quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O solo fértil para os bate-paus da mídia

por Wagner Iglecias*

O atual processo eleitoral, nas ruas e nas redes, tem sido revelador de pérolas impressionantes.

Nada que seja assim tão novo para quem circula no seio da classe média tradicional do nosso país. O que chama atenção é a quantidade com que bobagens são ditas e viralizadas com a ajuda dos meios eletrônicos.

Não gostaria de aborrecer vocês com exemplos que todo mundo já tá careca de escutar: “um novo governo Dilma será a porta para uma ditadura comunista no Brasil”, “nordestino não sabe votar”, “Bolsa Família sustenta vabagundo”, “o PT aparelhou o Estado brasileiro mas com a oposição o que vale é a meritocracia”, “política não presta e governo só atrapalha” etc, etc, etc.

Boa parte deste discurso, como sabemos, é fruto de sugestionamento da opinião pública por parte de certos veículos midiáticos que enxergam no petismo uma ameaça ao atual modelo de negócios relativos ao setor de imprensa no Brasil.

Eis ai os bate-paus de certa mídia a martelar diariamente, há anos, certos mantras que, para desgosto do PT, encontraram abrigo sólido e duradouro em parcela significativa da sociedade.

Mas somente a leitura que certa mídia faz e propaga não é explicação suficiente para a difusão e a forte penetração do fenômeno.

Fato é que a grande maioria dos brasileiros, nas mais variadas classes sociais, tem parcos conhecimentos de política.

Não me refiro a política partidária, mas sim a informações básicas sobre o funcionamento do Estado, suas divisões organizacionais internas e as atribuições que competem a cada ente, como a União, os estados e os municípios.

O brasileiro, em geral, não tem noções básicas de direitos e de cidadania.

O discurso fácil de criminalização da política ou de certos partidos políticos encontra, nesta condição, uma enorme avenida para sua propagação.

Provavelmente nos países nórdicos certos bate-paus da nossa imprensa jamais conseguiriam emprego na área.

Agora, vamos e convenhamos, o petismo tem parte de culpa nisso ai também: não politizou a ascensão social de milhões de pessoas observada nos governos Lula e Dilma.

A sociedade brasileira hoje está atravessada por uma lógica escrota que toma a cidadania pelo consumo.

Que não nos deixem mentir as manifestações de junho, que se pediam saúde, educação e transporte de qualidade, tinham por referência os serviços privados oferecidos nestas áreas, sintetizados na lógica do “padrão FIFA”.

Que, como está impregnado no imaginário coletivo, refere-se a um tipo de gestão da infraestrutura e dos serviços compartilhada entre Estado e setor privado e coroada pelo marketing.

O Brasil da tal “nova classe média”, esse Brasil dos rolezinhos, do sertanejo universitário, dos pagodões e dos arrochas, do churrasco, da cerveja, e sobretudo da ostentação, em certa medida repete a fixação pelo consumo e a indigência cidadã da classe média tradicional em sua eterna necessidade de comprar bugigangas em Miami para sentir-se então diferenciada assim que pisa de volta em nossos aeroportos.

E desta forma, hipoteticamente mais próxima dos AAA, dos realmente ricos.

Uma indigência marcada pelo individualismo, pelo privatismo e pela ideia de que o Estado só atrapalha.

Nada tão diferente do que pode estar ocorrendo no imaginário dos ex-miseráveis, agora remedidados, da nova classe média.

Que ao que parece podem estar cada vez mais convencidos de que melhoraram de vida nos últimos dez ou doze anos única e tão somente pelo esforço próprio, de cada indivíduo.

E que isso nada teve que ver com as condições da economia e ou com as políticas públicas.

Numa palavra: pelo mérito.

Enfim, fechou-se o círculo. O pobre pensando como a classe média tradicional.

A volta da teoria da pedra no lago e um terreno férfil e amplo para a propagação do discurso superificial e equivocado que temos visto nesta eleição nas ruas e nas redes.

Em termos práticos, para fins de cálculo eleitoral: agora está aí parte do povo pobre achando que já não sobe mais na vida como antes por causa da “roubalheira do PT”. E ai? Como o PT, Dilma e Lula vão sair dessa?

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

http://www.viomundo.com.br/denuncias/wagner-iglecias-bate-paus-da-midia-plantam-pensamento-indigente-terreno-fertil-da-despolitizacao.html

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