segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Países que reduziram a maioridade penal não diminuíram a violência

Por Frei Betto

Nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se registrou redução da violência. A Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima.

O índice de reincidência em nossas prisões é de 70%. Não existe, no Brasil, política penitenciária, nem intenção do Estado de recuperar os detentos. Uma reforma prisional seria tão necessária e urgente quanto a reforma política. As delegacias funcionam como escola de ensino fundamental para o crime; os cadeiões, como ensino médio; as penitenciárias, como universidades.

O ingresso precoce de adolescentes em nosso sistema carcerário só faria aumentar o número de bandidos, pois tornaria muitos deles distantes de qualquer medida socioeducativa. Ficariam trancafiados como mortos-vivos, sujeitos à violência, inclusive sexual, das facções que reinam em nossas prisões.

Já no sistema socioeducativo, o índice de reincidência é de 20%, o que indica que 80% dos menores infratores são recuperados.

Nosso sistema prisional já não comporta mais presos. No Brasil, eles são, hoje, 500 mil, a quarta maior população carcerária do mundo. Perdemos apenas para os EUA (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (740 mil).

Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, e não a causa. Ninguém nasce delinquente ou criminoso. Um jovem ingressa no crime devido à falta de escolaridade, de afeto familiar, e por pressão consumista que o convence de que só terá seu valor reconhecido socialmente se portar determinados produtos de grife.

Enfim, o menor infrator é resultado do descaso do Estado, que não garante a tantas crianças creches e educação de qualidade; áreas de esporte, arte e lazer; e a seus pais trabalho decente ou uma renda mínima para que possam subsistir com dignidade em caso de desemprego.

Segundo o PNAD, o adolescente que opta pelo ensino médio, aliado ao curso técnico, ganha em média 12,5% a mais do que aquele que fez o ensino médio comum. No entanto, ainda são raros cursos técnicos no Brasil.

Hoje, os adolescentes entre 14 e 17 anos são responsáveis por consumir 6% das bebidas vendidas em todo o território nacional. A quem caberia fiscalizar? Por que se permite que atletas e artistas de renome façam propaganda de cerveja na TV e na internet? A de cigarro está proibida, como se o tabaco fosse mais nocivo à saúde que o álcool. Alguém já viu um motorista matar um pedestre por dirigir sob o efeito do fumo?

Pesquisas indicam que o primeiro gole de bebidas alcoólicas ocorre entre os 11 e os 13 anos. E que, nos últimos anos, o número de mortes de jovens cresceu 15 vezes mais do que o observado em outras faixas etárias. De 15 a 19 anos, a mortalidade aumentou 21,4%.

Portanto, não basta reduzir a maioridade penal e instalar UPPs em áreas consideradas violentas. O traficante não espera que seu filho seja bandido, e sim doutor. Por que, junto com a polícia pacificadora, não ingressam, nas áreas dominadas por bandidos, escolas, oficinas de música, teatro, literatura e praças de esportes?

Punidos deveriam ser aqueles que utilizam menores na prática de crimes. E eles costumam ser hóspedes do Estado que, cego, permite que dentro das cadeias as facções criminosas monitorem, por celulares, todo tipo de violência contra os cidadãos.

Que tal criminalizar o poder público por conivência com o crime organizado? Bem dizia o filósofo Carlito Maia: “O problema do menor é o maior.”

Artigo publicado originalmente em Pragmatismo Político

Um comentário:


  1. Bomba-relógio - Por Luiz Fernando Vianna

    A redução da maioridade penal é uma falácia fascista.

    Falácia porque nada resolve. Países que a adotaram não reduziram a criminalidade. Dois deles, Alemanha e Espanha, voltaram recentemente aos 18 anos como idade mínima.

    A Constituição brasileira prevê punição a partir dos 12. O adolescente vai para uma das instituições em que a medida socioeducativa mais praticada por agentes é a tortura.

    São presídios de menores, reservados a pobres. O "cidadão de bem" cujo filho comete uma infração suborna o policial ou contrata um bom advogado. Diz que o menino merece uma segunda chance e não permite que ele durma num abrigo. Não se deseja aos outros o que não se quer aos seus.

    O Brasil é o quarto país em população carcerária, atrás de EUA, China e Rússia. São 550 mil pessoas, mais do que o triplo do que havia duas décadas atrás. Quase 200 mil são presos provisórios, não deveriam estar na cadeia. Alguém aí está se sentindo mais seguro com tanto encarceramento?

    No filme "Sem Pena", em cartaz, mostram-se presidiários andando em círculos num pátio. Não há projetos para eles. Os próprios agentes penitenciários os obrigam a se vincular a alguma facção criminosa. Assim, além de advogado, têm dinheiro para corromper os mesmos agentes. Quando saem, pagam em crimes suas dívidas --70% voltam para a cadeia.

    O PCC e o Comando Vermelho nasceram dentro das prisões, não fora.

    A superlotação não é casual, mas econômica: com mais gente num mesmo espaço, gasta-se menos --um preso custa entre R$ 1.300 e R$ 1.500 mensais ao Estado. É o mesmo princípio das senzalas e dos campos de concentração.

    A ampliação do encarceramento é fascista porque vê os presos como se viam os escravos e, no nazismo, os judeus: não são gente. Ao ódio, a resposta será sempre mais

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