quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Os atores de baixo

É muito fácil perceber o que ocorre na economia e na política e as tendências do país simplesmente observando o entorno em que se vive. Como dizia Hermes Trismegisto ; "Aquilo que está em cima é como aquilo que está embaixo".

Basta ir às ruas, aos shoppings, as festas e observar o cotidiano das pessoas para se ter uma exata noção do que está ocorrendo.

Se nas décadas de sessenta e setenta era possível se observar um forte caldo de diversidade nas vestimentas, nos cortes de cabelo, nas várias formas musicais e comportamentais que fizeram com que o país avançasse, o mesmo não pode ser dito dos dias atuais.

A classe média juvenil teve esse papel transformador da sociedade. Foi a partir dela que o mundo guinou em seus avanços. Ela era a detentora da utopia como característica de mover segmentos da população que estavam insatisfeitos e não comprometidos com a ordem existente.

Ocorre que a classe média se sujeitou às sofisticadas tecnologias de controle, intimidação e manipulação, implantadas pelos meios de comunicação. Foi exatamente para esse segmento que os jornais, as novelas e toda a programação televisiva foram direcionados.

O filósofo político Sheldon Wolin no início da década passada já tinha constatado e advertido: “Nosso sistema de comunicação de massas bloqueia, elimina o que quer que proponha qualificação, ambiguidade ou diálogo, qualquer coisa que enfraqueça ou complique a sua criação, a sua completa capacidade de influenciar”.

Há um trecho interessante do livro “Geração em Transe” de Luiz Carlos Maciel, escrito em 1998, que diz: Hoje, as manifestações juvenis de nosso passado recente, depois de domadas, assimiladas e distorcidas pelo sistema, foram substituídas por um fetiche abstrato e bastante ridículo que é o jovem tal como é definido pelas agências de publicidade, delineado pelas pesquisas de opinião, incensado pela mídia, tomado por paradigma de eficiência empresarial (o tal do Yuppie) e, o que é pior de tudo, imposto como modelo aos ainda mais jovens, ou seja, nossas crianças. Esse “jovem” é o que, no meu tempo, chamávamos de alienado e, depois, de careta. Trata – se de uma domesticação dos instintos naturais da juventude em função dos interesses do sistema”.
 
Nesses tempos atuais é suficiente transitar nos shoppings e observar que essa geração juvenil da classe média tem uma forma de vestir única, com as adolescentes usando shorts jeans curto, cabelos esticados que se prolongam continuamente. Basta ir às festas e constatar que o ritmo é um só e as letras pouco se diferenciam umas das outras, sem falar nas coreografias treinadas e repetidas continuamente.

Essa é a sociedade do pensamento único, cujo conceito não pode ficar restrito à economia onde se segue os princípios da “cartilha” ou da “lição de casa”, nem na política com discursos e realizações que pouco diferem entre a esquerda e a direita.

Portanto, não se pode esperar que sejam esses movimentos de ruas, como o de junho de 2013, que farão mudar alguma coisa. 

Talvez quem melhor tenha compreendido essa situação de imobilismo e conservadorismo da classe média tenha sido Milton Santos que cantou a bola: “Os atores que vão mudar a história são os atores de baixo. Vão agir de baixo para cima. Os pobres em cada país, os países pobres dentro dos diversos continentes, os continentes pobres em face dos continentes ricos. De tal forma, não teremos uma revolução sincronizada: haverá explosões aqui e ali em momentos diferentes, mas que serão impossíveis de conter”.

Nesses dizeres Milton Santos antecipou o que viria a acontecer com as organizações sociais e sindicais que perderam seus poderes de mobilização coletiva ampla e solidária como na década de sessenta e setenta onde, por exemplo, um movimento da classe trabalhadora recebia apoio se solidariedade da classe estudantil, aumentando o poder de pressão sobre os grupos dominantes, e a consequente constatação da perda de relação com o poder estabelecido.

Essa falta de organização social parece ter sido a maior vitória da ditadura nas suas ações de desmobilização e quebra das organizações populares e do neoliberalismo quando Fukuyama repetiu a máxima “É o fim da história” como fim dos processos históricos caracterizados como processos de mudança.

O que Fukuyama pretendeu dizer foi que o capitalismo liberal e a democracia burguesa atingiria o ápice da evolução e que esse era o único caminho e solução final da humanidade. Contudo, esta ideologia não foi capaz de antecipar que essa acomodação nos levaria a um dos maiores períodos de estagnação da história e que a necessidade de se plasmar a história é uma das características principais da condição humana e da própria democracia na sua busca por melhorias. 

No entanto, os instrumentos de controle dos militares, do neoliberalismo e da mídia, apontados acima, se conseguiram fazer adormecer a classe média, esqueceram que parte importante dos processos evolutivos, a classe pobre, estaria acordando do longo pesadelo que lhe foi imposto, como antecipou o geógrafo Milton Santos.

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