sábado, 9 de agosto de 2014

Quando pais e professores eram pequenos tiranos

Mitos autoritários ou a educação pelo medo.

– Antigamente era muito melhor.

Quase sempre que alguém fala assim está com saudade de algo que não existiu. Um dos mitos mais persistentes afirma que antigamente a educação era melhor. Esse mito sustenta que os alunos respeitavam mais os professores, aprendiam mais e saiam prontos para a vida. Outra vertente desse mesmo mito diz que a relação entre pais e filhos eram mais amorosa, mais respeitosa e mais saudável. Conversa fiada. Nostalgia incompatível com a realidade. Antes de 1968 – data em que jovens se rebelaram em vários lugares do mundo, a começar por Paris, contra o autoritarismo nas relações cotidianas –, a educação no Brasil era péssima. Em 1964, quando Jango foi derrubado do poder por propor reformas de base altamente necessárias, tínhamos 40 milhões de analfabetos. Não era o respeito que imperava em tudo, mas o medo.

O pai era o chefe da família. Batia nos filhos e mandava na mulher. O marido traído matava a infiel e era absolvido pela justiça por ter defendido a sua honra. O esposo traidor não era incomodado. Nas escolas, os professores humilhavam moralmente os alunos ou aplicavam castigos físicos como ficar de joelho em grão de milho, tampinha de garrafa ou ficar de cara para a parede atrás da porta. Eu vi isso em vários colégios. Eu sofri isso. Muito fui para trás da porta. Vi muito colega ser insultado. Lembro de um menino, o Canifa, pobre, sem concentração, mais preocupado com a carroça do pai.
– Guri burro – dizia o professor quando ele errava a resposta.

Os pais batiam nos filhos de cinta ou com o que tivessem à mão. O ensino era baseado na decoreba. Era preciso saber de cor a lista dos imperadores romanos e dos afluentes do Amazonas. Quem se lembra? Para que servia mesmo? Para a implantação de um sistema de hierarquia social, uma sociedade dividida entre os que tinham lido “A pata da gazela” ou sabiam quem escreveu esse livro e os que o ignoravam. Nada mais do que um artifício de classificação e de distinção social. A repressão predominava. Era uma glória saber que o filho homem já não era virgem aos 15 anos de idade, iniciado por alguma prostituta. Era infamante que a filha mulher transasse com o namorado. Dava expulsão de casa, surra, ameaças de morte, estigma, desonra. Era preciso mentir, esconder, trapacear. O moralismo apodrecia as famílias, que viviam atoladas na hipocrisia.
Os filhos gays viviam no pavor, na discriminação e no armário.

O pai e o professor eram pequenos tiranos. Deviam ser chamados de senhor ou senhora. Era preciso levantar quando o professor entrava na sala. Cantava-se o hino nacional em posição de sentido. As escolas eram pequenos quartéis. Não se ensinava o respeito, mas a obediência cega. Sempre que podiam, obviamente, os alunos desrespeitavam, rebelavam-se e insurgiam-se contra o engessamento das relações. Em 1971, em três escolas de certo lugar, alunos defecaram em cima da mesa da professora. As punições severas só resolviam aparentemente os problemas. As rebeliões de 1968 foram liberadoras de quase tudo. Surgiu um mundo mais complexo. Agora é preciso ganhar o respeito do filho e do aluno. Antes, era possível impô-lo pela força. Acabou.

A educação pelo medo não emplaca mais. Os defensores da pedagogia da repressão lamentam.
Vão ficar na lamentação. O tempo não volta atrás.

Por Juremir Machado
http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=6264

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