Por Júlio José Chiavenato
A globalização não surgiu do nada. É a consequência de um
processo de expansão capitalista beneficiado pelo fim do socialismo soviético.
Mais do que o fim soviético, o capitalismo triunfante beneficiou-se do desgaste
das ideologias e da substituição das utopias pelo consumismo.
A derrota dos processos ideológicos ou utópicos não
aconteceu pelo debate de ideias ou por uma opção da maioria. É uma sequência de
várias etapas históricas em que os valores humanos foram, aos poucos, mas
inexoravelmente, substituídos pelo pragmatismo político e econômico.
Como sabemos, não se faz história ou política em torna da
palavra “se”. Mas é preciso lembrar que
“se” não fosse o oportunismo e o fascínio pelo poder político o Brasil não
entraria neste período globalizante em tão precárias condições. Os nossos
indicadores sociais e econômicos são péssimos em relação ao nosso potencial. Hoje,
nem se pode repetir, como no tempo da ditadura militar, as palavras do General
Médici: “o país vai bem, mas o povo vai mal”.
Mesmo sem avaliar a conduta política dos responsáveis,
podemos verificar que a partir de 1955 o Brasil se curvou a uma das mais
agressivas investidas do capital estrangeiro, abalando a nossa infraestrutura
de transportes em favor dos investimentos multinacionais.
Até 1950, o principal meio de transporte no Brasil eram as
ferrovias.
Esse período, cinco anos depois da segunda guerra mundial, é
marcado pelo começo da guerra fria, quando Estados Unidos e União Soviética
disputavam a hegemonia entre os países do mundo.
Caracteriza-se, também, pela
recuperação da economia norte-americana e a retomada dos seus investimentos na América Latina, explorando inclusive “bens de capital”, na forma de maquinaria
obsoleta, Recuperando-se internamente, o capitalismo norte-americano criou
novas tecnologias sem o ônus de perder as velhas, que foram exportadas para o
Terceiro Mundo.
Trata-se de um processo “maquiavélico”: ao exportar velhas
fábricas, os Estados Unidos “modernizaram” os países do Terceiro Mundo, aumentando o poder aquisitivo daqueles
que consumiam suas exportações. Ao mesmo tempo, esses países, como o Brasil,
fabricavam produtos inferiores e mais caros que os Estados Unidos; portanto,
não significavam risco de concorrência no mercado internacional. No caso
brasileiro, um exemplo foram as máquinas enviadas para fabricar o Aero Willys e
o Jeep, entre outros veículos, que representavam o que havia de mais obsoleto na indústria automobilística
norte-americana.
O Brasil, que historicamente sempre caminhou a reboque do
capital estrangeiro – inglês até 1930, norte-americano depois -, começava a
viver uma grande febre de progresso em 1955. Eram os tempos de progredir “50 anos em 5”, como prometia o presidente
Juscelino Kubitschek. Na época, um dos grandes símbolos do progresso era o
automóvel: para ser um país progressista, o Brasil precisava ter uma indústria
“nacional” de veículos.
A implantação da indústria automobilística no nosso país
resultou na importação de fábricas obsoletas, em desuso na Alemanha, França,
Itália e Estados Unidos.
O governo abandonou as ferrovias, que entraram em decadência, e construiu estradas asfaltadas, por onde deveria trafegar a nossa frota.
O governo abandonou as ferrovias, que entraram em decadência, e construiu estradas asfaltadas, por onde deveria trafegar a nossa frota.
Como se sabe, o transporte ferroviário é o mais barato do
mundo. O rodoviário, o mais caro. Além disso,
a construção de estradas asfaltadas implicava, posteriormente, o uso de
petróleo, que não tínhamos. Os automóveis exigiam gasolina. Para construir
estradas e abastecer veículos, aumentamos as importações de petróleo. Enquanto
isso, a rede ferroviária era abandonada. Em consequência o transporte de cargas
passou a ser feito por caminhões. O preço do frete subiu, a dívida externa
aumentou; o balanço do comércio exterior passou a ser negativo, pelas
crescentes importações de petróleo.
As complicações – que tiveram reflexos no futuro – não
paravam aí. Os navios petroleiros que por aqui chagavam não podiam voltar
vazios aos seus portos. Por uma série de contratos internacionais, o lastro
para esses navios era fornecido pelo
Brasil: em gasolina. Mas como o preço internacional da gasolina era mais baixo
que o praticado no Brasil, “exportávamos” gasolina para os países produtores de
petróleo e a um preço menor do que o pago pelos brasileiros.
No processo há outras “peças” importantes. Por exemplo, as
fábricas instaladas no Brasil eram “montadoras”. As suas velhas máquinas
entraram no país sem pagar impostos. As
fábricas foram construídas com financiamentos e isenções fiscais. Os lucros obtidos pelas multinacionais do
setor foram desproporcionalmente maiores do que o capital investido. A maior
parte desses lucros era remetida para os países de origem.
Texto extraído do livro:
“Ética globalizada & Sociedade de consumo”
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