reprodução infindável de carros, tevês e microondas – mas sim como o desejo de criar e a capacidade de usufruir de bens coletivos.

Imersos em um capitalismo globalizado que transformou o dinheiro no maior valor individual, e o crescimento econômico no principal objetivo político, é de nossos corações e mentes que se irradia o desequilíbrio manifestado na natureza – lembra o autor de “Ter ou não ter, eis a questão – A sabedoria do consumo”. No centro, a questão do individualismo: o sistema que sacralizou o consumo e alimenta a desigualdade não tem como oferecer aos 7 bilhões de habitantes do planeta os objetos de desejo que criou, e oferece insistentemente aos nossos olhos.

Se todas as benesses que podemos imaginar conseguir na vida estão no campo individual, vamos continuar querendo consumir cada vez mais. Se não tivermos prazeres que não sejam obter, ter, possuir, em pouco tempo vamos nos descobrir muito pobres”, alerta.

Nilton Bonder – que participa, em março, da primeira Missão de Líderes Muçulmanos e Judeus das Américas, em Washington, nos EUA, em busca do “diálogo e cooperação como alternativa ao fanatismo e radicalismo” – recorda que as religiões já previam que esse modelo de poder individual é um modelo apocalíptico que, mais cedo ou mais tarde, levaria a humanidade à destruição.

No paradigma de hoje, estamos incluindo os cidadãos como indivíduos. Mas teremos de pensar em uma inclusão de cidadania que vise o bem coletivo”, observa. Ressignificar o sentido da vida e do prazer, transformando a relação do ser humano consigo mesmo.

Como, porém, fazer essa mudança sem perder os direitos que conquistamos? “Essa é uma questão civilizatória complexa: como desmontar a liberdade que foi conquistada pelo indivíduo sem que ela seja sufocada por um Estado que venha a intervir em nome de cataclismas ou da economia. Não conhecemos essa resposta, mas minha intuição diz que o ser humano talvez venha a viver um processo não muito suave.”

A grande esperança, para ele, reside nos jovens. “Em uma cultura, como a nossa, sem lastro histórico de indignação, só a juventude tem a capacidade de se insurgir pelo direito de exercer a cidadania – até porque é quem tem mais a perder, a longo prazo, com tudo de errado que esteja sendo cometido neste país.” A seguir, a entrevista. (I.C.)

Como o senhor vê a participação política do brasileiro?

Penso que estamos muito aquém de ter uma massa politicamente consciente e ainda há muito por conquistar, embora tenhamos feito progressos nessa área. Alguns mecanismos já estão disponíveis a boa parte do povo, como o acesso à informação – um fenômeno planetário. Da classe C em diante tem a televisão a cabo, que acabou com a hegemonia de uma televisão sem nenhum tipo de reflexão.

E os próprios eventos da política nacional – eventos traumáticos, escândalos como o impeachment de um presidente – capitalizam uma reflexão. O Ficha Limpa também significou um amadurecimento, esses movimentos têm um valor agregado informativo que vai além dos grupos mais prósperos.

Mas ao mesmo tempo existem aspectos culturais que não favorecem a participação política. Não temos um histórico de indignação, as pessoas têm uma postura muito dócil – o que, em certos momentos, é percebido como um valor, a qualidade da tolerância, mas muitas vezes é uma falta, talvez histórica, de o povo saber que sua indignação pode ter um grande poder.

Quais os meios que o jovem tem para atuar politicamente?

O jovem é a grande esperança, sempre. Porque a indignação não se manifesta necessariamente com a promoção de atos ou distúrbios, a indignação é uma visão política, dos direitos do cidadão, e é a juventude que tem capacidade de melhorar esses índices de indignação. As pessoas de mais idade têm uma tendência à acomodação, elas carregam a cultura do país, o fardo do período da ditadura.

No Congresso Nacional ainda vislumbramos autoridades que evocam esse poder do período ditatorial, quando a autoridade era inquestionável – um tom que perdura nas elites políticas do país. A juventude tem essa capacidade de indignação e, mais importante, é quem tem mais a perder, a longo prazo, com tudo de má qualidade que esteja sendo feito no país. Então, tem um potencial muito importante, principalmente em exigir programas responsáveis, não baseados no imediatismo, mas de longo prazo.

O senhor mencionou o Ficha Limpa. Algum outro movimento chamou sua atenção, no Brasil ou fora dele, recentemente?

A Primavera Árabe, apesar de estarmos tão longe, acaba sendo uma inspiração. E agora temos mobilizações nos EUA. Há uma certa abertura para a indignação, nesse momento. Nas últimas semanas tivemos movimentos contra a corrupção, que não têm uma agenda muito desenvolvida, são mais para expressar a percepção de indignação.

Mas a corrupção não é isolada, ela está costurada às leis da política brasileira. Temos necessidade de reformas nas leis que gerem a política. A capacidade do povo brasileiro de enxergar as questões estruturais que impactam nosso país, e se indignar com elas – se a gente conseguir isso, teremos elevado nosso nível de questionamento político. E temos o desejo de que haja reformas estruturais.

Quais são essas reformas?

Penso que elas começam desmontando bolsões de poder político. Nas leis eleitorais, nas leis de distribuição de recursos, temos práticas herdadas de construções políticas do passado que pedem reformas. Hoje as pessoas têm noção de que a sua economia não só é onerada por índices como a inflação, por exemplo, mas também por impostos ou pela falta de infraestrutura.

Estamos caminhando para a identificação desses inimigos públicos, que antes ficavam muito localizados no escândalo. Hoje o que é escandaloso é o uso de recursos públicos para atender agendas que são pessoais, de indivíduos ou grupos políticos: três bilhões de reais distribuídos em emendas no Congresso, num país com carência em todas as áreas de infraestrutura. É um processo político que todo mundo diz que entende, mas que provoca certa indignação. Formas de corrupção construídas na própria legitimidade das leis. É essa consciência e essa indignação que seria muito importante de serem trazidas a um conhecimento maior. Mas já avançamos na massa crítica que identifica essas questões.

Quais os temas que mobilizam a sociedade brasileira, a seu ver?

Estamos imersos nesse neoliberalismo, um capitalismo globalizado que nos achatou culturalmente, embora todos tenhamos peculiaridades. Hoje, mais do que qualquer outra coisa, a economia é o valor. 
E isso vai além da questão política – mesmo áreas em que antes se tinha uma filiação, uma relação com as raízes culturais, são totalmente sobrepassadas por essa questão econômica.

Na questão religiosa, por exemplo, muitas pessoas deixaram sua religião de raiz, dos pais, avós etc., para aderir a religiões que oferecem, além do discurso religioso, algum tipo de agremiação e ajuda mútua, de promoção na área econômica. Isso é presente até mesmo no Brasil, que tem raízes religiosas profundas. Esse é o fundamento, também, da política: os que são eleitos estão fundamentados na melhoria da área econômica, e isso suplantou até mesmo o discurso da qualidade de vida pela educação, pela saúde. É uma tendência global. Todos os países que fazem parte da modernidade e que aderiam a certas formas de comercialização, de economia mundial, estão vivendo sob o impacto da soberania econômica.

Isso me leva a pensar na questão do consumo.

É o consumo que alavanca toda essa perspectiva. Consumir é identificado imediatamente com qualidade. É interessante que a gente pegue, nesse universo, modelos de países desenvolvidos – os verdadeiros, não os de marketing. São os países do norte europeu, que não são extremamente consumistas e valorizam saúde, educação, segurança, cidadania básica acima do consumo. Mas os emergentes, e mesmo a própria Europa, hoje, fora os países nórdicos, aderiram a essa crença de que é o consumo, o crescimento que vai produzir bem-estar.

A liberdade ainda é uma bandeira?

A liberdade é uma conquista que, penso, as pessoas não tolerariam que fosse de qualquer maneira cerceada. É um dos alicerces dessa civilização que estamos construindo. A mesma coisa com a consciência ecológica, que vai ganhando força. Temos avançado tanto nesse território – liberdade para as mulheres, para os homossexuais, para as minorias religiosas. A liberdade está muito presente, e não há percepção de ameaça a essa questão, hoje. Bandeiras que há 20 anos ou 10 anos eram impactantes se consolidaram como conquistas.

O senhor considera que as redes sociais têm um papel na mobilização política?

Elas ainda são um meio utilizado pelas classes mais abastadas, não desenvolveram o potencial que podem ter. Mas estão se tornando uma mídia que abrange cada vez mais a sociedade. São um veículo extremante interessante, que derrubou certos modelos de comunicação, como a antiga rádio, que era um grande instrumento dos políticos no interior. Começa a existir um outro parâmetro nas comunicações – e aí o impacto é grande.

Pensando em tudo isso, como o senhor imagina novas formas de ação política?

O Brasil não precisa mais de heróis. As pessoas amadureceram para buscar lideranças, individuais ou partidárias, que sejam realmente comprometidas com uma agenda de trabalho. Essa é a grande “ficha limpa” que vamos realizar. A gente precisa de pessoas que tenham um histórico de envolvimento com o trabalho em suas vidas. A Marina Silva foi exemplo disso, ela alavancou uma votação que não se imaginava. Havia ali um discurso que não dizia “vou baixar 10 reais o preço de não sei o quê, tirar 50 centavos do transporte público”. Não havia promessa, mas uma pessoa que esboçava inclusive suas limitações. Esse é o personagem cada vez mais buscado pelas pessoas.

No Nordeste também tivemos políticos bem votados, que mostraram certa seriedade e se afastaram desse lugar do populismo. Essas novas lideranças só não emergem com mais força porque temos a corrupção agindo. A corrupção é a quantidade de tempo que certos partidos ou grupos conseguem na televisão – e que não é construído com legitimidade real, de trabalho, mas em cima, de novo, de corrupção dentro da legalidade. As luzes estão se voltando para esses absurdos – e penso que eles serão extintos.

Que valores sustentam essa consciência nascente?

Valores importantes. Temos tido uma presença maior do trabalho formal, deixando para trás um país que queria levar vantagem, um país do jeitinho brasileiro, da informalidade. As pessoas estão pagando impostos, participando de toda essa estrutura cívica que é o contrato social. O trabalho hoje é um valor no Brasil, um valor importante, que leva as pessoas a buscar economizar, a vislumbrar uma estratégia em suas vidas. Diria que o valor do trabalho é uma espécie de autovalor, a inclusão das pessoas na cidadania.

A formalização do trabalho também tira as pessoas de certa clandestinidade, e faz com que elas passem a valorizar a honestidade. Mais brasileiros podem ser honestos, hoje, e os honestos demandam mais honestidade. Penso que essa é uma das grandes mudanças que têm acontecido: mais pessoas vivendo o valor da honestidade e fazendo essa demanda por honestidade.

Pensando no futuro, como o senhor vê as novas gerações convivendo em um planeta tão pequeno?

Vamos precisar de muita, muita maturidade. Porque o desequilíbrio que a gente aponta na natureza, no clima, esse desequilíbrio é estrutural nosso. No centro está a questão do consumo, da riqueza. Não sabemos lidar com a riqueza, estamos deslumbrados. É também um mundo muito individualista. Fomos para um caminho que economicamente se mostrou mais viável, mais eficiente, mas há um paradoxo nessa eficiência.

Estou falando de um capitalismo que não conseguirá, a médio prazo, produzir qualidade de vida para todo o planeta – se todos formos ter um carrinho e todos os objetos que são hoje apresentados como sonho de consumo. Talvez até pudéssemos ter esses objetos, mas veríamos o surgimento de problemas muito graves, climáticos e de qualidade do ar, da água. Falamos disso como se fosse virtual, mas pouco a pouco essas coisas vão se mostrar reais.

Vamos ter de conhecer algum tipo de processo mais coletivo, de interesse coletivo. Nesse paradigma que vivemos hoje, estamos incluindo os cidadãos como indivíduos – agora mais gente pode comprar, pode exercer a cidadania. Mas a cidadania do indivíduo é um pouco como aquela historinha: o sujeito sentado em um barquinho e começa a fazer um buraco debaixo da sua cadeira. Quando as pessoas começam a reclamar, “você está fazendo um buraco no barco”, ele diz “não se mete, estou fazendo debaixo do meu banco”.

É um pouco como funcionamos – estamos construindo o direito de todos fazermos um buraco debaixo do nosso banco. Só que em algum momento vamos perceber que isso não é um direito, e então teremos de pensar uma inclusão de cidadania que vise o bem coletivo. Isso vai ser muito complexo para todos nós, vai exigir maturidade para fazer acertos que não sejam violentos. É uma questão civilizatória muito complexa: como é que vamos desmontar o direito que foi dado ao indivíduo, essa liberdade, sem que ela seja sufocada por um Estado que venha a intervir em nome de cataclismas ou da economia? Quando um país começa a falir, a tendência é surgir um estado autoritário, porque alguém tem que fazer o que tem de ser feito. Então, é muito complicado.

Falando no longo prazo, eu usaria até mesmo uma imagem bíblica: estamos precisando da multiplicação dos pães. O mundo não vai poder ter um automóvel para cada um dos seus 7 bilhões de habitantes, nem um microondas, nem uma televisão. Do ponto de vista da economia, isso talvez seja um sonho maravilhoso, mas esse sonho é inviável. Em algum momento vamos conhecer a inviabilização desse projeto. A multiplicação dos pães não é a multiplicação dos carros e dos microondas, mas o conhecimento de qual riqueza nós dispomos e a capacidade de usufruir, não do fato de ter eu um carro, mas sim de ganhar alguma qualidade coletiva. Se todas as benesses que podemos imaginar conseguir na vida estão no campo individual, vamos continuar querendo consumir cada vez mais. Se não tivermos prazeres que não sejam obter, ter, possuir; se não tivermos prazeres que são coletivos, em pouco tempo vamos nos descobrir muito pobres. A multiplicação dos pães não é no sentido exponencial, como se pode imaginar. É a criação de outros valores, valores que façam as pessoas terem como objeto de consumo coisas coletivas. O que é coletivo modifica qualitativamente a relação de consumo.

A espiritualidade teria um papel nessa mudança?

As religiões, de forma muito profética, mas obviamente sem ter os instrumentos para saber quando isso aconteceria, anteciparam esses eventos. O projeto de poder do homem, por mais que seja controlado pela democracia, o levaria mais cedo ou mais tarde à destruição.

As religiões antecipavam que esse modelo de poder individual é um modelo apocalíptico. É um modelo que vai levar as pessoas a um conflito muito grande, e elas então vão precisar de uma nova consciência. Os profetas falavam em uma circuncisão no coração. As pessoas teriam uma nova perspectiva do que é a vida, do que é o prazer, de qual é o sentido da vida, e essa seria uma mudança qualitativa na relação que o ser humano tem consigo mesmo. Penso que essa é a grande mudança que viveremos, lá na frente. Seremos uma população consciente, que vai olhar para nós, que vivemos hoje, como seres primitivos – e a ênfase no individualismo está no centro desse primitivismo.

Como fazer essa mudança sem perder os padrões de liberdade que a gente tem hoje? Sem promover nenhuma forma de repressão aos prazeres, às conquistas que o ser humano alcançou? Essa é a resposta que não conhecemos. Mas minha intuição diz que o ser humano talvez venha a viver um processo não muito suave.

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