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segunda-feira, 30 de setembro de 2024

O poema Carpe Diem

O poema Carpe Diem
Aproveita o dia (tradução), de Walt Whitman

Aproveita o dia,

Não deixes que termine sem teres crescido um pouco.
Sem teres sido feliz, sem teres alimentado teus sonhos.

Não te deixes vencer pelo desalento.

Não permitas que alguém te negue o direito de expressar-te, que é quase um dever.

Passe o que passar, nossa essência continuará intacta.

Não deixes nunca de sonhar, porque só nos sonhos pode ser livre o homem.

Não caias no pior dos erros: o silêncio.
A maioria vive num silêncio espantoso.

Valorize a beleza das coisas simples, se pode fazer poesia bela, sobre as pequenas coisas.

Não atraiçoes tuas crenças.              
Todos necessitamos de aceitação, mas não podemos remar contra nós mesmo.
Isso transforma a vida em um inferno.

Aprendes com quem pode ensinar-te as experiências daqueles que nos precederam. 

Não permitas que a vida se passe sem teres vivido…

Walt Whitman

domingo, 24 de abril de 2022

último cigarro

Antes de desistir
Antes da chuva cair
Antes do natal
Logo ao primeiro sinal
Antes do último cigarro
Antes de entrar no carro

Antes do jantar
De acabar de me arrumar
Antes de ir dormir
Antes de me desiludir
Que alguém possa perceber
Antes que eu vá me vender

Eu vou sair pra andar a pé, sair pra andar a pé
Sair pra andar a pé e comprar os jornais
Eu vou sair pra tomar um café, sair pra tomar um café
Sair pra tomar um café e não voltar nunca mais

Depois do verão
De quebrar a televisão
Sem me despedir
Sem pedir permissão
De viver só de saudade
Antes de perder a vontade

Antes de chover
Que algo possa me deter
Depois de tentar
Enquanto eu quero acreditar
Antes de me arrepender
Antes que eu vá esquecer

Sérgio Brito


nos comemos

Nos miramos, nos admiramos
Nos sentimos, nos consentimos
Nos tentamos, nos contentamos
Nos captamos, nos capturamos

Nos rendemos, nos desprendemos
Nos colamos, nos descolamos
Nos levamos, nos revelamos
Nos abrimos, nos descobrimos

Nos deitamos, nos deleitamos
Nos gostamos, nos degustamos
Nos provamos, nos aprovamos
Nos comemos, nos comovemos

Nos miramos, nos admiramos
Nos sentimos, nos consentimos
Nos tentamos, nos contentamos
Nos captamos, nos capturamos

Nos amamos, nos amarramos
Nos lançamos, nos enlaçamos
Nos cedemos, nos excedemos
Nos prendemos, nos surpreendemos

o tempo vira

Entre prédios e avenidas
Pernas bocas coloridas
No chão onde você pisa, nesse carnaval
O tempo vira e não avisa
E é por você

Feriado nacional
Vida ainda e morte igual
Sol e chuva industrial, no Brasil
Param os carros no sinal
E é por você, e é por você, e é por você

Está escrito na sua testa - menina
Não tenho mesmo nada a perder
A cor da sua pele é que atesta - menina
A grama cresce e ninguém quer ver
Meu mundo sempre está pra nascer

Há um homem morto na calçada
Siga sem medo de nada
Pelo passo da mulata são tamborins
Na tevê a batucada
E é por você

Fogos artificiais
Tédio não me alcança mais
Nas manchetes dos jornais de amanhã
Pára o tempo e volta atrás
E é por você, e é por você, e é por você

Na maior capital
Sob o céu de concreto e o grito das buzinas
Na maior capital
Sob o aço do céu e o cheiro de gasolina
Na maior capital nordestina
Na maior capital nordestina
Cosmópolis, necrópolis
Cosmópolis, necrópolis
São Paulo, São Paulo
São Paulo, São Paulo

Sérgio Brito

vamos andar

Vem, vamos sair, andar por aí
Vem, vamos sentir até o fim dessa rua
Vamos dividir, vamos confundir
Os dias de sola, minhas mãos com as suas

Vem, vamos nos perder, só eu e você
E desaprender a jogar esse jogo
Vamos prometer, vamos esquecer
E olhar tudo como se fosse novo

Vamos andar, as cores estão tão vivas
Vamos andar, não há nada que no proíba
Vamos andar, as cores estão tão vivas
Vamos andar, não há nada que no proíba
Vamos andar

Sérgio Brito 

Go Back

Você me chama
Eu quero ir pro cinema

Você reclama
Meu coração não contenta

Você me ama
Mas de repente
A madrugada mudou

E certamente
Aquele trem já passou
E se passou, passou

Daqui pra melhor, foi
Só quero saber do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder

Composição: Sérgio Britto / Torquato Neto 

hoje não tem dança

Hoje não tem dança
Não tem mais menina de trança
Nem cheiro de lança no ar
Hoje não tem frevo
Tem gente que passa com medo
E na praça, ninguém pra cantar
Me lembro tanto
É tão grande a saudade
Que até parece verdade que o tempo
Ainda pode voltar
Tempo de praia
De ponta de pedra
Das noites de lua
Dos blocos de rua
Do susto e a carreira
Da caramboleia
Do bumba-meu-boi
Que tempo que foi
Agulha frita, mugunzá cravo e canela (BIS)
Serenata eu fiz pra ela
Cada noite de luar
Tempo do corso
Na rua da Aurora
Moço na praça
Menina e senhora
No bonde de Olinda
Pra baixo e pra cima do caramanchão
Esqueço mais não
E frevo ainda
Apesar da quarta-feira
No coração da saideira
Vendo a vida se enfeitar

José Carlos Capinan 

campos de pedra e sol

É pesado o desabar das horas no fim do céu, 
que se faz tempo e tempo para socorrer 
o sangue derramado nos campos de pedra e sol 
dos que foram feitos morrer

sem estender a mão para o fruto 
semeado e que se fez em resposta 
ao trabalho da mão nos campos de pedra e sol 
no mundo em processo de classes superpostas.

E o trigo foi para outros lábios
que não os que bendisseram a chuva 
e choraram o sol com a fome dos filhos

e o pão foi servido na mesa de homens 
que não os que bendisseram a chuva: 
e é novamente preciso semear os campos de pedra e sol.

José Carlos Capinan

todos os santos

Todos os santos têm o sexo amputado.

E cansados de suster a própria boca
maldizem a fome enquanto comem.

(De gula, assaz e sempre estarão salvos.)

Sabem ótimo o benefício de dar-se
mas em ânsias de céu, erram as doações pelo ar.

(Em dar assim, mais se exercem, mais se guardam.)

O santo é só um ângulo do homem.

Como só vê de um lado, enviesado 
anda em círculos, se perseguindo, 
doida figura que nas costas procurasse o seu sentido todo.

(Buscando o ausente, em Deus, faz-se íntegro e pouco.)

José Carlos Capinan

Canção da minha descoberta

Eis-me resignado.
Fugi de tudo que fui
e pelo caminho de minha renúncia
venho buscar bandeiras novas.

Agora persigo a palavra nova
por eles que esperam com o coração amargo
e o grito dentro do coração.

Não poderei aceitar o silêncio
e ficar em paz com a morte dos desgraçados caídos sem voz em nossa porta.

As crianças minhas morreram todas,
Possuo cada vontade, cada medo, cada ternura morta  
e vou surgindo novo entre lenços brancos
agitados de dor pela mão dos homens.

José Carlos Capinan

Narciso

Enquanto nos atormentam as furiosas serpentes da solidão
Eu sei de ti, como nenhum menino sabe de si mesmo
E te salvo da sombra de todos os teus espelhos
De onde emergem intactas as imagens claras da compaixão
E cai no fundo das águas o céu do verão
Frutas vermelhas amadurecem o peco desejo
Há um cardume de ânsias mergulhadas no peito
Estás com ar transfigurado, a insone paixão
Nunca abandona o insondável aquário
E disfarças como ontem o inevitável beijo
Anunciando a Narciso seu adiado naufrágio

José Carlos Capinan

borboleta imaginária

Sei que jamais saberei o que se passou naquele momento
Como não sei quase o que se passa agora

Lá fora a noite é cheia de compromissos
E eu, omisso, gravo aqui meus sentimentos
Guardado talvez de mim, guardado talvez dos outros

E querendo estar tão absorto
Que jamais soubesse como lá fora a noite se eterniza em nunca e jamais
Jasmins exalam

Flores crescem durante a noite e durante a noite despetalam
Indiferentes ao fato de que pela manhã lhes arrancarão o talo

E eu por que falo?
Por que não escrevo, por que não beijo?
Porque não caço o inexistente poema, borboleta imaginária?

luz do querer

Cores do  mar
Festa do Sol
Vida é fazer
Todo sonho brilhar
Ser feliz
No seu colo dormir
E depois acordar

Dormir no teu colo
É tornar a nascer
Violeta e azul
Outro ser
Luz do querer

José Carlos Capinan

Clarice era inocência

Soldado fez continência
O coronel reverência
0 padre fez penitência
Três novenas e uma trezena
Mas Clarice era inocência
Nunca mostrou-se a ninguém
Fez-se modelo das lendas
Das lendas que nos contaram
As avós

Eu pergunto o mistério
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme
No coração 

Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme
No coração? 

José Carlos Capinan

A passagem

Estou aqui de passagem,
Sei que adiante um dia vou morrer
De susto, de bala ou vício
De susto, de bala ou vício
Num precipício de luzes
Entre saudades, soluços, eu vou morrer de bruços                                                        Nos braços, nos olhos, nos braços de uma mulher
Nos braços de uma mulher
Mas apaixonado ainda
Dentro dos braços da camponesa, guerrilheira, manequim,
Ai de mim, nos braços de quem me queira
Nos braços de quem me queira 

José Carlos Capinan 

Topos

gosto quando encostas
os acidentes do teu corpo

a espinha, a espádua, as costas
e o venerável rosto

que sob o negro véu, entre as coxas
(esse vulcânico poço)

antecipa (eu te confesso sem provas)
as convulções do gozo

ácido abismo, boca
devorando-nos aos ossos

geografia quase louca
sem ancoradouro ou retorno

José Carlos Capinan 

O Rebanho e o Homem

O rebanho trafega com tranqüilidade o caminho:
É sempre uma surpresa ao rebanho que ele chegue
Ao campo ou ao matadouro.
Nenhuma raiva
Nenhuma esperança o rebanho leva.
Pouco importa que a flor sucumba aos cascos
Ou ainda que sobreviva.

Nenhuma pergunta o rebanho não diz:
Até na sede ele é tranqüilo
Até na guerra ele é mudo.
O rebanho não pronuncia,
Usa a luz mas nunca explica a sua falta
Usa o alimento sem nunca se perguntar

Sobre o rebanho o sexo
Que ele nunca explicara
E as fêmeas cobertas
Recebem a fecundidade sem admiração.

A morte ele desconhece e a sua vida.
No rebanho não há companheiros,
Há cada corpo em si sem lucidez alguma.

O rebanho não vê a cara dos homens
Aceita o caminho e vai escorrendo
Num andar pesado sobre os campos.

José Carlos Capinan 

Madrugada de Narciso

Encalho nas madrugadas as minhas velas em farrapos
Sou eu mesmo os marinheiros
Sou eu mesmo a cabotagem
Sou eu quem traça os portos do roteiro
E torna em desespero a bússola da viagem 

Naufrago nas madrugadas
Mas eu mesmo me faço nadar em vão até as mais longínquas praias
Sou eu a maresia, a calmaria e a tempestade
Sou eu mesmo a terra à vista
Inalcançável

José Carlos Capinan 

Sou político

Sou político
E nem sei o que possa dizer com isso
Mas é da época ser político
E há vários políticos

E cada um tem a sua verdade política
E a sua maneira política de ser político
E cada político tem o seu melhor mundo a oferecer

Sou político e também penso que talvez tenha um mundo
Mas nem por isso, talvez somente fantasie inútil
E acredite poder alterar esse inexorável rumo.

Fui tão político às vezes que desdenhei as formas
E contestei as normas
E confessei ridículas as pétalas de rosas

Fui tão político às vezes que fiz da beleza uma coisa perigosa
E tão político às vezes que tornou-se a noite pavorosa
Fui tão político às vezes que se desfizeram as minhas mãos amorosas

E tão político às vezes que pensei entender a guerra
O chumbo e a pólvora

Fui tão político às vezes que despendi mil impossíveis horas
Dissolvendo em amnésia todas as memórias

As máquinas são políticas
As poéticas são políticas
As canções são políticas
Mas eu desconfio que alguma coisa possa deixar de ser

José Carlos Capinan 

tudo é mistério

É noite, tudo é mistério, eu vejo
Há quem chore, há quem ligue a chave de ignição
Entretanto em meu coração fortemente chove
Chove chove chove

Enquanto chove, choro e relampeja
Se despem e se despedem todos os amantes
As chaves de ignição acendem os trovões
Apagam-se as velas e assim seja.

José Carlos Capinan