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terça-feira, 4 de dezembro de 2018

As redes sociais destruirão a democracia ou a ressuscitarão?

As redes sociais destruirão a democracia ou a ressuscitarão?

de Juan Arias, brasil.elpais.com
4 de Dezembro de 2018

Existe tamanha perplexidade com as redes sociais que sobre elas recaem as teorias mais extravagantes e contrapostas. Há quem as veja como o verdugo que acabará com a democracia tradicional tal qual a vivemos. E há quem chegue a concebê-las como o milagre que fará a democracia ressuscitar da crise de identidade em que hoje se encontra.

Quem observa esse novo fenômeno de comunicação mundial, através dos frutos que está conseguindo com a multiplicação de governos autoritários e até fascistas, acredita que as redes sociais representarão a morte da democracia tal como a conhecemos até agora.

Três episódios atuais poderiam condenar, com efeito, as redes como portadoras de governos autoritários e de extrema direita: Trump nos EUA, coração da maior democracia do mundo; Bolsonaro no Brasil, o coração econômico da América Latina; e agora o despertar na Andaluzia (Espanha) do Vox, um partido ultraconservador, até ontem insignificante, cujo repentino triunfo contribuiu para interromper quase 40 anos de domínio socialista naquela emblemática região, pátria de Felipe González.

Nesses três exemplos emblemáticos, as redes sociais tiveram mais força no triunfo eleitoral que os poderosos meios de comunicação do passado, dos grandes jornais às emissoras de rádio e televisão. E isso gerou alarme.

Existe também quem prefira ver o fenômeno das redes sob um prisma menos pessimista, como um instrumento que, se hoje aparece como inimigo da democracia, poderia, no final do caminho, apresentar duas importantes finalidades.

A primeira, embora possa parecer paradoxal, seria ter se transformado num instrumento com o qual estamos descobrindo que nossa democracia tradicional, que acreditávamos imune a todas as investidas fascistas e fundamentalistas, está doente.

As redes estariam revelando que um dos fundamentos da democracia, como a participação real e direta da sociedade e dos indivíduos na gestão do poder, fracassou. Os representantes políticos haviam se entrincheirado em seus castelos murados e revestidos de privilégios que ofendem a democracia. E se esquecido da praça onde se arrisca a vida.

As redes estariam sendo o alarme de que a sociedade da comunicação global já não aceita passivamente certo modo de encarnar a democracia. Não seriam as culpadas por seu desmoronamento, e sim as reveladoras de que as novas gerações já não reconhecem os antigos valores nos quais a democracia se fundamentava. Ou os consideram prostituídos.

Uma visão menos pessimista e até esperançosa das redes, uma vez desintoxicadas de seus excessos e pecados, de sua dificuldade de administrar esse novo modo de comunicação direta e global, chega até a imaginar que elas poderiam ajudar a ressuscitar a democracia.

Uma ressurreição que comportaria não só recuperar a essência libertária da democracia e purificá-la, mas também reinventá-la.

Sempre se disse que a democracia não é o melhor dos governos, mas que até agora não havia sido encontrado nada melhor para que os povos vivessem em liberdade e justiça. Se for assim, cabe sempre abrir novos horizontes dentro dela. Cabe purificá-la das suas escórias que a converteram em alvo de rejeição de milhões de eleitores no mundo.

Feliz paradoxo, poderiam as conturbadas e hoje ainda perigosas redes sociais serem chamadas a recriar uma democracia que realmente faça jus ao seu nome e às suas origens. Que encarne os desejos de uma nova Humanidade descontente com o presente e em busca, embora às vezes por caminhos distorcidos, de uma nova terra prometida. Uma democracia mais de todos, e não só do punhado de privilegiados que se servem dela como curinga para seus caprichos e interesses pessoais.

A democracia é essencialmente irradiação da liberdade pessoal e comunitária. A liberdade de expressão sempre foi seu fulcro como antídoto contra as tentações do poder absoluto.

As redes sociais poderiam estar convocadas a colaborar nessa batalha da liberdade de expressão como contraponto a um poder cada vez mais encastelado em querer governar à custa da opinião pública.

Se as redes sociais forem chamadas a obrigar o poder a atuar sob a luz do sol, e não escondido nos subterrâneos, já deveriam merecer nosso aplauso e até nosso agradecimento.

O que precisamos é estarmos alertas para que desse novo modo de vigilância do poder por parte da sociedade não se apropriem os poderosos, colocando-a a seu serviço, contra a própria democracia.

Nada, como diziam os romanos, é pior que a corrupção do melhor. E hoje as redes são o melhor e mais democrático que já foi criado contra a solidão e a comunicação total. O quarto poder, no qual antigamente nos arrogávamos os jornalistas, hoje está nas mãos de todos. Terrível e formidável ao mesmo tempo. Impensável até ontem. O novo pode nos iluminar ou ofuscar. A luz é o mais próximo da escuridão.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Tática militar em comunicação

“Contradições e bate-cabeça da campanha de Bolsonaro são intencionais”

Para o especialista em estratégia militar Piero Leirner, capitão usa tática militar em sua comunicação.

Esqueça a propaganda eleitoral tradicional na TV e no rádio. Deixe de lado também qualquer necessidade de discursos coerentes e sem contradições. Ao contrário, estimule seus aliados a levantar uma série de polêmicas apenas para que você possa em seguida desmenti-los e desempenhar o papel de apaziguador, paladino "da ordem". Na sequência, apresente mais desinformação. Repasse para dezenas de grupos fechados de Whatsapp, que espalharão para mais centenas, até que a verdade seja uma questão de ponto de vista sem nenhum lastro na realidade.

Essa é a estratégia que, segundo o antropólogo Piero Leirner, professor da Universidade Federal de São Carlos e especialista em estratégia militar, foi colocada em marcha pela campanha do presidenciável Jair Bolsonaro e pode levá-lo ao Planalto nas eleições de domingo. Em entrevista por email ao EL PAÍS ele detalha os passos que fizeram com que o capitão da reserva deixasse seus adversários se perguntando o que os atingiu.

Pergunta. A campanha de Bolsonaro frequentemente aparenta bater cabeça, com o capitão tendo que rebater colocações de sua equipe, como no caso da afirmação de um de seus filhos sobre o fechamento do Supremo Tribunal Federal. Isso é uma estratégia eleitoral?

Resposta. Tenho a impressão que no primeiro turno isso foi feito muito mais de cabeça pensada do que agora. A estratégia visava a criação de um ambiente de dissonância cognitiva [no qual uma pessoa apresenta simultaneamente opiniões contraditórias entre si], para em um segundo momento Bolsonaro aparecer com um discurso de restauração da ordem. Este é um passo clássico de operações psicológicas [militares], algo que está colocado em manuais de informação e contrainformação, propaganda de guerra e estratégias de dissuasão do inimigo há muito tempo.

P. Qual o sentido de usar esta estratégia?

R. O que se podia fazer com oito segundos de TV? Nada. Então houve a apropriação bastante eficaz desse tipo de instrumento de guerra semiótica. Falar e desdizer, e, como você disse antes, "bater cabeça" com os cabeças de ponte, os subordinados que ocupam uma posição de contato no terreno inimigo. Com isso ele mostrava o seguinte: "a confusão está fora de mim, mas eu restauro a autoridade aqui". Todo o tempo esse foi o discurso, de que ele é a autoridade. E assim ele multiplicou o carisma, jogando para o plano que oscilava entre uma autoridade carismática e tradicional.

Tenho a impressão que depois isso se tornou um padrão, basta ligar no piloto automático. O que foi repreender o filho [Eduardo Bolsonaro, que falou na possibilidade de fechar o STF] senão a repetição do discurso de que "tem que levar umas palmadinhas"? Ou seja, mais uma vez ele capitalizou com o erro.

P. Em que medida esta estratégia ajuda o candidato? É possível dizer que, neste cenário, confundir ajuda?

R. O padrão é sempre aparecer com uma ordem semanticamente paralela à desordem anterior. Se há uma desordem, digamos hipoteticamente, lançada por meio de uma contradição em um assunto econômico, como por exemplo Paulo Guedes dizendo "vou privatizar tudo", Bolsonaro reage com um "não vamos privatizar as empresas estratégicas" e, posteriormente, a questão é resolvida com um "vou acabar com o problema da violência". Isso é tão eficaz que até os donos de corretoras, o tal mercado, releva as informações que deveriam realmente interessar e passam a apostar nele.

Outro dia assisti em um programa de TV uma mesa com dois donos de corretoras, e um deles disse: "não é preciso ter plano algum para a economia, isso a gente vê depois. O que interessa mesmo é acabar com o privilégio das minorias que se instalou nesse país". Acho que nem Wall Street chegaria nesse ponto, de onde se vê que até gente que sabe como a engrenagem funciona caiu em processo de dissonância cognitiva.

P. Estas polêmicas provocadas pelo círculo íntimo do candidato ficam dias repercutindo na mídia. Isso é positivo para ele?

R. Claro. Ainda mais considerando que ele conseguiu colar a versão de que a mídia é, ela própria, uma fake news. Então toda a polêmica que fica exposta ele capitaliza depois mostrando que é o anti sistema lutando contra o establishment. E fez isso de uma maneira muito simples, pois depois de anos da mídia manobrando à vontade para bater no PT, eis que Bolsonaro bate na mídia e o PT assume a defesa dela! O que a campanha do PT fez? Jogou fora sua narrativa anterior, deixando esse vácuo, que é um tesouro semiótico, pronto para o Bolsonaro pegar e inverter a pauta: agora o PT é o "partido da Globo". Passei dias ouvindo isso, que na Globonews são todos petistas de carteirinha. Agora, minha sensação é que quanto mais a mídia bater, mais ele capitaliza.

P. Qual o conceito de guerra híbrida que o senhor trabalha, e como se aplica à política?

R. O conceito foi inventado por um norte-americano que reside na Rússia, o Andre Korybko. Ele fala, sobretudo, em movimentos que se utilizam de pautas identitárias que são articuladas por agentes externos para provocar conflitos e desestabilizar regimes. Foi assim nas chamadas primaveras árabes e, penso, aqui também em 2013. Para ele há um claro envolvimento do assim chamado deep state [nome dado a uma mistura de interesses de agentes estatais com investidores e setores industriais] norte-americano.

P. A manipulação de pautas identitárias são a única maneira de usar a guerra híbrida?

R. Eu penso que não, ainda que os meios sejam os mesmos: basicamente uma guerra no campo da informação e contrainformação, cujo objetivo é dissuadir o inimigo sem precisar levantar a espada. Isso é Sun-Tzu [estrategista militar chinês autor do livro A Arte da Guerra]. Isso é a base das PsyOps, ou operações psicológicas. O ponto todo é sempre desnortear o inimigo, deixando praticamente impossível para ele uma avaliação real sobre o tamanho, o posicionamento, a coesão e o estado de suas forças. Toda informação deve ser criptografada, e sempre é preciso adicionar uma quantidade de camadas de informação diante dos fatos de modo que as pessoas não saibam mais se estão olhando para as distrações ou para a mão que realiza a manobra. Com essa parafernália conceitual, me parece plausível que existe aplicação em qualquer campo. Por que a política ficaria isenta dela?

P. Como reagir a um ataque híbrido?

R. O que você acha que é essa quantidade incrível de vídeos que circulam agora via Facebook e Whatsapp? Contra-ataques híbridos. Estão certos? Falam a verdade? É bem possível, mas sua origem é tão obscura quanto a da matéria ele pretende desmentir. E o problema disso tudo é que nada parece ter lado, todas essas verdades parecem surgir do nada e se fiar em checagem de fatos. Mas então me diga uma coisa: qual é a agência que vai determinar, em última instância, a checagem? A mesma imprensa que até 20 dias atrás manobrou os fatos à sua vontade? O problema é que quando eles iam só em uma direção, estava tudo bem. Agora que o resultado saiu do controle, fica todo mundo desesperado com a quantidade de notícias falsas e mentiras. Quem olhou para o que estava acontecendo desde 2013 viu que tudo estava seguindo um padrão.

P. Existe algum outro país onde esta estratégia tenha sido utilizada?

R. Desta maneira, que eu saiba, não. Você deve estar pensando no caso norte-americano, no escândalo da Cambridge Analytica e dos contatos do filho de Bolsonaro com Steve Bannon [ex-estrategista de Donald Trump]. É uma parte do processo, mas não explica tudo. A estratégia tem que ser vista de forma aprofundada, recuando alguns anos. Agora parece que todo mundo acordou, no susto. Não se trata só da campanha que começou este ano, mas de passos mais largos que foram sendo realizados por outros agentes, como o Judiciário e a própria mídia.

A entourage de Bolsonaro certamente mapeou esses movimentos e foi se posicionando, sempre no segundo plano. Quando chegou a sua vez, aí foi o movimento de morde e foge, lançou o ataque semiótico e depois viu como o campo se desorganizou, para aí se reposicionar de novo. E assim foi indo, sempre lá de trás, observando como no front os outros ficavam como baratas tontas. Veja o PSDB [que focou sua artilharia em Bolsonaro, mas sequer foi ao segundo turno da disputa], mais claro impossível.

Isso que você está chamando de propaganda clássica chega a dar dó, não convence mais ninguém

P. O que mudou no papel da propaganda eleitoral clássica, na TV e no rádio? Os adversários de Bolsonaro conseguiram fazer bom uso dela?

R. Isso que você está chamando de propaganda clássica chega a dar dó. Os minutos que são fatiados em críticas, propostas e aqueles clipes ridículos mostrando gente sorrindo, o brasileiro típico, não devem convencer mais ninguém. Compare com o que produziu Bolsonaro: vídeos de baixa qualidade, feitos com celular. Todo mundo espalhou, não consumia a banda larga de ninguém! Pareciam selfies que se manda para o amigo ali da esquina. Essa estratégia o colocou em linha direta com as pessoas. E elas espalharam este conteúdo como se fossem agentes de campanha. Funcionaram como estações repetidoras. Delas para os grupos, e desses para outros. Hoje também já suspeitamos que houve uma ajuda extra. Mas, como disse, esse jogo está com a regra alterada circunstancialmente. Então essa propaganda tradicional, do jeito que está sendo feita, é inócua.

P. Algum outro candidato além de Bolsonaro fez uso da guerra híbrida com eficiência?

R. Claro que não. Basta ver onde eles estão.

P. Bolsonaro diz não ter controle sobre a disseminação de fake news. Qual sua avaliação?

R. Há dois pontos aí: ele não tem controle de como as fake news se espalham, pois as células atuam de maneira semi-independente. Mas ele, ou alguém da equipe dele, tem controle sobre a própria boca e como as coisas saem dela. Então ele tem segurança na fórmula, a equipe tem as chaves da criptografia das mensagens passadas. Então é claro que ele poderia dar um cavalo-de-pau e tentar mudar a chave, e é evidente que ele não fez isso. O discurso de domingo [21 de outubro, quando Bolsonaro falou em varrer a oposição] intensificou mais ainda essa estratégia. Tudo feito como sempre, e ninguém consegue reagir.

Piero Leirner, especialista em estratégia militar em entrevista ao Jornal "El País".

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

As redes sociais ou de mídia podem ser prejudiciais para a democracia

Uma releitura do artigo, "As redes sociais podem ser prejudiciais para a democracia", do site huffpostbrasil.

O termo "bolha de filtro" surgiu em um livro de 2010 do ativista Eli Pariser, que o usou para caracterizar um fenômeno da internet.

Bolha de filtro quer dizer que você cria ou participa de grupos que tem essencialmente a sua mesma opinião. Ou, o que é mais assustador, que terceiros decidam pelos algoritmos o que nós queremos ou devemos saber.

Isso está dentro de uma característica que os psicólogos conhecem, o chamado "viés de confirmação" – que é a tendência das pessoas de apenas procurarem informações com as quais concordam.

E não é só isso. Pesquisas indicam que as pessoas tendem a interpretar os fatos à partir de suas crenças e posições, que nada mais é do que o princípio de transformar fatos em versões.

Tudo isso significa que, se você tende, por exemplo, a não gostar de Dilma, qualquer informação negativa que ouvir ou ler a respeito dela provavelmente vai reforçar essa posição sua, ao mesmo tempo em que você irá ignorar ou rejeitar todas as notícias que sejam favoráveis a ela.

As bolhas de filtro tem dois aspectos– a pré-seleção e o viés de confirmação

Esses dois aspectos conduz a sociedade a uma divisão estanque e fechada entre apenas dois lados, prato cheio para a segregação e os conflitos.

E todos percebem essa polarização em todos os segmentos. Dentro do Poder Judiciário, no Legislativo, nos aspectos sociais e na política como um todo.

Como a maior parte das notícias circula através da mídia social, o Facebook tem sido um fator determinante na aceleração dessa divisão. E como se trata de um instrumento de extrema velocidade e alta capilarização ele é de longe a maior fonte de notícias, muitas delas falsas. Sendo
falsas e repetidas várias vezes acabam sendo vistas como legítimas.

As comunidades de internet têm criado suas realidades sociais. Em seu papel atual, as redes sociais correm o risco de instigar uma realidade social em que grupos diferentes podem discordar não apenas em relação ao que fazer, mas sobre qual é a própria realidade.

Essas notícias falsas, ou fake news, repetidas várias vezes se tornam o que se denominou de "a pós-verdade".

Alguns meios tradicionais de comunicação também têm se aproveitado desta tendência de se criar uma realidade desconectada dos fatos.

Tem se tornado comum nas redes tradicionais de comunicação a implantação de notícias falsas, e  muitas vezes articulada em conjunto, que repetidas exaustivamente formam uma "pós-verdade" que atende aos seus objetivos políticos próprios ou aos interesses dos seus patrocinadores ou financiadores.

Artigo original:

http://m.huffpostbrasil.com/2017/11/14/por-que-as-redes-sociais-podem-ser-prejudiciais-para-a-democracia_a_23277023/?utm_hp_ref=br-homepage
Gordon Hull

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Noam Chomsky - meios de comunicação

Noam Chomsky. Algumas conclusões de seus estudos sobre os meios de comunicação.

1 - Os meios de comunicação desviam a atenção das pessoas dos problemas realmente importantes.

2 - Para fazer com que uma medida inaceitável seja aceita, os meios de comunicação a introduzem gradualmente, a conta-gotas.

3 - Para fazer com que uma decisão impopular seja aceita, a apresentam como “dolorosa mas necessária”, obtendo assim a aceitação pública no momento para uma aplicação futura.

4 - Fazem uso do aspecto emocional para causar um curto circuito na análise racional da situação e no senso crítico dos indivíduos.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

As máquinas de vender intolerância e preconceito

Do Outras Palavras

Para compreender onda de fundamentalismo e crimes de ódio, que se espalha por países como EUA e Brasil, é indispensável examinar papel de certos programas de TV

por Sandro Ari Andrade de Miranda — publicado 30 de junho de 2015

O crescimento dos crimes de ódio é um fenômeno global. Sustentada por preconceitos e por valores fundamentalistas, temos observado uma onda de violência desmedida em diversos lugares do planeta, exatamente no momento em que explodem os meios de comunicação, o que, em tese, deveria garantir maior acesso à informação.

O ataque a igrejas das comunidades negras nos Estados Unidos, o espancamento de casais homoafetivos nas metrópoles brasileiras ou, simplesmente, de pessoas que se acredita serem homoafetivos (como num caso recente onde pai e filho foram espancados por simples manifestação de carinho), o incêndio criminoso de mesquitas na França, o massacre diário de palestinos pelo governo de Israel, são apenas alguns exemplos de aberrações que vivenciamos todos os dias.

Pior do que isto, o simples ato de ser levantada opinião contrária à dos ofensores ou dos grandes meios de comunicação também acaba resultando em ameaças, perseguições e agressões. A internet, que deveria ser o caminho da disseminação das informações transformadoras, tem sido canal de propaganda da violência moral, da étnica, da sexual e da simbólica.

Se durante o Iluminismo a luta por liberdade de imprensa e de opinião resultou numa conquista sem precedentes para a humanidade, criando os alicerces para a derrubada de impérios absolutistas, no mundo contemporâneo, na maior parte das vezes, os meios de comunicação não oferecem suporte à democratização da sociedade. Infelizmente, não são raros os exemplos nos quais a mídia de massa funciona como elemento de fomento a ódios, preconceitos e violência desmedida, como no caso do nazismo, do fascismo, e da islamofobia instaurada depois de 11 de setembro.

Os meios de comunicação, especialmente os canais de televisão, cumprem um papel decisivo no fomento ao preconceito, especialmente através da construção de arquétipos, de personagens onde o oprimido é sempre objeto de piadas. Portanto, os grandes meios de comunicação, dominados por oligopólios e grupos conservadores, também são o ponto de partida para vários crimes de ódio.

Num evento pré-campanha eleitoral em 2014, a novela Meu Pedacinho de Chão, da Rede Globo de televisão, direcionada a um público infanto-juvenil, com primoroso trabalho estético e com rara qualidade de direção e interpretação, mesmo com sua projeção atemporal, apresentou todos os personagens negros como empregados, criticou o direito de voto dado aos analfabetos, uma conquista democrática de 1988, sem questionar a origem do problema, transformando trabalhadores analfabetos em pessoas desinteressadas na aprendizagem e converteu o Coronel, vilão da história, em herói redimido, num gritante retrocesso em relação ao roteiro da novela original, que foi construída sobre o alicerce da crítica social.

O que era para ser uma obra de arte, nos momentos citados foi palco para a disseminação de preconceitos de forma subliminar, e reforço para a campanha de ódio contra formas de pensar democráticas que é exercitado no dia a dia pelos telejornais da emissora. Por sinal, as novelas da Rede Globo, com raras exceções, sempre foram instrumentos de construção de arquétipos destinados ao controle dos avanços sociais. Vejam o exemplo “do bom e do mau sem-terra” no péssimo roteiro da reprisada novela O Rei do Gado, uma “obra-prima do preconceito”.

E aqui nem falo de uma recente novela das 18 horas (Buggy Uggy) ambientada na década de setenta, que tinha um militar moralista como “pai de família exemplar”, e não fez qualquer referência aos crimes praticados durante a “ditadura verde oliva” exercitados na mesma época. Também nem falo da reiterada imposição da “ditadura da maternidade” pelas novelas como única forma concreta de realização feminina. Normalmente as personagens que não sonham em ser mães são apresentadas como vilãs ou satirizadas, em síntese: mais uma forma de preconceito propagandeado.

Nesses folhetins televisivos vemos a construção de “bons políticos” que pregam discursos de um moralismo lamentável, enquanto passam o tempo todo convivendo de forma pacífica com seus parceiros e “bons correligionários”: latifundiários, grandes empresários, jornalistas com condutas duvidosas e famílias tradicionais. Ou seja, “nas novelas globais, o bom político é sempre aquele que defende o ideário e os interesses da emissora, mesmo que estes estejam em conflitos com o avanço da democracia”.

No ano de 2011, os canais da Discovery divulgaram um interessante documentário sobre o “perfilhamento racial” nos Estados Unidos e a forma como a polícia, mesmo em Illinois, reduto eleitoral de Barack Obama, continua prendendo pessoas de forma indiscriminada e sem justificativa com base em elementos étnicos, muitos dos quais terminam na morte dos acusados, sempre negros, pela ação policial.

Em algumas situações observamos a autovitimização do opressor como instrumento de pregação do preconceito e de perpetuação do poder dominante, como nos discursos inflamados de brancos contra as políticas de cotas e de ação afirmativa, ou a patética conduta de alguns parlamentares e religiosos brasileiros defendendo o “orgulho hétero”, num claro ato de homofobia.

Aliás, enquanto o direito civil caminhou durante milhares de anos, desde a sua matriz romano-germânica, para reconhecer que não existe direito “de família”, mas “de famílias”, em suas diversas formas, observamos a lamentável tentativa de retrocesso, com a tramitação no Congresso Nacional brasileiro, do projeto de lei do Estatuto da Família, mais um arremedo de fundamentalismo, sexismo e homofobia.

O uso de símbolos opressivos ainda é pouco enfrentado na sociedade brasileira, mesmo que a violência simbólica seja criminalizada na “Lei Maria da Penha”. Este tipo de violência ainda é visto por determinados setores da sociedade como não violência, como algo que afeta apenas a subjetividade das vítimas. Assim, a violência simbólica segue servindo como ponte para diversos tipos de preconceitos, ou como porta de passagem para a violência física sem nenhum tipo de controle.

Portanto, se formos buscar a fonte da disseminação inconsequente dos crimes de ódio, não poderemos deixar de questionar o papel dos meios de comunicação de massa, ou da ação de alguns ocupantes de assentos nos Parlamentos. Enquanto aceitarmos de forma acrítica que valores conservadores sejam impostos às nossas casas todos os dias pelo rádio, televisão ou internet, ou que o presidente da Câmara vá ao púlpito do Congresso para ofender minorias, ou negarmos a violência simbólica, ainda continuaremos convivendo com a chaga do preconceito.

domingo, 28 de agosto de 2016

“Tudo ficou mais claro: é golpe”

O escritor e jornalista americano Glenn Greenwald ficou mundialmente conhecido ao ser escolhido por Edward Snowden para revelar a enorme rede de grampos da National Security Agency (NSA), do governo dos EUA. Dilma Rousseff e Angela Merkel foram espionadas, entre outros chefes de Estado.

Ganhador de um Prêmio Pulitzer e personagem do documentário que fez com Laura Poitras sobre Snowden, o jornalista aderiu à tese do golpe à brasileira depois de ler as gravações da conversa do ex-ministro de Temer, Romero Jucá, com Sérgio Machado, da Transpetro, ambos investigados pela Operação Lava Jato

“Entendi que o impeachment foi desfechado para impedir a Lava Jato. Mas, em última instância, ele visa a  aniquilar o PT e mudar totalmente os rumos do País, impondo políticas que nunca seriam aceitas pela população, pelo voto.” 

Morando no Brasil há 11 anos, o também advogado Greenwald tornou-se carioca adotivo através do casamento com David Miranda. Suas matérias, publicadas no site The Intercept e lidas no mundo inteiro, vêm mudando o olhar da imprensa estrangeira sobre o golpe de Estado disfarçado de impeachment

“Vi que havia abuso do Poder Judiciário, quando o juiz Sergio Moro divulgou um diálogo entre Dilma e Lula. Fui advogado antes de ser jornalista e sei o quanto isso é perigoso para a democracia”, afirma. 

Ele se diz chocado com o fato de ver o País relegado ao 104º lugar no quesito liberdade de imprensa no mundo, na avaliação imparcial da ONG Repórteres sem Fronteitas (Reporters sans Frontières), que destacou em seu relatório de 2016: “De maneira pouco velada, os principais meios de comunicação incitaram o público a ajudar na derrubada da presidenta Dilma Rousseff.

Os jornalistas que trabalham nesses grupos estão claramente sujeitos à influência de interesses privados e partidários, e esse permanente conflito de interesses prejudica fortemente a qualidade de suas reportagens”. Comentando o fato, Glenn  diz: “Imagino que isso deve ter causado muita vergonha nEstadãoFolhaGlobo, Veja e IstoÉ”. 

CartaCapital: Através de você, Edward Snowden revelou o escândalo das escutas telefônicas da NSA que mostravam que Dilma Rousseff  e Angela Merkel, entre outras personalidades, foram grampeadas pelos americanos. Como você explica que a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula tenham continua­do a usar o telefone para tratar de assuntos tão importantes quanto o da nomeação dele para ministro da Casa Civil?

Glenn Greenwald: Tive uma grande surpresa e Snowden disse algo no Twitter sobre isso, quando as conversas foram divulgadas. Ele ficou decepcionado, quase ofendido, pois sacrificou muito de sua vida para mostrar ao País como a presidente Dilma estava sendo espionada e monitorada.

E sei que, depois das revelações, o governo brasileiro investiu muito para construir métodos de contraespionagem com fotografia, e fizeram muitas reuniões em Brasília para evitar isso. 

O fato de um ex-presidente e uma presidenta estarem tratando de coisas muito sensíveisdentro desse clima num telefone aberto e não encriptado é, para mim, incompreensível. Fiquei chocado. 

CC: Depois de 11 anos vivendo no Brasil e escrevendo sobre geopolítica e política americana, recentemente, com o agravamento da crise no País, você passou a se interessar mais pela política local?

GG: Eu queria viver num país com tranquilidade, sem problemas, sem precisar lutar ou brigar. Quando decidi morar aqui, há 11 anos, não pensava no Brasil como meu país. Agora que moro há tanto tempo, sou casado com um brasileiro, estamos adotando uma criança que vai ser brasileira, amo este país que me deu muitas coisas, e penso que tenho não somente o direito, mas a obrigação de fazer reportagens sobre o que não está sendo feito mas acho necessário fazer.

Este período que estamos vivendo não é normal. É uma crise que está ameaçando a democracia. Existe um risco de que ela seja extinta de novo e não posso ficar sem fazer nada, quando acho que tenho algum poder de ajudar e defender a democracia.

Não ficaria em paz com minha consciência o resto da vida, se não fizesse coisa alguma. Em relação à mídia dominante, talvez eu não percebesse antes o quão extremista ela é. Ela faz propaganda. Isso me choca como jornalista. Quis usar a minha revista e meus meios para lutar contra isso.

CC: O que desencadeou sua decisão de passar a escrever sobre o Brasil?

GG:  Eu vi que a Globo estava incitando os protestos. Mas, por outro lado, eu estava olhando a Lava Jato como algo impressionante, positivo, pois colocava na prisão por corrupção bilionários e políticos poderosos, independentemente do partido ou da ideologia. Isso não acontece nos Estados Unidos, e no Brasil menos ainda.

As pessoas achavam uma coisa fantástica. Comecei a mudar quando o juiz Moro mandou fazer a condução coercitiva de Lula, sem razão, uma vez que o ex-presidente fazia depoimentos voluntários. Ficou claro para mim que o juiz criou uma cena dramática.

Pior ainda, em minha opinião, foi quando Moro divulgou a conversa do ex-presidente com a presidenta. Ele não divulgou apenas grampos de interesse público, mas também conversas para enxovalhar a reputação do ex-presidente.

Mas minha decisão de começar a cobrir a política brasileira foi quando vi o Jornal Nacional fazendo uma leitura do diálogo entre o ex-presidente e Dilma Rousseff como se fosse de novela. Tive uma imensa vergonha e pensei que era o limite do suportável.

CC: O que é fazer jornalismo honesto?

GG: Numa democracia, o jornalismo tem um propósito: o principal é ser uma força contra facções poderosas, que podem ser os ricos, o governo, a polícia, as grandes empresas. Ser realmente o Quarto Poder. Ele deve ser um poder que vai esclarecer, trazer à luz o que certos grupos estão fazendo às escuras.

Quando o jornalismo está servindo a esta ou aquela facção, para mim é corrupto. Jornalismo que luta contra os poderosos é o jornalismo honesto, fiel a seu propósito de investigar e mostrar a verdade.

Minha opinião sobre Moro mudou quando da condução coercitiva de Lula sem razão.

CC:  O mito da objetividade é que está em xeque? 

GG: Sim, Dilma fala de golpe, a oposição defende que foi impeachment legal. Quando saem esses artigos muito fortes, criamos espaço para os jornalistas estrangeiros irem mais longe.

CC: A GloboNews tentou desqualificar toda a imprensa internacional, dizendo que os jornalistas estrangeiros não entendiam o processo.

GG: Isso foi patético, mas não conseguiram. E também a Dilma e o PT resolveram adotar uma estratégia forte, organizando coletivas da presidenta e de Lula para a imprensa internacional, e quando Lula fez uma entrevista comigo e não com jornalistas brasileiros. Dilma fez três entrevistas, uma com a CNN, uma com a Telesur e outra comigo. Depois ela fez uma entrevista exclusiva com CartaCapital.  

CC: Na matéria de 23 de maio, sobre a gravação de Romero Jucá, o Intercept diz que vai introduzir definitivamente a palavra golpe. Como foi a repercussão dessa matéria?

GG: Eu, pessoalmente, nunca usava a palavra golpe porque, para mim, era como a palavra “terrorismo”. Todo mundo usa essa palavra politicamente. Não tem um significado específico. Para mim, a gravação de Jucá mudou tudo, porque tive todos os ingredientes necessários para definir um golpe.

Qualquer que seja a definição de “golpe”, ela se enquadra no que foi feito no Brasil com relação à presidenta Dilma Rousseff. Houve envolvimento de políticos, da Justiça e dos militares, entre outros. O motivo não foram as alegadas “pedaladas fiscais”. No dia da votação na Câmara, ninguém falou desse motivo. 

CC: Seria possível a Suprema Corte americana agir tão partidariamente como a brasileira?

GG: Nos Estados Unidos, um juiz da Suprema Corte não pode falar publicamente sobre assuntos que estão em julgamento. A autoridade do Judiciário precisa ser e parecer independente da política.

É impensável ver um juiz encontrando-se com políticos, almoçando com políticos. Para mim, como advogado que sou, esse processo é totalmente corrupto. Que confiança você pode ter num juiz que discute com políticos casos que está julgando?

CC: Ele toma partido...

GG: Sim. Para mim, isso é mais importante do que o envolvimento dos militares. Quando comecei a prestar atenção no debate sobre oimpeachment, eu pensava: “Não pode ser golpe, porque está sendo conduzido sob a autoridade de um  tribunal  legítimo”. Para mim era um bom argumento. Perguntei a Dilma e a Lula nas entrevistas que fiz: como pode ser um golpe se é um tribunal legítimo? Mas agora a legitimidade desse tribunal fica totalmente duvidosa.

CC: Como avalia a queda do Brasil no ranking de liberdade de imprensa da respeitada ONG Repórteres Sem Fronteiras? O Brasil ocupava o 58º lugar em 2010 e hoje ocupa o 104º posto? A Reporters Sans Frontières disse literalmente: “O problema dos ‘coronéis midiáticos’, que descrevemos em 2013 no relatório ‘O País dos 30 Berlusconis’, continua intocável”.

GG: O Brasil ficou atrás de El Salvador, Peru e Libéria. Essa organização é muito respeitada no mundo inteiro, porque não se envolve em nenhum debate político nos países, atua apenas como um observador.

A Reporters Sans Frontières disse isso de uma forma clara e absoluta, condenando a mídia brasileira e dizendo que os jornalistas não estão se comportando como profissionais, mas tentando influir na queda da presidenta Dilma.

Outra forma de avaliar a liberdade e o pluralismo da imprensa brasileira foi em relação ao assassinato de jornalistas em cidades pequenas, a concentração de empresas jornalísticas nas mãos de poucas famílias e a conexão com a classe política, tentando forçar a saída de Dilma, o que contradiz a liberdade de imprensa.

A avaliação da RSF foi tão severa com a mídia brasileira que fiquei chocado e surpreso, pois eles em geral não são tão explícitos nos seus julgamentos. Imagino que isso deve ter causado muita vergonha no EstadãoFolhaGloboVeja eIstoÉ.

CC: Mas eles não deram essa notícia. “O que é ruim, a gente esconde”, foi uma frase dita por um ministro que falava sem saber que o microfone estava aberto. Faz algum tempo, mas nada mudou.

GG: Em todos os lugares onde vou falo disso justamente, porque não vejo ninguém falar. Na gravação de Jucá, ele disse que a imprensa estava insistindo na saí­da de Dilma, nitidamente tomando partido. Ele deixou tudo muito claro.

CC: No Brasil, o povo vê o que a mídia quer que ele veja...

GG: Você viu o que o Jornal Nacional fez para noticiar essas gravações? Eles deram 20 segundos no começo, depois 15 outras reportagens sobre zika, o tempo, a Venezuela. Os últimos dez minutos foram para comentar as gravações, mas sem falar do envolvimento dos militares nem a tentativa de impedir a Lava Jato. Disseram que Temer afirmou que “agora tudo está certo”.   

CC: O que falta ao Brasil para ter maior pluralidade na mídia?

GG: Vi críticas ao PT por não ter feito quase nada nesse sentido. Nos EUA, há leis mais leves, aliás, do que na Inglaterra e na França. Se existem instituições fortes e maduras, não há problemas. Havia a TV Brasil, onde o Temer já mudou as regras. Para mim, muito mais promissora é a internet.

Vai mudar tudo. Jovens de menos de 25 anos não veem tevê, não leem jornal. Estão no Facebook, Twitter e leem os jornais estrangeiros na internet. Acho essa opção melhor que leis para regular e controlar.

CC: Na França, por exemplo, o governo subvenciona os jornais para garantir o pluralismo. O governo não quer nem que o jornal comunista L’Humanité desapareça. O pluralismo na imprensa é importante para a democracia francesa. O leque ideológico da imprensa é enorme.

GG: Mas é preciso que haja maturidade política e democracia. Na Argentina, a primeira coisa que Mauricio Macri fez foi mudar a lei de mídia.

CC: De onde você vem? Qual a sua história familiar a explicar seu interesse por política, seu engajamento?

GG: Meu avô me influenciou muito quando eu era criança. Ele foi vereador na nossa cidade, um político que sempre lutou contra as injustiças. Quando me tornei advogado, me especializei em Direito Constitucional e me distanciei da política. Depois do 11 de Setembro, eu morava em Nova York e via as mudanças nos direitos constitucionais irem no mau sentido.

Comecei a voltar os olhos para a política. Mas era advogado. Comecei a ler blogs porque a mídia não cobria de forma inteligente e contestadora o modo como os Estados Unidos se conduziam. Em 2005, decidi criar um  blog para me comunicar com os blogueiros que estava lendo e rapidamente me transformei em jornalista.

Serra teve o desplante de perguntar: o que é NSA? (Foto: Evaristo Sá/AFP)

CC: Dá para fazer um paralelo entre a falta de crítica da mídia americana no pós 11 de Setembro e a situação dos grandes jornais brasileiros hoje, tão partidarizados?

GG: Sim. Aderiram à invasão do Iraque de forma bastante acrítica. Depois, o New York Times pediu desculpas, mas na época o apoio foi integral, com um discurso muito nacionalista. A imprensa americana sabe que uma grande parte da população presta pouca atenção à política e, por isso, é facilmente manipulável.

Mas mesmo naquela época, quando o jornalismo se tornou horrível e perigoso, havia espaço no New York Times Washington Post, às vezes na tevê, para argumentações contra a invasão do Iraque, desafiando crenças da maioria dos que apoiavam a guerra. Aqui no Brasil, no Globo, por exemplo, não há quase nada que conteste oimpeachment. Esse pensamento único me dá medo, pois é algo muito perigoso.           

CC: Você se considera uma pessoa de esquerda?  

GG: Existe esse debate: ele é de esquerda, libertário, independente, muitas pessoas tentam me colocar numa caixa. Não gosto, porque acho que é uma forma de as pessoas começarem a ignorar seus argumentos. Tenho opiniões, claro, e há assuntos em que acho que estou à esquerda, mas em outros não. Tento evitar pensar me posicionando dessa forma.

CC: Como analisa a entrega do pré-sal brasileiro às multinacionais nesse contexto? 

GG: O representante do governo interino já estava em Nova York na semana passada para encontrar grupos de Wall Street. Já se deixou claro que a intenção é privatizar muitas coisas, inclusive parte da Petrobras. Sempre que vimos acelerar esse tipo de privatização em diversos países, os processos foram recheados pela corrupção.

José Serra, atual ministro das Relações Exteriores, afirmou que a política externa agora pretende dar menos importância aos tratados internacionais e multilaterais e privilegiar relações baratas, além de estreitar relações com os EUA.

Numa entrevista recente, um repórter fez uma pergunta sobre a espionagem dos EUA ao Brasil, citando a NSA, e ele perguntou: “O que é NSA?” Revelou que o objetivo de sua política é reforçar o relacionamento com os EUA.

CC: O golpe de 1964 deu-se com a cumplicidade e a ajuda de Washington. No dia seguinte à votação do impeachment na Câmara, o candidato a vice na chapa de Aécio Neves, senador Aloysio Nunes Ferreira, foi aos EUA, onde se encontrou com autoridades do Departamento de Estado. Qual o papel dos EUA no atual golpe?

GG: Não há evidências de que os EUA estejam envolvidos no processo do impeach­ment. Não que eu saiba. Mas isso não diz muito. Qualquer envolvimento americano seria discreto. Creio que a direita brasileira não conduziria esse processo sem a aprovação dos EUA.

E também está claro que os EUA têm preferência por governos à direita na América Latina, porque são mais abertos ao capital internacional, enquanto a esquerda reforçou iniciativas como o Mercosul e os BRICS. Não sei que tipo de apoio estão dando, se estão planejando e encorajando, mas certamente demonstram aprovação.

CC: O que aconteceria a um juiz americano se tomasse posições claramente partidárias, participasse de eventos de organizações ligadas a partidos ou de órgaos da imprensa, como faz, por exemplo, o juiz Sergio Moro?

GG: Nos EUA, isso seria impensável. O Poder Judiciário aqui é muito forte. Um juiz pode grampear conversas, mandar alguém para a prisão, manter alguém numa cela por 20 anos. É um poder extremo. Para aceitarmos esse poder, é preciso manter muito claros os limites não só das leis, mas das instituições.

O Judiciá­rio precisa estar acima de personalidades, exercer suas funções com objetividade e isenção. Moro virou um herói coberto de elogios. Acho que isso o está afetando muito. Nos EUA, esse protagonismo de um juiz jamais seria permitido. 

Da revista Carta Capital

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

E assim, as verdades são colocadas no seu cérebro:

"John Ehrlichman, o então chefe de política doméstica do presidente Nixon, admitiu para o jornalista Dan Baum o teor racista da política de drogas ao afirmar:

“Na campanha presidencial do Nixon em 1968, e depois na Casa Branca, nós tínhamos dois inimigos: a esquerda anti-guerra e as pessoas negras. Entendeu? Sabíamos que nós não podíamos criminalizar quem era anti-guerra ou negro, mas convencendo a população a associar hippies à maconha e negros à heroína, e depois criminalizando fortemente os dois, poderíamos desestabilizar ambas as comunidades. Poderíamos prender seus líderes, invadir suas casas, impedir suas reuniões e caluniá-los todas as noites nos jornais noturnos. Sabíamos que estávamos mentindo sobre as drogas? Claro que sim.”

Trecho de um artigo no jornal The Intercept

terça-feira, 16 de agosto de 2016

10 estratégias mais comuns de manipulação

Noam Chomsky é um linguista, filósofo, cientista cognitivo, comentarista e ativista político norte-americano, reverenciado em âmbito acadêmico como “o pai da linguística moderna“, também é uma das mais renomadas figuras no campo da filosofia analítica. (Fonte)
Em um estado totalitário não se importa com o que as pessoas pensam, desde que o governo possa controlá-la pela força usando cassetetes.
Mas quando você não pode controlar as pessoas pela força, você tem que controlar o que as pessoas pensam, e a maneira típica de fazer isso é através da propaganda (fabricação de consentimento, criação de ilusões necessárias), marginalizando o público em geral ou reduzindo-a a alguma forma de apatia” (Chomsky, N., 1993)
Inspirado nas idéias de Noam Chomsky, o francês Sylvain Timsit elaborou a lista das “10 estratégias mais comuns de manipulação em massa através dos meios de comunicação de massa
Sylvain Timsit elenca estratégias utilizadas diariamente há dezenas de anos para manobrar massas, criar um senso comum e conseguir fazer a população agir conforme interesses de uma pequena elite mundial.
Qualquer semelhança com a situação atual do Brasil não é mera coincidência, os grandes meios de comunicação sempre estiveram alinhados com essas elites e praticam incansavelmente várias dessas estratégias para manipular diariamente as massas, até chegar um momento que você realmente crê que o pensamento é seu.
manipulacao-em-massa

1. A Estratégia da Distração

O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio, ou inundação de contínuas distrações e de informações insignificantes.
A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir o público de interessar-se por conhecimentos essenciais, nas áreas da ciência, economia, psicologia, neurobiologia e cibernética.
Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real.
Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais.

2. Criar problemas e depois oferecer soluções

Este método também é chamado “problema-reação-solução“. Se cria um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja aceitar.
Por exemplo: Deixar que se desenvolva ou que se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas desfavoráveis à liberdade.
Ou também: Criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos. (qualquer semelhança com a atual situação do Brasil não é mera coincidência).
Este post PORQUE A GRANDE MÍDIA ESCONDE DE VOCÊ AS NOTÍCIAS BOAS? retrata bem porque focar nos problemas é interessante para grande mídia.

3. A estratégia da gradualidade

Para fazer que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, por anos consecutivos. Foi dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas, neoliberalismo por exemplo, foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990.
Estratégia também utilizada por Hitler e por vários líderes comunistas.  E comumente utilizada pelas grandes meios de comunicação.

4. A estratégia de diferir

Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e necessária“, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura.
É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente.
Depois, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “amanhã tudo irá melhorar” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se à ideia da mudança e aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5. Dirigir-se ao público como crianças

A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantismuitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse uma criança de pouca idade ou um deficiente mental.
Quanto mais se tenta enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante.
Por quê? “Se alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como as de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade.”

6. Utilizar o aspecto emocional muito mais do que a reflexão

Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e finalmente no sentido crítico dos indivíduos.
Por outro lado, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou injetar ideias, desejos, medos e temores, compulsões ou induzir comportamentos.

7. Manter o público na ignorância e na mediocridade

Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão.
“A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores e as classes sociais superiores seja e permaneça impossível de ser revertida por estas classes mais baixas.

8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade

Promover ao público a crer que é moda o ato de ser estúpido, vulgar e inculto. Introduzir a idéia de que quem argumenta demais e pensa demais é chato e mau humorado, que lhe falta humor de sorrir das mazelas da vida. 
Assim as pessoas vivem superficialmente, sem se aprofundar em nada e sempre ter uma piadinha para se safar do aprofundamento necessário a questões maiores.
A idéia é tornar qualquer aprofundamento como sendo desnecessário. Pois qualquer aprofundamento sério e lúcido sobre um assunto pode derrubar sistemas criados para enganar a multidão. 

9. Reforçar a auto-culpabilidade

Fazer com que o indivíduo acredite que somente ele é culpado pela sua própria desgraçapor causa da insuficiência de sua inteligência, suas capacidades, ou de seus esforços.
Assim, no lugar de se rebelar contra o sistema econômico, o indivíduo se auto desvaloriza e se culpa, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição de sua ação. E, sem ação, não há questionamento!

10. Conhecer aos indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem

No transcurso dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado uma crescente brecha entre os conhecimentos do público e aqueles possuídos e utilizados pelas elites dominantes.
Graças à biologia, a neurobiologia a psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado sobre a psique do ser humano, tanto em sua forma física como psicologicamente.
O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior que dos indivíduos sobre si mesmos.
manipulacao-em-massa
Nós do Yogui.co acreditamos que para se manter desperto e apto a tomar decisões sem sermos massa de manobra devemos nos auto-conhecer, o caminho mais profundo de auto-conhecimento é a meditação (ao nosso ver).
A simples tarefa de olharmos internamente para cada nuance de nosso ser e questionar cada célula, cada pensamento é o caminho básico para quem deseja despertar de toda essa manipulação que foi pensada e estrategiada para nos manter dispersos.

Quanto mais disperso o ratinho. Mais facilmente cai na ratoeira

sexta-feira, 10 de junho de 2016

O analfabeto midiático

O pior analfabeto é o analfabeto midiático.

Ele ouve e assimila sem questionar, fala e repete o que ouviu, não participa dos acontecimentos políticos, aliás, abomina a política, mas usa as redes sociais com ganas e ânsias de quem veio para justiçar o mundo. Prega ideias preconceituosas e discriminatórias, e interpreta os fatos com a ingenuidade de quem não sabe quem o manipula. 
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O analfabeto midiático é tão burro que se orgulha e estufa o peito para dizer que viu/ouviu a informação noJornal Nacional e leu na Veja, por exemplo. Ele não entende como é produzida cada notícia: como se escolhem as pautas e as fontes, sabendo antecipadamente como cada uma delas vai se pronunciar. Não desconfia que, em muitas tevês, revistas e jornais, a notícia já sai quase pronta da redação, bastando ouvir as pessoas que vão confirmar o que o jornalista, o editor e, principalmente, o “dono da voz” (obrigado, Chico Buarque!) quer como a verdade dos fatos. 
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O analfabeto midiático imagina que tudo pode ser compreendido sem o mínimo de esforço intelectual. Não se apoia na filosofia, na sociologia, na história, na antropologia, nas ciências política e econômica – para não estender demais os campos do conhecimento – para compreender minimamente a complexidade dos fatos. Sua mente não absorve tanta informação e ele prefere acreditar em “especialistas” e veículos de comunicação comprometidos com interesses de poderosos grupos políticos e econômicos. Lê pouquíssimo, geralmente “best-sellers” e livros de autoajuda. Tem certeza de que o que lê, ouve e vê é o suficiente, e corresponde à realidade. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o espoliador das empresas nacionais e multinacionais.”
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Por Celso Vicenzi,
No blog "Outras Palavras"

sábado, 4 de junho de 2016

Mídia Pública X Mídia Mercantil

O neoliberalismo tratou de impor a polarização entre estatal x privado como o centro do campo teórico do nosso tempo. Como quem reparte, fica com a melhor parte e esconde a parte que mais lhe incomoda. É o que acontece com essa falsa polarização.

O neoliberalismo destruiu o Estado e diz: se quiserem, defendam esse Estado destruído. Senão, venham para a esfera privada.

Para começar, a esfera neoliberal não é a esfera privada. Esta é a esfera individual, das liberdades pessoais, que justamente é esmagada pelo domínio do mundo do dinheiro. É uma boa cobertura para o neoliberalismo esconder sua verdadeira esfera: a esfera mercantil.

O neoliberalismo, como forma exacerbada de capitalismo, busca transformar tudo em mercadoria, instalar uma sociedade em que tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra. Que a educação não seja um direito igual para todos, mas uma mercadoria, em que quem pode, compra, quem pode mais, compra melhor. Assim como a saúde, a cultura, o transporte, etc, etc. A esfera do neoliberalismo é assim a esfera mercantil, em que o sujeito é o consumidor.

O shopping center é a utopia do neoliberalismo, um não-espaço, conforme a categoria da antropologia, sem janela e sem relógio, em que cada um, quando entre nesse espaço, rompe com sua cidade, seu país, para ser absorvido pelo mundo das marcas globalizadas. Em que se perdem as identidades locais, sejam gastronômicas ou artesanais, para se impor a homogeneidade globalizada.

A esfera contraposta à mercantil é a esfera publica, que o neoliberalismo procura esconder. É a esfera dos direitos, em que o sujeito é o cidadão – cuja definição é exatamente “sujeito de direitos”.

O Estado é um espaço de disputa entre as duas esferas. Normalmente as duas estão presentes no Estado, que pode ser hegemonizado por uma ou por outra.

No plano da comunicação essa polarização se reproduz nas suas formas específicas. A mídia privada é a expressão dos interesses mercantis na sociedade, patrocinada por eles e as próprias empresas sendo movidas pelo lucro e pela propaganda gerenciada pela agencias.

A mídia pública não se confunde com a estatal. Ela defende os direitos de todos à informação e à opinião, é a expressão democrática na sociedade. Ela pode ser financiada por recursos públicos ou ser uma instituição publica não-estatal. As mídias alternativas são o melhor exemplo deste caso: pertencem à esfera publica, mas não são estatais.

O Brasil de hoje está dominado pelo  enfrentamento entre os interesses mercantis e os interesses públicos. O governo golpista busca enfraquecer os direitos – seja no SUS, no Minha Casa, Minha Vida, no Bolsa Família, na escola pública, no pré-sal, nas mídias publicas, nos direitos das mulheres, dos negros, dos indígenas, dos jovens, das distintas identidades sexuais, no plano da comunicação. A luta de resistência ao golpe busca impedir esses retrocessos e derrubar esse governo, impondo uma mídia democrática, pluralista, representante da diversidade da nossa sociedade.

A mídia mercantil tornou-se um dos maiores protagonistas do golpe, aliada aos partidos de direita, às associações do grande empresariado. A mídia pública se alinha na luta democrática, expressa nas maiores manifestações populares que o Brasil ja viveu.

As tentativas de intervenção na EBC estão no centro dessas disputas, com o governo tentando tirar o caráter publico da entidade, impondo-lhe o selo estatal -  “governista”, como a direita gostava de acusar anteriormente. Em particular a TV Brasil, a Radio Nacional, são expressões claras de uma mídia pública, diversa, plural, independente do governo, articulada com a luta e afirmação dos direitos de todos na sociedade brasileira. Aí se decide muito do futuro do pais, porque sem formação democrática da opinião publica, não há democracia.

Por Emir Sader
No Brasil 247

terça-feira, 10 de maio de 2016

Manual para ler a mídia em tempos sombrios: as lições de Perseu Abramo

POR MARCO ZERO EM 17/03/2016DIÁLOGOS
Para que serve a imprensa? Há um certo consenso nas redações pelo Brasil e o mundo afora de que a grande mídia é uma espécie de cão de guarda do interesse público, um xerife a postos para proteger a sociedade e fornecer – com isenção, imparcialidade e equilíbrio – as informações e fatos mais relevantes para que o público possa criar seu juízo de valor e tomar as suas próprias decisões. Mas se esses ideais podem ser questionados no seu dia a dia, em tempos sombrios, como os que vivemos agora, eles estão definitivamente em xeque.
Você já se perguntou por que um assunto é manchete e outro notinha de pé de página? Você já se perguntou por que fatos idênticos envolvendo personagens distintos pode, em um caso, gerar a indignação feroz de colunistas e comentarista e, em outro, o mais retumbante silêncio? Já se questionou como são tomadas as decisões sobre quando, como, onde e por que uma declaração ou acontecimento ganha o status de notícia?
Nada disso acontece por acaso ou está baseado apenas em critérios técnicos.  Para entender os processos de manipulação da informação praticados diuturnamente pelos veículos da grande mídia e exacerbados agora com a pauta-única da destruição do PT, de Lula e Dilma, nada mais oportuno do que trazer à tona as análises do jornalista, sociólogo e professor Perseu Abramo, morto em 1996. Nascido em 1929, Perseu iniciou sua vida profissional em 1946, tendo atuado em veículos da grande mídia, como O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo, e alternativos, como o jornal Movimento.
Os padrões de manipulação foram sistematizados por Perseu no período do pensamento único neoliberal do início da gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Vinte anos depois continuam atualíssimos.
“A maior parte  do material que a imprensa oferece ao público tem algum tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é indireta.  É uma referência indireta à realidade, mas que distorce a realidade. Tudo se passa como se a imprensa se referisse à realidade apenas para apresentar outra realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real…”
 “A relação entre a imprensa e a realidade é parecida com aquela entre um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é o objeto como também não é sua imagem; é a imagem de outro objeto que não corresponde ao objeto real. A manipulação da informação se transforma, assim, em manipulação da realidade”.

Conheça os quatro padrões de manipulação apontados por Perseu Abramo:
1) Padrão de ocultação:
“É o padrão que se refere à ausência e à presença dos fatos reais na produção da imprensa. Não se trata, evidentemente, de fruto do desconhecimento e nem mesmo de mera omissão diante do real. É, ao contrário, um deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade…”.
 “A ocultação do real está intimamente ligada àquilo que frequentemente  se chama de fato jornalístico. A concepção predominante (…) é a de que existem fatos jornalísticos e fatos não jornalísticos e que, portanto, à imprensa cabe cobrir e expor os fatos jornalísticos e deixar de lado os não-jornalísticos…”.
 “(Acontece que) o jornalístico não é uma característica intrínseca do real em si, mas da relação que o jornalista, ou melhor, o órgão do jornalismo, a imprensa decide estabelecer com a realidade. Neste sentido, todos os fatos, toda a realidade pode ser jornalística, e o que vai tornar jornalístico um fato independe das suas características reais intrínsecas, mas depende, sim, das características do órgão de imprensa, da sua visão do mundo, da sua linha editorial, do seu “projeto”.

Delcídio citou, entre outros, Lula, Dilma e Aécio. Mas o tucano sumiu da edição da revista
O grau de virulência e espetacularização da cobertura das denúncias contra o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma comparado ao silêncio condescendente em relação a acusações envolvendo personagens como FHC, Geraldo Alckmin, José Serra e Aécio Neves é notório. O critério de noticiabilidade que funciona no caso dos petistas não serve para as lideranças tucanas.
E o que falar das denúncias de corrupção envolvendo o peemedebista Eduardo Cunha? Deliberadamente omitidas ou, no melhor dos casos, minimizadas por tanto tempo pela grande imprensa, garantindo-lhe o caminho livre até a Presidência da Câmara dos Deputados. Justamente ele, Cunha, o personagem central e permanente do “projeto” de desestabilização do governo Dilma.
2) Padrão de Fragmentação:
“A realidade é apresentada ao leitor não como uma realidade, com suas estruturas e interconexões , sua dinâmica e seus movimentos e processos próprios, suas causas, suas condições e suas consequências. O todo real é estilhaçado, despedaçado, fragmentado em milhões de minúsculos fatos particularizados, na maior parte dos casos desconectados entre si, despojados de seu vínculo com o geral, desligados de seus antecedentes e de seus consequentes no processo em que ocorrem, ou reconectados e revinculados de forma arbitrária e que não corresponde aos vínculos reais, mas a outros ficcionais e artificialmente inventados”.
“Novamente os critérios para esta seleção não residem necessariamente na natureza ou nas características do fato decomposto, mas sim nas decisões, na linha, no projeto do órgão de imprensa, que são transmitidos, impostos ou adotados pelos jornalistas destes órgãos”.

A descontextualização é a filha mais velha da fragmentação.  A construção diária e continuada, desde a reeleição da presidenta Dilma, de um cenário de “fim de mundo” foi obstinadamente perseguida pela grande imprensa. O noticiário negativo serviu frequentemente como pauta política para os agentes do capital financeiro (o tal “mercado”) e a oposição radical. Dados econômicos foram e são apresentados fora do contexto internacional, as “expectativas” do mercado se transformaram em “dados de realidade”. A especulação com o dólar e a flutuação da bolsa de valor ganham o status de humor da opinião pública nacional.
É curioso que durante os anos da gestão presidencial de Lula e no primeiro mandato da presidenta Dilma os ganhos sociais e econômicos alcançados tenham sido sistematicamente apresentados pela grande mídia fora do seu contexto, parecendo no mais das vezes não estarem vinculados a ações efetivas de governo, mas resultado natural de um momento de bonança mundial. Assim, os problemas econômicos de hoje estão relacionados a ações internas de má gestão e o sucesso de ontem ao cenário positivo internacional. Um veneno meticulosa e fragmentariamente inoculado na consciência do leitor/telespectador ao longo dos últimos anos.
 3) Padrão de Inversão
“Opera o reordenamento das partes, a troca de lugares e de importância dessas partes, a substituição de umas por outras e prossegue, assim, com a destruição da realidade original e a criação artificial de outra realidade”.

 Inversão da relevância dos aspectos:
“O secundário é apresentado como o principal e vice-versa; o particular pelo geral e vice-versa; o acessório e supérfluo no lugar do importante e decisivo; o caráter adjetivo pelo substantivo; o pitoresco, o esdrúxulo, o detalhe , enfim, pelo essencial”.

 
Da mídia para as ruas, pedalinho vira alegoria nos protestos
Os pedalinhos com os nomes dos netos de Lula no sítio de Atibaia e o barco de R$ 4 mil adquiridos pela ex-primeira dama Marisa Letícia ganham relevância no noticiário para reforçar o processo de criminalização do ex-presidente. Eles dão aos manifestantes contrários ao governo imagens-símbolo dos supostos abusos. Como aconteceu no passado com o AeroLula, o avião presidencial adquirido no governo Lula e que também ganhou as ruas como ícone da malversação de recursos públicos. Se uma imagem vale mais do que mil palavras, a grande imprensa fornece a imagem necessária para o escracho nas ruas.
Vista em retrospecto a polêmica envolvendo o AeroLula parece, o que de fato foi, algo sem sentido, banal. Fato menor e irrelevante da vida pública. Mas esse fato ocupou meses do noticiário da grande mídia e gerou reações acaloradas de comentaristas políticos e da oposição ao governo, como agora acontece com os pedalinhos e o barco de R$ 4 mil.
 Inversão da forma pelo conteúdo:
“O texto passa a ser mais importante do que o fato que ele reproduz: a palavra, a frase, no lugar da informação; o tempo e o espaço da matéria predominando sobre a clareza da explicação; o visual harmônico sobre a veracidade ou a fidelidade; o ficcional espetaculoso sobre a realidade”.

Não há tempo a perder. O vazamento dos áudios envolvendo o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma acontece no momento exato para ser veiculado em rede nacional no dia em que Lula é anunciado para o cargo de ministro da Casa Civil. O tempo noticioso pressiona o tempo político. A imprensa faz a sua síntese, põe fogo no noticiário, sem que os envolvidos possam fazer o contraponto, pelo menos não a tempo de conter o incêndio. Há um espetáculo para ir ao ar. As explicações podem vir depois, são de praxe, não devem interferir no rumo dos acontecimentos jornalísticos. São um detalhe que não pode nem deve comprometer o êxtase noticioso.
Inversão da versão pelo fato:
“Não é o fato em si que passa a importar, mas a versão que dele tem o órgão de imprensa, seja essa versão originada no próprio órgão de imprensa, seja adotada ou aceita de alguém – da fonte das declarações e opiniões… Frequentemente, sustenta as versões mesmo quando os fatos as contradizem. Muitas vezes, prefere engendrar versões e explicações opiniáticas cada vez mais complicadas e nebulosas a render-se à evidência dos fatos. Tudo se passa como se o órgão de imprensa agisse sob o domínio de um princípio que dissesse: se o fato não corresponde à minha versão, deve haver algo de errado com o fato”.
 “No lugar dos fatos, uma versão, sim, mas de preferência a versão oficial. E a melhor versão oficial é a da autoridade, e a melhor autoridade, a do próprio órgão de imprensa. À sua falta, a versão oficial da autoridade cujo pensamento é o que mais corresponda ao do órgão de imprensa”.

As delações premiadas da Operação Lava-Jato se tornaram a maior fonte de versões que ganharam o status de fatos jornalísticos nestes tempos sombrios. É o triunfo do jornalismo declaratório do qual agora o jornalista sequer participa porque não é ele quem entrevista, ao contrário, recebe tudo pronto, dado, entregue oportunamente (ou oportunisticamente) pelas autoridades judiciais ou policiais. Tudo, entenda-se, que pode servir ao programa de desestabilização e enfraquecimento do governo, por que é disto que se trata a pauta. O bombardeio de delações judiciais/versões jornalísticas ganha as manchetes e se torna dado de realidade. As delações terão que ser comprovadas em juízo para terem validade legal, mas nos jornais, revistas e no noticiário de TV elas já são verdade, sem checagem, sem apuração, sem cuidado. Sem jornalismo.
Próprio Ombudsman confirmou que manchete era falsa
Inversão da opinião pela informação:
“O órgão de imprensa apresenta a opinião no lugar da informação, e com o agravante de fazer passar a opinião pela informação. O juízo de valor é inescrupulosamente utilizado como se fosse um juízo de realidade. O leitor/telespectador já não tem mais diante de si a coisa tal como existe ou acontece, mas sim uma determinada valorização que o órgão quer que ele tenha de uma coisa que ele desconhece,  porque o seu conhecimento foi oculto, negado e escamoteado pelo órgão”.

Time de comentaristas da GloboNews: muita gente e uma única opinião
 No jornalismo brasileiro, a pseudo pluralidade não se dá na pauta, no fazer diário da atividade jornalística, mas no aumento gigantesco do número de comentaristas e analistas. Mas essa é uma pluralidade que não se manifesta de verdade. O caso do Sistema Globo é notório. No jornal, na TV, nas rádios do grupo, dezenas de comentaristas entoam diariamente o mantra do “fim do mundo”, do “fim do governo”.  A informação é um detalhe no emaranhado de opiniões e “impressões dos bastidores”. O fato importa menos do que como os jornalistas/analistas veem o fato. E as opiniões precisam ser ditas rápida e ininterruptamente para que elas passem a “ser o fato”, antes que o leitor/telespectador possa tirar suas próprias conclusões. O contexto não é mais formado pelas circunstâncias que envolvem o fato em si, mas pelas opiniões dos jornalistas que o enquadram e embrulham para o público.
 4) Padrão de Indução
“Submetido, ora mais, ora menos,  mas sistemática e constantemente, aos demais padrões de manipulação, o leitor é induzido a ver o mundo não como ele é, mas sim como querem que ele o veja. A indução se manifesta pelo reordenamento ou pela recontextualização dos fragmentos da realidade, pelo subtexto – aquilo que é dito sem ser falado – da diagramação e da programação, das manchetes e das notícias, dos comentários, dos sons e das imagens, pela presença/ausência de temas, segmentos do real, de grupos da sociedade e de personagens… Depois de distorcida, retorcida e recriada ficcionalmente, a realidade é ainda assim dividida pela imprensa em realidade do campo do Bem e realidade do campo do Mal, e o leitor/telespectador é induzido a acreditar não só que seja assim, mas que assim será eternamente, sem possibilidade de mudança”.

Dividir a cobertura (o Brasil) entre o Bem e o Mal foi desde o início o principal objetivo da grande mídia, em que pesem os eventuais discursos em favor da paz e da civilidade. Costumamos falar na judicialização da política, mas na verdade o que existe hoje no país é a judicialização do jornalismo, que diariamente aponta o dedo e dá sua sentença sobre quem é e quem não é bandido. Quem pode e quem não pode ter acesso à plena liberdade de expressão. Neste tribunal-noticiário falam primeiro as autoridades policiais e judiciais, depois os jurados da oposição e, em seguida, perto do final do julgamento-matéria, os reús e suas breves notas de repúdio. Mas a sentença quem determina é a grande mídia, em forma de editorial, como o jornal Estado de São Paulo fez recentemente – pedindo um Basta! e insuflando o impeachment – ou como a Revista Veja faz desde sempre.
Voltemos à análise assertiva de Perseu Abramo:
“É evidente que os órgão de comunicação, e a indústria cultural de que fazem parte, estão submetidos à lógica econômica do capitalismo. Mas o capitalismo opera também com outra lógica, a lógica política, a lógica do poder -, e é aí, provavelmente, que vamos encontrar a explicação da manipulação jornalística… Esses grandes órgãos efetivamente são autônomos e independentes, em grande parte, em relação a outras formas de poder. Mas não – como querem fazer crer – porque estejam acima dos conflitos de classe, da disputa do poder ou das divergências partidárias. Nem porque estejam a serviço do Brasil ou da parte do Brasil que constitui o seu específico leitorado. Mas sim porque são eles mesmos, em si, fonte original de poder, entes político-partidários, e disputam o poder maior sobre a sociedade em benefício dos seus próprios interesses e valores políticos”.