Você se tortura e se culpa por tudo? Você precisa do “efeito do lago Wobegon”
de Silvia López Rivas, brasil.elpais.com
11 de Março de 2020 17:39
O escritor uruguaio Eduardo Galeano dizia que “somos o que fazemos para mudar quem somos”.
Em um mundo que tira tanto proveito (econômico, por exemplo) de que nos odiemos a nós mesmos, a ideia de sermos mais amáveis em nosso diálogo interior tem algo de subversivo.
Para alcançar esse “eu ideal” e essa vida perfeita que nunca parecemos capturar, tendemos a nos criticar com dureza, a nos culpar quando algo dá errado ou a experimentar sentimentos de vergonha ou medo.
A doutora Kristin Neff, professora de Psicologia Educacional da Universidade do Texas, dirigiu mais de 40 dessas pesquisas. É a grande precursora da autocompaixão, o conceito psicológico viral destes tempos como a autoestima ou o empoderamento o foram há pouco tempo.
“Optar por tratarmos nós mesmos de uma maneira amável e não depreciativa é muito pragmático.
Não temos muito controle sobre muitas de nossas condições pessoais (a personalidade com que nascemos, nossa constituição corporal, nossa saúde, a boa ou a má sorte etc.),
mas podemos aprender a sermos amáveis conosco quando enfrentamos nossas limitações e sofreremos menos por elas”, explica em Autocompaixão – Pare de Se Torturar e Deixe a Insegurança Para Trás (Lúcida Letra, 2017).
(...) E se o nosso melhor amigo chorar porque a parceira o deixou, diríamos ‘você é péssimo e não me surpreende’? Ou lhe daríamos palavras de encorajamento? Obviamente a segunda, porque estão sofrendo e queremos confortá-los”,
Mas, curiosamente, se algo der errado para nós, nos torturamos e criticamos, Se dar afeto e não criticar é razoável a amigos, por que não fazemos a mesma coisa conosco? Esse é o princípio da autocompaixão,
Compadecer (compaixão) (do latim, “sofrer com”) implica “reconhecer o sofrimento de outros; também sentir bondade em relação a eles e o desejo de ajudá-los a aliviar esse sofrimento e, finalmente, significa reconhecer que o ser humano é imperfeito e frágil.
Compadecer-se dos outros é tão importante quanto fazê-lo conosco,
Esta nova abordagem das nossas próprias necessidades e limitações é mais revolucionária do que parece, pois no Ocidente se transmite que o que vale é ser o melhor, o que gera paradoxos psicológicos.
Não faz sentido nos torturarmos por sermos humanos e, portanto, imperfeitos e carentes de verdadeiro controle sobre os aspectos importantes da vida.
E, no entanto, nos culpamos quando não conseguimos alcançar a excelência e nos aferramos à autocrítica, “mesmo quando várias pesquisas mostraram que está relacionada à depressão, à ansiedade, à insatisfação com a vida e, em casos extremos, ao suicídio”.
Como desarmar o abusador interno
Mayte Navarro Gil, professora e pesquisadora do Departamento de Psicologia e Sociologia da Universidade de Zaragoza, acrescenta que “os estudos científicos confirmam que pessoas autoexigentes têm muito mais ansiedade quando realizam qualquer atividade: se não obtêm sucesso, consideram que é um fracasso e não tentam novamente.
Por exemplo, alguém que faz dieta durante três meses e uma noite sai dela, se for muito exigente, encarará isso como uma falha imperdoável e se torturará, considerará que nada do que fez vale a pena e abandonará o regime. Por outro lado, se for uma pessoa autocompassiva, se congratulará por ter feito o regime durante três meses, assumirá que uma recaída é humana e considerará que pode voltar a fazer regime por mais três meses, pois já conseguiu fazê-lo.
Cultivar a autocompaixão
Para Neff, transformar a autocrítica em autocompaixão implica trabalhar três aspectos intimamente relacionados:
1- a bondade para consigo mesmo (mudar a crítica pela compreensão, como faríamos com um amigo),
2 - nos sentirmos conectados com os outros (reconhecer que o sofrimento e a imperfeição se apresentam, embora de maneiras diferentes, a todos os seres humanos),
3 - viver nossa existência com atenção plena (estar no aqui e no agora e não evitar a dor, mas tampouco amplificá-la).
Por isso é habitual que muitos programas intensivos de mindfulness também sejam de compaixão, em relação a si e aos outros:
“Estas qualidades permitem uma maior conexão conosco, menos expectativas e maior aceitação e flexibilidade psicológica, que são as bases da felicidade”, explica Mayte Navarro Gil.
A doutora Neff incluiu vários exercícios para mudar o monólogo interior, como escrever a si mesmo a carta que te escreveria um amigo que te aprecia e valoriza suas qualidades atuais, perdoa teus defeitos e está consciente das dificuldades que enfrentou.
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