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segunda-feira, 5 de março de 2018

Clarividência

Milton Santos demonstrando como a história pode dar suporte para o entendimento dos acontecimentos presentes e futuros, insere o conceito de Clarividência, como a habilidade adquirida de “tentar ver, a partir do presente o que se projeta no futuro”, firmando que ter clarividência é uma virtude que se adquire pela intuição, mas sobretudo pelo “estudo”, ou seja, ver pelo presente o que se projeta no futuro. O tocante nessa afirmação entende-se REALIDADE.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Milton Santos e a história

Milton Santos demonstrando como a história pode dar suporte para o entendimento dos acontecimentos, insere o conceito de Clarividência,

"como a habilidade adquirida de “tentar ver, a partir do presente o que se projeta no futuro”, firmando que ter clarividência é uma virtude que se adquire pela intuição, mas sobretudo pelo “estudo”, ou seja, ver pelo presente o que se projeta no futuro. O tocante nessa afirmação entende-se REALIDADE."

A história é a única coisa que não falha.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

A atualidade do pensamento de Milton Santos

"Teríamos que retomar o debate da civilização, que foi substituído pelo debate do crescimento econômico: se vamos aumentar os juros, se vamos facilitar um pouco de inflação. Mas a civilização, ela própria, não é objeto de discussão. E isso abre espaço para uma série de barbáries."

Sobre a globalização

“É preciso perceber três espécies de globalização se queremos escapar à crença de que este mundo, assim como nos é apresentado, é a única opção verdadeira:

Há o mundo tal como nos fazem vê-lo, com a globalização como fábula; o segundo é o mundo como ele é, com a globalização como perversidade; e o terceiro, o do mundo como ele pode ser, o da outra globalização.

A globalização tem três faces, portanto: é uma fábula, na medida em que fantasia-se acerca de mitos como a comunicação universal, o fim do Estado e a aldeia global.

O outro lado é a globalização perversa, que ataca a maioria dos países pobres, trazendo miséria, fome e doenças. Mas as mesmas técnicas que permitem em países ricos a proliferação da ideologia perversa permitirão aos países pobres um movimento de baixo para cima, que imporá uma nova ideologia mais humana.”

A imprensa como instrumento de propaganda a serviço de grupos específicos

“A globalização perversa é baseada em fábulas como a da comunicação global, do espaço e tempo contraídos, da desterritorialização e da morte do Estado. São fábulas porque a informação é centralizada e manipulada no interesse das grandes empresas. A diminuição de espaço e tempo pregada só acontece para poucos. A globalização perversa precisa dos territórios e dos governos internos para se manter e a morte do Estado, por sua vez, só aproveita às poucas empresas hegemônicas.

Todas essas fábulas são inculcadas nos cidadãos antes mesmo de qualquer ação.

Nascem daí a violências estrutural e a perversidade sistêmica, onde a competitividade e a potência (falta de solidariedade ou prevalência sobre os outros) puras, unidas à ideologia neoliberal, fazem parecer normais as exclusões sociais. Fala-se muito em violência da sociedade de nosso tempo, mas esquece-se que as violências que mais percebemos são apenas derivadas. A violência estrutural resulta da presença, em estado puro, da competitividade, da potência e do dinheiro. A essência da perversidade é a competitividade, uma guerra em que tudo vale para conquistar melhores espaços no mercado.”

A gestão do “novo”

“... A gestação do novo, na história, dá-se frequentemente, de modo quase imperceptível para os contemporâneos, já que suas sementes começam a se impor quando ainda o velho é quantitativamente dominante. É exatamente por isso que a “qualidade” do novo pode passar despercebida... A história se caracteriza como uma sucessão ininterrupta de épocas. Essa idéia de movimento e mudança é inerente à evolução da humanidade. É dessa forma que os períodos nascem, amadurecem e morrem...”

“... Uma outra globalização supõe uma mudança radical das condições atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem: a precedência do homem. Sem dúvida, essa desejada mudança apenas ocorrerá no fim do processo, durante o qual o reajustamentos sucessivos se imporão. Nas presentes circunstâncias a centralidade é ocupada pelo dinheiro, em suas formas mais agressivas, um dinheiro em estado puro sustentado por uma informação ideológica, com a qual encontram simbiose...”

Os atores que vão mudar a história são os atores de baixo. Vão agir de baixo para cima. Os pobres em cada país, os países pobres dentro dos diversos continente, os continentes pobres em face dos continentes ricos. De tal forma, não teremos uma revolução sincronizada: haverá explosões aqui e ali em momentos diferentes, mas que serão impossíveis de conter.

O Estado

O Estado é indispensável porque as chamadas organizações do terceiro setor não são abarcativas, não podem cuidar do conjunto das pessoas que precisam de cuidados. Já o Estado tem a tendência de cuidar de todos, de todas as pessoas. Essa produção democrática que as ONGs ou o terceiro setor – por suas limitações de origem, financiamento, objetivos – não podem fazer. Então, o Estado torna-se algo cada vez mais indispensável, porque as fontes criadoras de diferenças e desigualdades são muito mais fortes que no passado.

Democracia vazia

A gente esvaziou a palavra democracia de conteúdo. Continua-se falando em uma democracia sem saber muito bem do que se está falando. Nós utilizamos uma série de conceitos que vêm de um outro tempo – e que tornam vazios, porque o tempo mudou! – da maneira que é conveniente. Usa-se o conceito de democracia com referência ao meramente eleitoral. O resto – a representatividade, a responsabilidade, tudo isso – perdeu força.

Responsabilidade da educação

"A educação corrente e formal, simplificadora das realidades do mundo, subordinada à lógica dos negócios, subserviente às noções de sucesso, ensina um humanismo sem coragem, mais destinado a ser um corpo de doutrina independente do mundo real que nos cerca, condenado a ser um humanismo silente, ultrapassado, incapaz de atingir uma visão sintética das coisas que existem, quando o humanismo verdadeiro tem de ser constantemente renovado, para não ser conformista e poder dar resposta às aspirações efetivas da sociedade, necessárias ao trabalho permanente de recomposição do homem livre, para que ele se ponha à altura do seu tempo histórico."

O tecnicismo engessador

"Em nome do cientismo, comportamentos pragmáticos e raciocínios técnicos, que atropelam os esforços de entendimento abrangente da realidade, são impostos e premiados. Numa universidade de ‘resultados’, é assim escarmentada a vontade de ser um intelectual genuíno, empurrando-se mesmo os melhores espíritos para a pesquisa espasmódica, estatisticamente rentável. Essa tendência induzida tem efeitos caricatos, como a produção burocrática dessa ridícula espécie de ‘pesquiseiros’, fortes pelas verbas que manipulam, prestigiosos pelas relações que entretêm com o uso dessas verbas, e que ocupam assim a frente da cena, enquanto o saber verdadeiro praticamente não encontra canais de expressão."

Sobre a violência atual

“O caldo de cultura que baliza a vida já é violento em si. A globalização exige de todos os atores, de todos os níveis e em todas as circunstâncias, que sejam competitivos. Esse processo exige que empresas, instituições, igrejas sejam competitivas. A competição estimula a violência porque a regra que vigora é a regra do resultado. Não existe ética. Quando, por exemplo, se privilegia, no ensino secundário, a formação técnica, sem nenhum conteúdo humanístico, está se criando mais um caldo de cultura que estimula atitudes violentas.”

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Por uma outra globalização – Milton Santos

Introdução geral
 
É preciso perceber três espécies de globalização se queremos escapar à crença de que este mundo, assim como nos é apresentado, é a única opção verdadeira:

há o mundo tal como nos fazem vê-lo, com a globalização como fábula; o segundo é o mundo como ele é, com a globalização como perversidade; e o terceiro, o do mundo como ele pode ser, o da outra globalização.

A globalização tem três faces, portanto: é uma fábula, na medida em que fantasia-se acerca de mitos como a comunicação universal, o fim do Estado e a aldeia global.

O outro lado é a globalização perversa, que ataca a maioria dos países pobres, trazendo miséria, fome e doenças. Mas as mesmas técnicas que permitem em países ricos a proliferação da ideologia perversa permitirão aos países pobres um movimento de baixo para cima, que imporá uma nova ideologia mais humana.

A produção da globalização

Como só se pensa na crise financeira, a crise política, a crise social e a crise moral ficam em segundo plano e se aprofundam mais.

A globalização é produzida com uma série de ferramentas, como a unicidade da técnica, que faz com que todo o mundo tenha acesso às últimas novidades técnicas. A informação é outro expediente que permite a técnica única e que leva à convergência de momentos, ou seja, à ocorrência em todos os grandes centros dos efeitos das mudanças no resto do mundo. Mas essa informação é deturpada e também gera efeitos.

A unicidade da técnica e a convergência de momentos fazem com que a o único motor do mundo seja a mais-valia. Tudo se faz para aumentá-la e, em conseqüência, a competitividade aumenta.

O motor único também é possível graças ao conhecimento do planeta, à medida que é possível escolher lugares e materiais mais lucrativos.

Tudo isso leva a crer que o período por que passamos é uma crise, que requer uma mudança estrutural.

Uma globalização perversa

A globalização perversa é baseada em fábulas como a da comunicação global, do espaço e tempo contraídos, da desterritorialização e da morte do Estado. São fábulas porque a informação é centralizada e manipulada no interesse das grandes empresas. A diminuição de espaço e tempo pregada só acontece para poucos. A globalização perversa precisa dos territórios e dos governos internos para se manter e a morte do Estado, por sua vez, só aproveita às poucas empresas hegemônicas.

Todas essas fábulas são inculcadas nos cidadãos antes mesmo de qualquer ação.

A busca incessante pelo dinheiro leva à competitividade que gera individualismos e violência. O discurso hegemônico, por sua vez, faz isso parecer inevitável. Sai de cena então a solidariedade e cresce o desemprego e a miséria.

Os homens não são mais cidadãos, mas meros consumidores, comandados pelas técnicas de marketing e design, impostas pela suposta “informação”.

A ciência (e aí se incluem as pesquisas eleitorais) é ideologizada e também cai num círculo vicioso para legitimar a própria ideologia de que é vítima.

Nascem daí a violências estrutural e a perversidade sistêmica, onde a competitividade e a potência (falta de solidariedade ou prevalência sobre os outros) puras, unidas à ideologia neoliberal, fazem parecer normais as exclusões sociais. Fala-se muito em violência da sociedade de nosso tempo, mas esquece-se que as violências que mais percebemos são apenas derivadas. A violência estrutural resulta da presença, em estado puro, da competitividade, da potência e do dinheiro. A essência da perversidade é a competitividade, uma guerra em que tudo vale para conquistar melhores espaços no mercado.

Na evolução das sociedades o progresso da ciência caminhava em direção ao da humanidade. A revolução industrial quebrou esse ritmo, mas as idéias filosóficas e morais da época conseguiram manter um contrapeso. O resultado foi o alcance do Estado Social. A globalização perversa ainda consegue quebrar esse processo e faz o homem retornar ao estado primitivo do cada um por si. Milton Santos entende, portanto, que o homem caminha para o progresso, mas há algumas falhas nessa caminhada.

Além disso, os avanços tecnológicos apenas servem aos interesses do mercado, sem consideração com os da humanidade.

Por outro lado, as grandes empresas passam a dominar o cenário político e chantageam governos para que concedam incentivos fiscais na instalação.

De todo esse processo advém a pobreza estrutural, excludente, que a ideologia neoliberal (Hayek) insiste ser necessária, inevitável e natural e que, por isso, deve-se em alguma medida estimulá-la. Se a crise é estrutural, não são possíveis soluções não-estruturais. A ruptura como o sistema da globalização perversa há de ser total.

Nesse quadro, o papel dos intelectuais é quebrar o pensamento único, fazendo a dialética, porque o globalitarismo só é forte se encontra contrapartida interna. Quer dizer, depende de cada país o modo com vai se inserir na globalização.

O território do dinheiro e da fragmentação

Antigamente as diferentes velocidades entre os Estados não separavam os agentes, pois a política compensava a diversidade, assegurando a soberania de grandes diferenças e conduzia ao enriquecimento dos direitos sociais.

A globalização traz a ideologia de que a fluidez é um bem comum, quando na verdade apenas alguns agentes podem utilizá-la. Imponto o ritmo, o mercado controlado pelas grandes empresas busca apenas expansão e não união. O mundo é forçado a se amoldar às vontades e necessidades das empresas.

Como conseqüência, fragmenta-se o território, com as empresas hegemônicas criando ordem para si e desordem para o resto. Em reação a esse fenômeno criam-se novas soberanias, como o país basco.

Na agricultura, por exemplo, há uma demanda externa de racionalidade, que leva à militarização do trabalho: deve-se seguir as regras hegemônicas da produção (soja, por exemplo). Isso leva à servidão e ao desemprego.

Por isso, diz-se que o campo é o lugar da vulnerabilidade e a cidade o da resistência. Esta característica da cidade pode ser explicada porque nela as racionalidades da globalização se difundem mais extensivamente, ainda mais quando paralelamente há produção de pobreza. Mas ambos estão subordinados às lógicas das empresas globais, que impedem as regulações locais. O que vale é a norma global. Daí criarem-se regionalismos exacerbados que ameaçam a integridade nacional. A vida acaba obedecendo às lógicas exógenas.

Milton Santos percebe a necessidade de uma federação de lugares, a partir de células locais, uma regionalização não fragmentada para que se possa atuar na federação.

Outra dado que pode ser reunido é o das metamorfoses dos conceitos de território e dinheiro. O território passa a ser a identidade de determinado lugar, ao passo que o dinheiro não representa mais apenas elemento de troca, mas fator de avaliação das características de dado território. Como exemplo dessa constatação lembro os avaliadores de riscos dos países, que se especializaram em estudar o valor que determinados lugares tem na mercado internacional.

O domínio do dinheiro acaba tendendo a homogeneizações, que são contrariadas aos poucos pelas resistências locais. Na América Latina esse processo se dá através do macrocrescimento de algumas empresas. Esse crescimento satisfaz a busca dos governos neoliberais pelo aumento do PIB. Por isso, é necessária a decisão das minorias de participar ativamente do processo, decisão que fortalece todos os entes da federação.

O autor apresenta a teoria das verticalidades e horizontalidades. As verticalidades seria forças de ordens externas e superiores que atendem a interesses corporativos – pontos que formam “o espaço de fluxos”. O poder assim exercido leva o processo organizacional a se dar no ritmo dos macroagentes que não dão espaço aos pequenos. Esse modelo tem a característica de ser construído para ser indiferente ao seu entorno. Suga-se até não dar mais, depois, adiós!

Ao passo que se pode caracterizar as verticalidades como forças centrífugas, as horizontalidades são centrípetas; são forças que não são criadas por políticas estabelecidas, pois são fruto da adaptação a situações que exigem dos atores permanente estado de alerta.

São a contra-racionalidade, que contraria as racionalidades hegemônicas mesmo sem uma política uniforme. É o entendimento difuso de que as verticalidades não são boas. Por apresentarem essa característica, são propícias a formar solidariedades.

Essa luta de verticalidades e horizontalidades resulta num processo dialético que impede que o espaço de todos – o espaço banal – seja sufocado. Junto ao conceito de espaço Milton Santos dá o conceito de lugar: espaço em que se exerce a cidadania e se pode existir (p. 114).

A geografia revela que as aglomerações e as situações de vizinhança fazem com que as pessoas não se subordinem à racionalidade hegemônica, se entregando com mais facilidade às manifestações contra-hegemônicas, num movimento de baixo para cima. É a dialética da contra-racionalidade.

Limites à globalização perversa

A escassez de recursos e a incitação ao consumismo fazem com que os mais pobres percebam sua posição e desvendem a mentira do discurso, permitindo o surgimento de variáveis ascendentes (que se impõem) e levando à desobediência. Assim, são postos limites à racionalidade dominante.

Desvendada a mentira, percebe-se que a imperatividade e unicidade da técnica não existem e não são possíveis porque as técnicas têm que guardar relação com o lugar que serão aplicadas. A política, no entanto, pode ser imperativa e até permitir a técnica única.

A vida cotidiana se opõe à técnica do just-in-time, porque respeita as diferenças e cresce com elas. As múltiplas formas do cotidiano são uma heterogeneidade criadora.

Com a produção hegemônica de necessidades e a incorporação de modos de vida também hegemônicos são criadas duas situações distintas: a escassez dos ricos, que quanto mais consomem, mais sentem necessidade de consumir, ficando em permanente estado de escassez. Cria-se a rotina da falta de satisfação – comprar um bom vídeo cassete não basta, então compra-se um DVD, que também não basta, e compra-se um home theater, que acaba sendo grande demais para a sala; então, faz-se uma sala maior e aí por diante.

A escassez dos pobres é diferente, mas tem melhores frutos. Como não conseguem e talvez nunca conseguirão consumir, por esse mesmo sentimento de escassez passam a buscar bens imateriais e infinitos, como a solidariedade, por exemplo. A escassez do pobre leva a novas descobertas e ao entendimento do mundo.

Mas a pobreza não pode chegar à miséria, que aniquila. A pobreza é ativadora de lutas e leva à tomada de consciência. Elabora-se assim a política dos de baixo, alimentada pela necessidade de existir e pela desilusão das demandas não satisfeitas. Parte-se para a rebeldia.

Os movimentos organizados, por sua vez, devem imitar o cotidiano dessas pessoas para se tornarem perceptíveis. Os partidos devem ser o espelho de seus eleitores.

A questão da classe média também é interessante. Ela teve seu apogeu e agora sente de perto a crise: antes era a maior beneficiária do crescimento econômico, mas agora não tem a força política de antigamente e sente a escassez e a insegurança de perto. Num primeiro plano começa a lutar por vantagens individuais que, com a tomada de consciência, tornam-se sociais e se identificam com os clamores dos pobres. Passam a ter a função de implantar a democracia forçando o ideário e as práticas políticas.

A transição em marcha

Milton Santos observa duas conseqüências da evolução causada pela escassez: a primeira é a nova significação da cultura popular e a outra é a produção de condições empíricas para a emergência das massas populares.

Nota-se uma contraposição entre a cultura de massas e a cultura popular. A primeira tenta se impor mas é obstada pela cultura popular, que se difunde à medida que a escassez faz nascer os regionalismos. Como o povo não dispõe dos meios para participar da cultura de massas (turismo, por exemplo), cria no trabalho e no cotidiano sua cultura popular, numa aliança da espontaneidade à ingenuidade.

Como condições empíricas, ressalta-se a mudança da divisão do trabalho por cima e por baixo. A primeira é a da globalização perversa e obedece a técnicas de racionalidade hegemônica. A divisão por baixo produz solidariedade dependente unicamente dos vetores horizontais do território e da cultura local.

Na transição para a globalização includente, o homem passa a ser o centro; relega-se a um segundo plano a importância do mercado e do dinheiro em estado puro. Busca-se garantir o mínimo para a satisfação das necessidades de uma vida digna, abolindo a regra de competitividade e adotando a da solidariedade.

O povo perceberá também que os mercados comuns são representativos apenas dos interesses das grandes potências. A “cooperação” (Alca e Mercosul) é interesseira. Tomará consciência de que é terceiro mundo e vai rever os pactos globalitários.

Outro dado é a crescente desordem da vida social, que permite antever a queda do modelo econômico globalitário. Apesar de as potências perceberem esta desordem e buscarem contorná-la, a sociedade ainda assim se mantém desordenada, porque o modelo é insustentável. A solução acaba sendo simples: as populações que não podem consumir o ocidente globalizado recusam a globalização.

Milton Santos dá um conceito de nação ativa e passiva: a primeira seria, na visão globalizante, a nação que obedece aos desígnios externos produzindo ideologia. A passiva é residual, é o que não é ativa. Trabalha com o intelectual público que vive uma contradição: é obrigado a se conformar em suas atividades com a racionalidade hegemônica, mesmo estando insatisfeitos e inconformados. A vantagem é que a nação passiva é fortemente ligada ao cotidiano, tendo base mais sólida, de modo que, com a maioria a seu lado, é possível pôr em prática seus projetos de nação.

O papel dos intelectuais nesse processo é mostrar analiticamente as manifestações de luta e de resistência à hegemonia dominante, permitindo que essa visão seja utilizada pela sociedade como elemento de postulação de uma outra política social (p. 158). O choque das realidades tem papel importante na mudança.

A globalização atual não é irreversível e, aliás, já se mostra presente uma dissolução das ideologias, levada a cabo pelo choque das realidades com as ideologias. (p. 159)

O futuro se dará de acordo com as escolhas feitas sobre dois valores: os essenciais ao homem, como a liberdade e a dignidade; e os valores contingentes (incertos), ou seja, eventuais da história de determinado momento. Da conjugação entre essas duas classes de valores é que nascerá a sociedade futura.

A mudança já é visível porque a ideologia perde a sustentação, já que ninguém consegue consumir o que existe em oferta. É preciso uma nova ideologia, que dê valor ao trabalho de baixo, verdadeiro motor para o alcance do futuro.

O computador acaba sendo uma boa ferramenta para a mudança, porque não requer grande investimento e se dissemina rapidamente no corpo social.

A aglomerações humanas permitirão maior identificação das situações e observarão o peso da cultura popular. A própria mídia atentará para o fato de que a população não é homogênea e, portanto, será obrigada a deixar de representar o senso comum imposto pelo pensamento único.

Para formar um novo mundo, é preciso também consciência individual, que inicia com a descoberta, passa pela visão sistêmica e culmina com a discussão interior e o debate público, que permite enxergar os porquês. Essa consciência do “ser mundo” permite superar o endeusamento do dinheiro e enfrentar uma nova trajetória.

A política terá também grande papel, mas deve aproveitar as atuais técnicas hegemônicas e dar a elas novo uso e nova significação.

Resumo: SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 5. ed. Rio de Janeiro : Record, 2001.

Eduardo Sens dos Santos eduardo_sens@yahoo.com

http://pt.scribd.com/doc/37043922/Por-uma-outra-globalizacao-milton-santos

terça-feira, 17 de julho de 2012

O pensamento de Milton Santos.

Informação

"Não há produção excessiva de informação, mas de ruído. Existem os fatos. As notícias são interpretação deles. Como as agências de notícias pertencem às grandes empresas, os acontecimentos são analisados de acordo com interesses pré-determinados. Muitos economistas que escrevem em jornais, por exemplo, publicam diariamente o desejo de empresas das quais são consultores. As notícias são publicadas como expressão da realidade e o discurso acaba se tornando hegemônico. É essa mesma indústria que transforma em best seller um livro do Jô Soares, antes mesmo do lançamento."

"A vocação homogeneizadora do capital global é exercida sobre uma base formada por parcelas muito diferentes umas das outras e cujas diferenças e desigualdades são ampliadas sob tal ação unitária (...); é por este prisma que deve ser vista a questão da federação e da governabilidade da nação: na medida em que o governo da nação se solidariza com os desígnios das forças externas, levantam-se problemas cruciais para Estados e municípios".

Universidade

 “A universidade é o lugar de intelectuais, o sujeito que dedica todo o tempo a busca da verdade, e também de letrados. Você pode ser um bom professor e um pesquisador. Tem espaço para os dois na universidade. Mas, é verdade também que, embora ela esteja formando intelectuais, ela tem produzido em maior número letrados. O espaço universitário se define por ser o lugar do livre pensar, de criar ideias e discuti-las. Esse é o sentido real da vida universitária. No entanto, acho que o clima atual não favorece a liberdade de pensar."

"Nesta fase de globalização, onde as coisas mais importantes são precedidas por um discurso ideológico, as ideias são apresentadas de forma confusa. Fica difícil criticá-las. (...) Uma das razões de hoje existir a tendência ao pensamento único, está dentro da própria instituição de ensino (...). A regra vigente é a regra do resultado. Não existe ética nesse contexto. O sistema universitário, no qual deveria prevalecer a diversidade de ideias, tem sido vítima da doença da globalização, isto é, a tendência a um pensamento único. E a universidade não tem defesa completa contra essa doença."

Textos capturados na Internet

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Milton Santos

Violência

O caldo de cultura que baliza a vida já é violento em si. A globalização exige de todos os atores, de todos os níveis e em todas as circunstâncias, que sejam competitivos. Esse processo exige que empresas, instituições, igrejas sejam competitivas. A competição estimula a violência porque a regra que vigora é a regra do resultado. Não existe ética. Quando, por exemplo, se privilegia, no ensino secundário, a formação técnica, sem nenhum conteúdo humanístico, está se criando mais um caldo de cultura que estimula atitudes violentas.

"A violência dá impressão de ser incontrolável, mas não é irreversível. Hoje, nós temos um mundo, quero dizer com isso que ao mesmo tempo que a globalização incentiva a violência, ela favorece sua extinção. A facilidade de comunicação favorece a construção de um sentimento de solidariedade mundial. Essa é a contradição do processo de globalização. Nós temos que engrossar o lado positivo do processo globalitário, usar a ideia de civilização em benefício da humanidade. Isso não é impossível."

Cidadania e Consciência Negra

"Ser cidadão, perdoem-me os que cultuam o direito, é ser como o estado, é ser um indivíduo dotado de direitos que lhe permitem não só se defrontar com o estado, mas afrontar o estado. O cidadão seria tão forte quanto o estado. O indivíduo completo é aquele que tem a capacidade de entender o mundo, a sua situação no mundo e que se ainda não é cidadão, sabe o que poderiam ser os seus direitos."

"O modelo cívico brasileiro é herdado da escravidão, tanto o modelo cívico cultural como o modelo cívico político. A escravidão marcou o território, marcou os espíritos e marca ainda hoje as relações sociais deste país."

"Tenho instrução superior, creio ser personalidade forte, mas não sou um cidadão integral deste país. O meu caso é como o de todos os negros deste país, exceto quando apontado como exceção. E ser apontado como exceção, além de ser constrangedor para aquele que o é, constitui algo de momentâneo, impermanente, resultado de uma integração casual."

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Milton Santos

"Quem pensa o novo são os homens do povo e seus filósofos, que são os músicos, cantores, poetas, os grandes artistas e alguns intelectuais.

Estamos convencidos de que a mudança histórica em  perspectiva provirá de um movimento de baixo para cima, tendo como atores principais os  países subdesenvolvidos e não os países ricos; os deserdados e  os pobres e não os opulentos e outras classes obesas; que o indivíduo liberado partícipe das novas massas e não o homem acorrentado; o pensamento livre e não o discurso único."

"Os pobres não se entregam e descobrem  a cada dia formas inéditas de trabalho e de luta; a  semente do entendimento já está plantada e o passo seguinte é o seu florescimento em atitudes de inconformidade e, talvez, rebeldia." 

Globalização

"A globalização, parafraseando o compositor Lenine, é a face suprema do imperialismo. A humanidade esperou milênios para se globalizar, o que não aconteceu antes porque não havia as condições materiais necessárias. Com o aumento da produção e o desenvolvimento de técnicas avançadas, um pequeno grupo de empresas as sequestrou. As corporações usam estes recursos extraordinários em seu próprio benefício e em prejuízo da humanidade."

"Diante do que é o mundo atual, as condições materiais já estão dadas para que se imponha a desejada grande mutação, mas seu destino vai depender de como disponibilidades e possibilidades serão aproveitadas pela política. A globalização atual não é irreversível (...).

Há um turbilhão, uma efervescência, de baixo, que a gente não está podendo captar completamente ainda, mas que há e que vai, um dia ou outro, confluir com a produção de ideias para forçar um outro caminho."

Textos extraídos da Internet e do Portal Milton Santos


domingo, 1 de julho de 2012

Milton Santos

"Quando se confundem cidadão e consumidor, a educação, a moradia, a saúde, o lazer aparecem como conquistas pessoais e não como direitos sociais. Até mesmo a política passa a ser uma função do consumo. Essa segunda natureza vai tomando lugar sempre maior em cada indivíduo, o lugar do cidadão vai ficando menor, e até mesmo a vontade de se tornar cidadão por inteiro se reduz."

"É muito difundida a ideia segundo a qual o processo e a forma atuais da globalização seriam irreversíveis. (...) No entanto, essa visão repetitiva do mundo confunde o que já foi realizado com as perspectivas de realização. (...) O mundo de hoje também autoriza uma outra percepção da história por meio da contemplação da universalidade empírica constituída com a emergência das nova técnicas planetarizadas e as possibilidades abertas a seu uso. A dialética entre essa universalidade empírica e as particularidades encorajará a superação das práxis invertidas, até agora comandadas pela ideologia dominante, e a possibilidade de ultrapassar o reino da necessidade, abrindo lugar para a utopia e para a esperança. (...) Diante do que é o mundo atual, como disponibilidade e como possibilidade, acreditamos que as condições materiais já estão dadas para que se imponha a desejada mutação, mas seu destino vai depender de como disponibilidades e possibilidades serão aproveitadas pela política. Na sua forma material, unicamente corpórea, as técnicas talvez sejam irreversíveis, porque aderem ao território e ao cotidiano. De um ponto de vista existencial, elas podem obter um outro uso e uma outra significação. A globalização atual não é irreversível."

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Milton Santos - Educação

"Outrora, os intelectuais eram homens que, na Universidade ou fora dela, acreditavam nas ideias que formulavam e formulavam ideias como uma resposta às suas convicções. Os intelectuais, dizia Sartre, casam-se com o seu tempo e não devem traí-lo." 

"O terrível é que, nesse mundo de hoje, aumenta o número de letrados e diminui o de intelectuais. Não é este um dos dramas atuais da sociedade brasileira? Tais letrados, equivocadamente assimilados aos intelectuais, ou não pensam para encontrar a verdade, ou, encontrando a verdade, não a dizem. Nesse caso, não se podem encontrar com o futuro, renegando a função principal da intelectualidade, isto é, o casamento permanente com o porvir, por meio da busca incansada da verdade"

"A educação corrente e formal, simplificadora das realidades do mundo, subordinada à lógica dos negócios, subserviente às noções de sucesso, ensina um humanismo sem coragem, mais destinado a ser um corpo de doutrina independente do mundo real que nos cerca, condenado a ser um humanismo silente, ultrapassado, incapaz de atingir uma visão sintética das coisas que existem, quando o humanismo verdadeiro tem de ser constantemente renovado, para não ser conformista e poder dar resposta às aspirações efetivas da sociedade, necessárias ao trabalho permanente de recomposição do homem livre, para que ele se ponha à altura do seu tempo histórico."
 
"Em nome do cientismo, comportamentos pragmáticos e raciocínios técnicos, que atropelam os esforços de entendimento abrangente da realidade, são impostos e premiados. Numa universidade de ‘resultados’, é assim escarmentada a vontade de ser um intelectual genuíno, empurrando-se mesmo os melhores espíritos para a pesquisa espasmódica, estatisticamente rentável. Essa tendência induzida tem efeitos caricatos, como a produção burocrática dessa ridícula espécie de ‘pesquiseiros’, fortes pelas verbas que manipulam, prestigiosos pelas relações que entretêm com o uso dessas verbas, e que ocupam assim a frente da cena, enquanto o saber verdadeiro praticamente não encontra canais de expressão."


segunda-feira, 21 de maio de 2012

Milton Santos

Entrevista com MILTON SANTOS na revista Caros Amigos em 1998

TERRITÓRIO

Como geógrafo, creio que o território brasileiro é o melhor observatório do que está passando no país. Se olho o território brasileiro hoje, vejo primeiro que é um território nacional mas da economia internacional. Quer dizer, o esforço de quem manda, no sentido de moldar o território — porque o território vai sendo sempre moldado por quem manda —, é no sentido de favorecer o trabalho dos atores da economia internacional. 

Não são apenas as multinacionais estrangeiras, mas todas as grandes firmas estrangeiras ou brasileiras, são elas que trazem para o território uma lógica globalizante. 

Na realidade, uma lógica globalitária, há mais do que globalização, há globaritarismo. Então, temos o território brasileiro trazendo esses nexos, que são cegos, e que criam uma ordem para essas grandes empresas, trazendo desordem para tudo o mais. Desordem criada para as empresas não envolvidas, que são atingidas por ela, por essa entropia negativa dentro do território, que alcança toda a sociedade.

Então, o território revela também a incapacidade de governo, quer dizer, a não-governabilidade do país, porque o Brasil é um país não-governado. 

Ao mesmo tempo em que o território revela que o governo, a política, se faz pelas grandes empresas. São as grandes empresas que fazem a política. Isso se vê no uso do território brasileiro.

AGRICULTURA

É um novo tipo de feudalismo, e de militarização do território ao mesmo tempo. 

Porque tem de obedecer, tem de fazer aquilo que manda o chamado mercado global. 

Vejam, por exemplo, as áreas agrícolas mais modernas, como o Estado de São Paulo, que funcionam segundo um regime militar, no sentido de ter de fazer aquilo que lhes é ordenado — ou dá ou desce, ordem unida —, seguindo o que é necessitado por essa ordem global. 

Digamos que a globalização dê n’água, como vai dar, como o interior de São Paulo vai reagir? Quais seriam os cenários? Uma enorme área vendendo suco de laranja, o que acontecerá?
Uma monocultura ligada a uma ordem global que não existia antes, muito mais constrangedora do que as ordens internacionais anteriores.

CONSUMO

Vamos começar do começo. Quando eu era maduro... a gente lia muitas coisas da literatura marxista soviética — porque era mais barata, não é? —, então tinha o bem e o erro, a verdade e a mentira. A verdade e a ideologia. Mas a ideologia também é "verdadeira", ela produz coisas que existem, que são os objetos. Esse é um primeiro ponto de partida. Um outro ponto de partida é o seguinte: a produção de idéias precede a produção das coisas, hoje. Não era assim há cinqüenta anos. 

Com a cientifização da produção, com a cientifização da técnica, tudo o que é produzido é precedido de uma idéia... científica. É por isso que a publicidade também precede de produção material. Quer dizer, antes de jogar um produto, faço a propaganda dele. O remédio é um exemplo, 1 por cento de matéria, 99 por cento de propaganda. Então tudo é feito assim, a produção da política também.

A política cientificamente feita, como agora, é precedida pelos marqueteiros. 

Então, tudo no mundo de hoje tem essa produção ideológica, ou de idéias — para ser neutro — que precedem. Por conseguinte, há um mercado de idéias que antecipa a produção de tudo, pelo menos do que é hegemônico. 

E o consumo é o grande portador de tudo isso. Por isso, ele é o grande fundamen-talismo hoje. Não é o do Khomehini o grande fundamentalismo, é do consumo, porque é portador do meu impulso para esta forma de vida, que acaba me transformando numa coisa, num objeto.

LIDERANÇA

Não há uma escolha nacional do líder nacional. Há uma escolha internacional, global, do líder nacional. Acho que é esse o jogo, e essa escolha é em grande parte feita entre pessoas que um dia foram insuspeitas.

GLOBALIZAÇÃO

Acho que vai haver, no caso do Brasil, primeiro, uma outra federação. Vamos produzir uma outra federação. Daqui a pouco vai haver uma reforma na Constituição, feita por cima, mas daqui a pouco vai haver outra, feita por baixo, porque essa por cima não vai funcionar. Isso vai acontecer em alguns ou em todos os países. Aí, depois que fizermos a nossa federação por baixo, haverá a produção da globalização por baixo também, com novas instituições internacionais.

ENSINO


O ensino público é indispensável, e com a globalização torna-se mais indispensável para assegurar a possibilidade de pensar livremente, e de dizer livremente. 

Não basta pensar, tem de poder dizer. 

Por conseguinte, se o ensino ficar atrelado ao mercado, ou à técnica, ele será cada vez mais canalizado para a subserviência, sobretudo porque a ciência tende cada dia a ficar mais longe da verdade. 
Porque a ciência é feita para responder à demanda técnica e do mercado. Por conseguinte, ela estreita o seu objetivo. 

Só o ensino público pode restaurar isso. Dito isso, as universidades públicas teriam de ser um pouquinho mais públicas, na medida em que elas não estão abertas. O número de matrículas diminui proporcionalmente todos os anos. Em São Paulo, a evolução das vagas no ensino público é diminuta, e a expansão é do ensino privado. Então, a universidade pública, para aumentar, digamos assim, sua legitimidade, tem de se tornar um pouco mais pública. Tanto na aceitação de alunos como na escolha dos professores.

UNIVERSIDADE

A enorme dificuldade é ser intelectual neste fim de século. 

Uma enorme dificuldade, que na verdade está incluída nessa globalização, porque a universidade é chamada a ser porta-voz. 

Quer dizer, os apelos todos da globalização, aumentando os contatos entre as universidades e indicando as universidades que são faróis, eles acabam corrompendo as universidades subordinadas, como a USP e as outras, do Terceiro Mundo, que não são universidades portadoras de teorias do mundo.

CIÊNCIA

A descoberta gratuita ou de um futuro diferente daquilo que já está traçado — por conseguinte, não é mais um futuro, porque já está traçado, não é isso? — não está acontecendo. Acho que esse é o problema da ciência hoje. 

Quer dizer, de um lado as ciências humanas são comandadas pela moda, então a gente faz aquilo que está na moda, que está na mídia. Dá-se mais valor à moda do que ao modo porque a moda assegura a promoção, o status, a moda vem das universidades hegemônicas, que sabem por que estão impondo as modas. 

Então você passa quinze anos estudando dependência, passa quinze anos estudando setor informal... veja, nestes últimos quarenta anos os temas centrais foram dois ou três. Que não levaram ao progresso do conhecimento, levaram para trás.

E nas ciências exatas e nas outras é o mercado que escolhe o que fazer. Com a globalização, a escolha é cada vez mais estreita.

Por conseguinte, o campo de pensamento se afunila e a distância em relação à busca da verdade aumenta. 
E hoje há uma tecnização da pesquisa, quer dizer, há uma necessidade de dinheiro, a maior parte das pesquisas precisa de dinheiro, isso complica, porque o dinheiro é mais freqüentemente dado para os centros de pesquisa que aceitam essa instrumentalização. 

E pensar livremente se dá a partir de um certo estágio, uma certa experiência ou um certo gênio — gênio em qualquer idade —, o que significa um número menor de pessoas, que tem público por isso mesmo menor. E o público vai exatamente para o outro lado. A universidade pública seria o lugar do intelectual público. Mas hoje a possibilidade de ser intelectual público é cada vez mais limitada, por essas condições todas sobre as quais falamos aqui.

http://www.tigweb.org/youth-media/panorama/article.html?ContentID=18945

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Por Outra Globalização

MILTON SANTOS-notável sábio ou profeta social brasileiro. Em  “POR OUTRA GLOBALIZAÇÃO” (lançada em 2000) seu conceito de “utopia” parece alinhar-se em múltiplos aspectos com a crise mundial emergente . Vejamos algumas gotas de seu pensamento:

“... A gestação do novo, na história, dá-se frequentemente, de modo quase imperceptível para os contemporâneos, já que suas sementes começam a se impor quando ainda o velho é quantitativamente dominante. É exatamente por isso que a “qualidade” do novo pode passar despercebida... A história se caracteriza como uma sucessão ininterrupta de épocas. Essa idéia de movimento e mudança é inerente à evolução da humanidade. É dessa forma que os períodos nascem, amadurecem e morrem...”

... Uma outra globalização supõe uma mudança radical das condições atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem: a precedência do homem. Sem dúvida, essa desejada mudança apenas ocorrerá no fim do processo, durante o qual o reajustamentos sucessivos se imporão. Nas presentes circunstâncias a centralidade é ocupada pelo dinheiro, em suas formas mais agressivas, um dinheiro em estado puro sustentado por uma informação ideológica, com a qual encontram simbiose...

...A primazia do homem supõe que ele estará colocado no centro das preocupações do mundo... Dessa forma, estarão assegurados o império da compaixão nas relações interpessoais e o estímulo a solidariedade social, a ser exercida pelos indivíduos, entre o indivíduo e a sociedade e vice-versa e entre a sociedade e o Estado, reduzindo as fraturas sociais, impondo uma nova ética, e, destarte, assentando bases sólidas para uma nova sociedade, uma nova economia, um novo espaço geográfico.

A nova paisagem social resultaria do abandono e da superação do modelo atual e sua substituição por um outro, capaz de garantir para o maior número a satisfação das necessidades essenciais a uma vida humana digna, relegando a uma posição secundária necessidades fabricadas, impostas por meio da publicidade e do consumo conspícuo.

Assim o interesse social suplantaria a atual precedência do interesse econômico e tanto levaria a uma nova agenda de investimentos como a uma nova hierarquia nos gastos públicos, empresariais e privados.

...Abolida a regra da competitividade como padrão essencial de relacionamento, a vontade de ser potência não seria mais um norte para o comportamento dos estados, e a idéia de mercado interno será uma preocupação central.

...A busca de um futuro diferente tem de passar pelo abandono das lógicas infernais que, dentro dessa racionalidade viciada, fundamentam e presidem as atuais práticas econômicas e políticas hegemônicas.

A atual subordinação ao modo econômico único tem conduzido a que se dê prioridade às exportações e importações, uma das formas com as quais se materializa o chamado mercado global. Isso, todavia, tem trazido como conseqüência para todos os países uma baixa qualidade de vida para a maioria da população e a ampliação do número de pobres em todos os continentes, pois, com a globalização atual, deixaram-se de lado políticas sociais que amparavam, em passado recente, os menos favorecidos, sob o argumento de que os recursos sociais e os dinheiros públicos devem ser primeiramente utilizados para facilitar a incorporação dos países na onda globalitária. Mas, se a preocupação central é o homem, tal modelo não terá mais razão de ser.

... Mais cedo ou mais tarde, as condições internas a cada país, provocadas em boa parte pelas suas relações externas, levarão a uma revisão dos pactos que atualmente conformam a globalização. Haverá, então, uma vontade de distanciamento e posteriormente de desengajamento, conforme sugerido por Samir Amin, rompendo-se, desse modo, a unidade da obediência hoje predominante.

...Uma coisa parece certa: as mudanças a serem introduzidas, no sentido de alcançarmos uma outra globalização, não virão do centro do sistema, como em outras fases de ruptura na marcha do capitalismo. As mudanças sairão dos países subdesenvolvidos.

...”Até mesmo a partir da noção do que é ser um consumidor, poderemos alcançar a idéia de homem integral e de cidadão. Essa revalorização radical do indivíduo contribuirá para a renovação qualitativa da espécie humana, servindo de alicerce a uma nova civilização.

A reconstrução vertical do mundo, tal como a atual globalização perversa está realizando, pretende impor a todos os países normas comuns de existência e, se possível, ao mesmo tempo e rapidamente. Mas isto não é definitivo. A evolução que estamos entrevendo terá sua aceleração em momentos diferentes e em países diferentes, e será permitida pelo amadurecimento da crise.

Esse mundo novo anunciado não será uma construção de cima para baixo, como a que estamos assistindo e deplorando, mas uma edificação cuja trajetória vai se dar de baixo para cima...

...”Ao contrário do que tanto se disse, a história não acabou: ela apenas começa...”

sábado, 25 de junho de 2011

O homem de visão

Por Assis Ribeiro

24 de junho de 2010 completou-se dez anos da morte do geógrafo Milton Santos, um dos maiores pensadores brasileiros. Nasceu na baiana Brotas de Macaúbas (a mesma onde morreu Carlos Lamarca), Doutor em Geografia pela Universidade de Strasburgo, lecionou, entre outras universidades pelo mundo, na Sorbonne, tendo sido diretor de pesquisas de planejamento urbano no prestigiado Iedes.
Milton nos exorta para a reflexão sobre se uma outra globalização não seria possível, diante desta que ameaça esgotar os recursos do planeta em poucas décadas. O centro do mundo é onde está o vencedor porque a geografia é a história do presente. O perigo da falta de contraponto é o “american way of life” exaurir a terra e extinguir as diversidades étnicas e culturais dos povos.
São muitas as lições que Milton Santos nos deixou e com ele aprendíamos não só sobre a geografia mas sobre a vida, como a de que o talento para a vida acadêmica é construído com muito trabalho metódico e cotidiano; que o verdadeiro intelectual não cede aos modismos da época e aos 'cantos de sereia' do sucesso fácil; que devemos lutar por uma universidade não atrelada ao mercado ou à técnica e que sem a curiosidade, o homem não chegará a lugar nenhum. Enumerá-las exige a reflexão de toda uma vida. De suas metáforas, conceitos e categorias ainda há muito por ser processado.
Aprendemos com ele que o mais importante é olhar para frente, é pensar o futuro. Assim, homenageá-lo é seguir seu exemplo de coragem, dedicação e perseverança, de trabalho sério e cotidiano; de militância no campo das ideias; de liberdade de pensamento; de ideais de solidariedade e, especialmente, de otimismo e esperança quanto ao futuro da Geografia, da sociedade e do homem. É acreditar que um outro mundo é possível. Um mundo no qual certamente vingarão os ideais de solidariedade e cidadania.
Milton Santos ainda reza pela utopia do Estado como única fonte de políticas públicas eficientes.
Abaixo o trailer do fantástico documentário produzido por Sílvio Tendler com Santos, poucos meses antes de sua morte. É uma belíssima obra, que nos abre olhos e cabeças sobre a globalização.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Milton Santos.

Menos economia, mais civilização
Teríamos que retomar o debate da civilização, que foi substituído pelo debate do crescimento econômico: se vamos aumentar os juros, se vamos facilitar um pouco de inflação. Mas a civilização, ela própria, não é objeto de discussão. E isso abre espaço para uma série de barbáries.

Fome
A gente produz muito mais comida do que pode comer. Tanto que na Europa, a Comunidade Européia dá prêmio a quem deixa de produzir comida. Ou seja, a questão da fome não é uma questão de produção de alimentos, é uma questão de distribuição.


Uma revolução incontinente
Os atores que vão mudar a história são os atores de baixo. Vão agir de baixo para cima. Os pobres em cada país, os países pobres dentro dos diversos continente, os continentes pobres em face dos continentes ricos. De tal forma, não teremos uma revolução sincronizada: haverá explosões aqui e ali em momentos diferentes, mas que serão impossíveis de conter.


Não ao Estado mínimo!
O Estado é indispensável porque as chamadas organizações do terceiro setor não são abarcativas, não podem cuidar do conjunto das pessoas que precisam de cuidados. Já o Estado tem a tendência de cuidar de todos, de todas as pessoas. Essa produção democrática que as ONGs ou o terceiro setor – por suas limitações de origem, financiamento, objetivos – não podem fazer. Então, o Estado torna-se algo cada vez mais indispensável, porque as fontes criadoras de diferenças e desigualdades são muito mais fortes que no passado.


Democracia vazia
A gente esvaziou a palavra democracia de conteúdo. Continua-se falando em uma democracia sem saber muito bem do que se está falando. Nós utilizamos uma série de conceitos que vêm de um outro tempo – e que tornam vazios, porque o tempo mudou! – da maneira que é conveniente. Usa-se o conceito de democracia com referência ao meramente eleitoral. O resto – a representatividade, a responsabilidade, tudo isso – perdeu força.