por Wagner Iglecias*
O atual processo eleitoral, nas ruas e nas redes, tem sido revelador de pérolas impressionantes.
Nada que seja assim tão novo para quem circula no seio da classe
média tradicional do nosso país. O que chama atenção é a quantidade com
que bobagens são ditas e viralizadas com a ajuda dos meios eletrônicos.
Não gostaria de aborrecer vocês com exemplos que todo mundo já tá
careca de escutar: “um novo governo Dilma será a porta para uma ditadura
comunista no Brasil”, “nordestino não sabe votar”, “Bolsa Família
sustenta vabagundo”, “o PT aparelhou o Estado brasileiro mas com a
oposição o que vale é a meritocracia”, “política não presta e governo só
atrapalha” etc, etc, etc.
Boa parte deste discurso, como sabemos, é fruto de sugestionamento da
opinião pública por parte de certos veículos midiáticos que enxergam no
petismo uma ameaça ao atual modelo de negócios relativos ao setor de
imprensa no Brasil.
Eis ai os bate-paus de certa mídia a martelar diariamente, há anos,
certos mantras que, para desgosto do PT, encontraram abrigo sólido e
duradouro em parcela significativa da sociedade.
Mas somente a leitura que certa mídia faz e propaga não é explicação suficiente para a difusão e a forte penetração do fenômeno.
Fato é que a grande maioria dos brasileiros, nas mais variadas classes sociais, tem parcos conhecimentos de política.
Não me refiro a política partidária, mas sim a informações básicas
sobre o funcionamento do Estado, suas divisões organizacionais internas e
as atribuições que competem a cada ente, como a União, os estados e os
municípios.
O brasileiro, em geral, não tem noções básicas de direitos e de cidadania.
O discurso fácil de criminalização da política ou de certos partidos
políticos encontra, nesta condição, uma enorme avenida para sua
propagação.
Provavelmente nos países nórdicos certos bate-paus da nossa imprensa jamais conseguiriam emprego na área.
Agora, vamos e convenhamos, o petismo tem parte de culpa nisso ai
também: não politizou a ascensão social de milhões de pessoas observada
nos governos Lula e Dilma.
A sociedade brasileira hoje está atravessada por uma lógica escrota que toma a cidadania pelo consumo.
Que não nos deixem mentir as manifestações de junho, que se pediam
saúde, educação e transporte de qualidade, tinham por referência os
serviços privados oferecidos nestas áreas, sintetizados na lógica do
“padrão FIFA”.
Que, como está impregnado no imaginário coletivo, refere-se a um tipo
de gestão da infraestrutura e dos serviços compartilhada entre Estado e
setor privado e coroada pelo marketing.
O Brasil da tal “nova classe média”, esse Brasil dos rolezinhos, do
sertanejo universitário, dos pagodões e dos arrochas, do churrasco, da
cerveja, e sobretudo da ostentação, em certa medida repete a fixação
pelo consumo e a indigência cidadã da classe média tradicional em sua
eterna necessidade de comprar bugigangas em Miami para sentir-se então
diferenciada assim que pisa de volta em nossos aeroportos.
E desta forma, hipoteticamente mais próxima dos AAA, dos realmente ricos.
Uma indigência marcada pelo individualismo, pelo privatismo e pela ideia de que o Estado só atrapalha.
Nada tão diferente do que pode estar ocorrendo no imaginário dos ex-miseráveis, agora remedidados, da nova classe média.
Que ao que parece podem estar cada vez mais convencidos de que
melhoraram de vida nos últimos dez ou doze anos única e tão somente pelo
esforço próprio, de cada indivíduo.
E que isso nada teve que ver com as condições da economia e ou com as políticas públicas.
Numa palavra: pelo mérito.
Enfim, fechou-se o círculo. O pobre pensando como a classe média tradicional.
A volta da teoria da pedra no lago e um terreno férfil e amplo para a
propagação do discurso superificial e equivocado que temos visto nesta
eleição nas ruas e nas redes.
Em termos práticos, para fins de cálculo eleitoral: agora está aí
parte do povo pobre achando que já não sobe mais na vida como antes por
causa da “roubalheira do PT”. E ai? Como o PT, Dilma e Lula vão sair
dessa?
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
http://www.viomundo.com.br/denuncias/wagner-iglecias-bate-paus-da-midia-plantam-pensamento-indigente-terreno-fertil-da-despolitizacao.html
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