Por Assis Ribeiro
As sociedades experimentam padrões de vida em deterioração,
crescente insegurança social e pessoal e decadência dos serviços públicos
enquanto as minorias abastadas prosperam cada vez mais.
A resposta subjetiva a estas condições tem sido as revoltas
esporádicas que podem ganhar uma musculatura incontrolável pela fraqueza e
lentidão das respostas dadas pelos governos. Em outras palavras, as condições
objetivas não têm sido acompanhadas pelo crescimento das forças subjetivas
capazes de transformar o Estado ou a sociedade.
Nos últimos anos uma série de movimentos de ruas iniciou o
que pode se tornar algo próximo dos acontecimentos da década de 1960.
Movimentos das populações negras também surgem nos EUA após
o “incidente” de Ferguson quando Michael Brown, um jovem negro, foi assassinado
por Darren Wilson, um policial branco.
Esse acontecimento provocou o crescimento das manifestações e tornou-se
símbolo da violência contra negros nos Estados Unidos.
Os problemas da intolerância contra os LGBT têm desencadeado
uma série de protestos por parte das populações mundiais.
A intolerância aos imigrantes segue esse mesmo rastro.
Leia mais aqui.
O terrorismo, a extrema-direita e o suicídio europeu, um continente em explosão
Por Flavio Aguiar
Da Rede Brasil Atual
De um lado, fanáticos que reivindicam uma versão do
islamismo incompatível com o próprio Islã. Do outro, neofascistas intolerantes.
O futuro da Europa promete ser sombrio
O ato terrorista contra os jornalistas do francês Charlie
Hebdo, em Paris, que também provocou ontem (7) a morte de um funcionário da
revista, de dois policiais no ato e possivelmente de mais um em tiroteio
posterior – num total de 12 mortos –, é mais uma face da grande ameaça que
paira sobre a Europa.
O continente inteiro está assentado sobre uma bomba-relógio.
Não é uma bomba comum, porque casos como o do Charlie Hebdo mostram que ela já
está explodindo. Nas pontas da bomba estão duas forças antagônicas, com
práticas diferentes, porém com um traço em comum: a intolerância herdeira dos
métodos fascistas de antigamente – e de sempre.
De um lado, estão pessoas e grupos fanatizados que
reivindicam uma versão do islamismo incompatível com o próprio Islã e o Corão,
mas que agem em nome de ambos. Os contornos e o perfil desses grupos estão
passando por uma transformação – o que aconteceu também nos Estados Unidos, no
atentado em Boston, durante a maratona, e no Canadá, no ataque ao Parlamento,
em Ottawa. Cada vez mais aparecem “iniciativas individuais” nas ações
perpetradas.
Esse tipo de terrorismo se fragmentou em pequenos grupos –
muitas vezes de familiares – que agem "à la cria", como se dizia, em
ações que parecem "espontâneas" e até "amalucadas", mas que
obedecem a princípios e uma lógica cuja versão mais elaborada, para além da
“franquia” em que a Al-Qaïda se transformou, é o Estado Islâmico, que se
estruturou graças à desestruturação do Iraque e da Síria. São fanáticos que
negam a política consuetudinária como meio de expressão de reivindicações e
direitos: negam, no fundo, a própria ideia de “direitos”, inclusive o direito à
vida, como fica claro no gesto assassino que vitimou o Charlie Hebdo.
Do outro, estão os neofascistas – ou antigos redivivos – que
se agarram à bandeira do anti-islamismo também fanático como meio de
arregimentar "as massas" em torno de si e de suas propostas. Agem de
acordo com as características próprias dos países em que atuam, mobilizando, de
acordo com as circunstâncias, as palavras adequadas.
No Reino Unido, criaram o United Kingdom Independence Party
– UKIP, Partido da Independência do Reino Unido, nome malandro que oculta e ao
mesmo tempo carrega a ojeriza pela União Europeia. Na França têm a Front
Nationale, da família Le Pen, que mobiliza o velho chauvinismo francês – que
lateja o tempo todo desde o caso Dreyfus, ainda no século 19.
Na Alemanha é feio ser nacionalista alemão, desde o fim da
Segunda Guerra. Então, criou-se um movimento – Pegida – que se declara de
"Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente", procurando uma
fachada pseudamente universalista para seus preconceitos anti-Islã e
anti-imigrantes.
Essa, aliás, é a bandeira comum desses movimentos: fazer do
imigrante ou do refugiado político ou econômico o bode expiatório da situação
de crise que o continente vive, assim como no passado se fez com o judeu e
ainda hoje se faz com os roma e sinti (ditos ciganos).
Na Itália, esse fascismo latente se organiza com o nome de
"Liga Norte", mobilizando o preconceito social contra o sul italiano,
tradicionalmente mais empobrecido. São movimentos que, embora busquem por vezes
o espaço da política partidária, como é o caso do Ukip e da Front Nationale, ou
mesmo da Liga Norte, têm como cosmovisão a negação da política como espaço
universal de manifestação de direitos e reivindicações.
Negam a política como campo de manifestação das diferenças,
barrando ao que consideram como alteridade o direito à expressão ou mesmo aos
direitos comuns da cidadania. O exemplo histórico mais acabado disso foi o
próprio nazismo que, chegando ao poder pelas urnas, fechou-as em seguida.
O caldo de cultura em que vicejam tais pinças contrárias à
vigência dos princípios democráticos é o de uma crise econômico-financeira que
se institucionalizou como paisagem social. Na Europa, a tradição é a de que
crises desse tipo levam a saídas pela direita. O crescimento do Ukip e da Front
Nationale, partidos mais votados nas respectivas eleições para o Parlamento
Europeu, em maio de 2013, é eloquente nesse sentido.
Na Alemanha, as manifestações de rua do Pegida vêm crescendo
sistematicamente, atingindo o número de 18 mil pessoas na última delas, na
cidade de Dresden, reduto tradicional de manifestações nostálgicas em relação
ao passado nazismo devido a ter sido o alvo (também criminoso) de um bombardeio
ao fim da Segunda Guerra pelos britânicos.
Deve-se notar, como fator de esperança, que manifestações
contra essas formas de intolerância – o terrorismo que reivindica o Islã como
inspiração e os movimentos de extrema-direita – têm tomado corpo também. Houve
manifestações de solidariedade aos mortos na França em várias cidades europeias
e, na Alemanha, manifestações contra o Pegida reuniram milhares de pessoas em
diferentes cidades.
Mas pelo lado da extrema-direita cresce a aceitação de suas
palavras de ordem na frente institucional (líderes do novo partido alemão
Alternative für Deutschland têm acolhido reivindicações do Pegida) e junto à
opinião pública. Na Alemanha, recente pesquisa trouxe à baila o dado
preocupante de que 61% dos entrevistados se declararam "anti-islâmicos".
Como ficou feio alegar motivos racistas, o que se alega
agora no lado intolerante é a "defesa da religião" ou a
"incompatibilidade cultural". Os assassinos do Charlie Hebdo gritavam
– segundo testemunhas – estarem "vingando o profeta", referência a caricaturas
de Maomé consideradas ofensivas.
Na outra ponta, jovens da Front Nationale, também no ano
passado, recusavam a pecha de racistas e
declaravam aceitar o mundo muçulmano – em "seus territórios", não na
Europa agora dita "judaico-cristã", puxando para seu aprisco a etnia
ou religião que a extrema-direita europeia antes condenava ao ostracismo, ao
campo de concentração e ao extermínio.
Os partidos e políticos tradicionais, em sua maioria, estão
brincando com fogo, sem se dar conta, talvez. Não aceitam o reconhecimento, por
exemplo, que grupos por eles apoiados na Ucrânia são declaradamente fascistas,
homofóbicos e até antissemitas. Preferem exacerbar o sentimento antirrusso e
anti-Putin.
Durante mais de uma década as duas agências do serviço secreto
alemão concentraram-se em esmiuçar a vida dos partidos e grupos de esquerda
(além dos possíveis terroristas islâmicos) e negligenciaram criminosamente o
controle sobre os grupos e terroristas alemães.
No momento, o "grande terror" que se alastra no
establishment europeu não é o de que a extrema-direita esteja em ascensão,
embora isso também preocupe, mas é o provocado pela possibilidade de que um
partido de esquerda, o Syriza, vença as eleições na Grécia (marcadas para dia
25 deste mês), forme um governo, e assim ponha em risco os sacrossantos pilares
dos planos de austeridade.
Nega-se o pilar da democracia: contra o Syriza agitam-se as
ameaças de expulsão da Grécia da zona do euro e até da União Europeia; ou seja,
procura-se castrar a livre manifestação do povo grego através da chantagem
política e econômica.
Se as coisas continuarem como estão, poderemos estar
assistindo o suicídio da Europa que conhecemos. O que nascerá desses escombros
ainda se está por ver, mas boa coisa não será, nem para a Europa, nem para o
mundo.
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