As
manifestações recentes surpreenderam a muitos, especialmente à classe
política, mas os seus contornos já podiam ser observados fora e dentro
do Brasil havia tempos.
Os analistas tentaram entender o que estava ocorrendo fazendo um
paralelo com outras grandes manifestações que estão ocorrendo mundo
afora. Esse foco serve para indicar que a população mundial vem reagindo
contra um sistema que lhe tira direitos, que concentra a renda, e
contra a representação política que não mais garante as mínimas funções
prometidas pelas bandeiras da democracia e do capitalismo, basicamente
liberdade e pujança para todos.
As análises deixaram de observar que aqui mesmo no Brasil sempre
houve manifestações de grandes proporções como as greves de professores,
bombeiros, policiais, manifestações das mais variadas como a dos
direitos a homossexuais, aborto, uso da maconha.
Por serem demandas não difusas e de interesses mais específicos
elas não ganharam a magnitude e expansão destas que ocorreram nas
últimas semanas.
E, como as insatisfações não atingiam a um grupamento maior
ficou-se a ideia de que estávamos dentro de uma normalidade política,
quando na realidade aumentava gradativamente a sensação de que estamos
sendo sub-representados pelos políticos que elegemos.
A ideia de que não somos um povo acomodado, que não luta pelos
seus direitos, é mais um folclore criado pela nossa elite para diminuir a
proporção, ou, justificar as repressões violentas que os movimentos
sempre sofreram.
Um povo que, apenas para ficar em acontecimentos mais recentes,
vai às ruas com a quantidade observada na campanha para as diretas já e o
impeachment de Collor, e as campanhas e manifestações citadas
anteriormente, não pode ser considerado um povo leniente.
O que há de diferente é que há uma consciência cada vez mais
clara do esgotamento do modelo de democracia, do capitalismo e a sua má
distribuição de renda, e da falência do modelo de representação que
passou a atender parcelas bem mais restritas da sociedade.
Faliu também a ideia de que a grande imprensa poderia falar em
nome da população, fiscalizando as ações dos governos em proveito da
população. A tão propagandeada ação fiscalizadora da grande mídia
naufragou a partir da forma parcial com que exerce essa função, bem como
a dos grandes escândalos que envolveram grandes veículos no estrangeiro
e aqui pelo Brasil.
A tentativa, que se mostrou frustrada, da grande mídia em se
apropriar dos movimentos se deu em duas frentes já delineadas nos
parágrafos anteriores. Primeiro para defender os interesses de um setor
mais específico e que ela representa, segundo a constatação da
resistência e reações que os manifestantes realizaram contra esta grande
imprensa. Daí, a nítida mudança de lado, onde inicialmente criticou
veementemente os movimentos, e posteriormente passou a apoiá-lo.
O movimento já começou com grande proporção, mais ainda assim bem
menor do que as passeatas pela causa gay da avenida paulista. Essas
mereceram uma pequena cobertura da grande mídia.
O que ocorreu com as recentes manifestações foi que logo nos seus
primeiros dias, e por se tratar de uma reivindicação que atingia o
executivo municipal e estadual, - o aumento das passagens - estes entes
de representação reagiram mais prontamente ambos negando qualquer
diálogo ao afirmarem que não reestudariam o reajuste, e o executivo
estadual mandando as suas tropas para reprimirem com conhecida violência
o movimento.
O movimento ganhou a imensa magnitude porque a imprensa que
inicialmente pretendia cobrir na mesma intensidade com que cobria os
outros movimentos da Paulista, foi alvejada, ela mesma defensora da
violência repressiva das nossas polícias, tiveram repórteres alvejados,
uma jornalista foi atingida no olho, as imagens transitaram com mais
volume e apelo na rede internet e na grande mídia.
Esses acontecimentos tornaram impossível o recuo, ou mesmo a
minimização da cobertura, e a partir daí é que tentaram tirar vantagem
dizendo apoiar o movimento, e tentando direcioná-lo contra o governo
federal, quando as demandas principais do movimento são mais claramente
contra serviços públicos municipais e estaduais, como transportes,
educação fundamental e saúde.
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