quinta-feira, 28 de abril de 2016

4 - A aventura da modernidade - Tudo que é sólido desmancha no ar.

MARSCHALL BERMAN

(Do livro: "Tudo que é sólido desmancha no ar - A aventura da modernidade", Marshall Berman, Companhia das Letras, 1987, p. 15-35)

Muitos artistas e trabalhadores intelectuais imergiram, no mundo do estruturalismo, um mundo que simplesmente risca do mapa a questão da modernidade e todas as outras questões a respeito da auto-identidade e da história. Outros adotaram a mística do pós-modernismo, que se esforça para cultivar a ignorância da história e da cultura modernas e se manifesta como se todos os sentimentos humanos, toda a expressividade, atividade, sexualidade e senso de comunidade acabassem de ser inventados - pelos pós-modernistas - e fossem desconhecidos, ou mesmo inconcebíveis, até a semana passada. (24)

Enquanto isso, cientistas sociais, constrangidos pelos ataques a seus modelos tecnopastorais, abdicaram de sua tentativa de construir um modelo eventualmente mais verdadeiro para a vida moderna. Em vez disso, retalharam a modernidade em uma série de componentes isolados - industrialização, construção, urbanização, desenvolvimento de mercados, formação de elites - e resistem a qualquer tentativa de integrá-los em um todo. Isso libertou-os de generalizações extravagantes e vagas totalidades - mas também do pensamento que poderia conduzir ao engajamento de seu trabalho e suas vidas e à determinação do seu lugar na história. (25) 0 eclipse do problema da modernidade nos anos 70 significou a destruição de uma forma vital de espaço público. Acelerou a desintegração do nosso mundo em um aglomerado de grupos de interesse privado, material e espiritual, vivendo em mônadas sem janelas, ainda mais isolados do que precisamos ser.
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Foucault reserva seu mais selvagem desrespeito às pessoas que imaginam ser possível a liberdade para a moderna humanidade. Nós pensamos que sentimos um espontâneo impulso de desejo sexual? Estamos apenas sendo movidos pelas "modernas tecnologias do poder que tomam a vida como seu objeto", dirigidos "pelo poder que dispõe de sexualidade em seu controle sobre corpos e sua materialidade, suas energias, suas sensações e prazeres". Nós agimos politicamente, derrubamos tiranias, fazemos revoluções, criamos constituições para estabelecer e proteger direitos humanos? Mera "regressão jurídica" aos tempos do feudalismo, porque constituições e cartas de direitos são apenas "as formas que tornam aceitável um poder essencial e normalizador". (26)

Nós usamos nossas mentes para desmascarar a opressão como Foucault aparenta estar fazendo? Esqueça-o, pois cada espécie de inquérito sobre a condição humana "apenas desliga indivíduos de uma autoridade disciplinar para ligá-los a outra" e, portanto, apenas faz engrossar o triunfante "discurso do poder". Toda crítica soa vazia, porque o próprio crítico está "dentro da máquina panóptica, investido de seus efeitos de poder, poder que conferimos a nós mesmos, já que somos parte do seu mecanismo".

Submetidos a isso por um momento, percebemos que não há liberdade no mundo de Foucault porque sua linguagem compõe uma teia inconsútil, um cárcere mais constrangedor do que tudo o que Weber sonhou, no qual nenhum sopro de vida pode penetrar. Estranho é que tantos intelectuais da atualidade parecem querer definhar lá dentro com ele. A resposta, eu creio, é que Foucault oferece a toda uma geração de refugiados dos anos 60 um álibi de dimensão histórica e mundial para o sentimento de passividade e desesperança que tomou conta de tantos de nós nos anos 70. Inútil tentar resistir às opressões da injustiças da vida moderna, pois até os nossos sonhos de liberdade não fazem senão acrescentar mais elos à cadeia que nos aprisiona; porém, assim que nos damos conta da total futilidade disso tudo, podemos ao menos relaxar.

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