Ao Brasil de Fato, o senador e ex-delegado de polícia, Fabiano Contarato, do partido Rede Sustentabilidade, fez um balanço do primeiro ano no parlamento, falou sobre segurança pública, desigualdade, o desmonte do Estado, entre outros assuntos.
Confira trechos da entrevista:
Brasil de Fato: Como o senhor avalia seu primeiro ano de parlamento? Foi um ano de mais vitórias ou derrotas?
Fabiano Contarato: Eu vejo que esta casa de leis é uma casa de vaidades. Eu lembro que, quando eu assumi, no ano passado, em 2 de fevereiro, me assustou quando eu verifiquei que existem elevadores privativos para senador. Eu falava: ‘Meu Deus, mas aqui nós não representamos o povo? Aqui não é casa da população brasileira? O que me faz diferente de qualquer pessoa que aqui vem, no Senado Federal?'. (...)
Aqui, se criminaliza a pobreza. Lá fora, o Estado também criminaliza a pobreza. Eu não canso de falar que eu fui usado pelo Estado por 27 anos para agir de forma contundente contra pobres, afrodescendentes e semianalfabetos. Porque, se você traçar o perfil socioeconômico de quem está preso, é esse o perfil. Os crimes que maior prejuízo ocasionam para a população brasileira são crimes praticados por políticos, crimes praticados por funcionários públicos, crimes de sonegação fiscal, os crimes contra a ordem tributária, contra o sistema financeiro. Se você perguntar, em qualquer sistema prisional, qual é o perfil de pessoas presas, por exemplo, por corrupção ativa, por corrupção passiva, por concussão, por peculato, é nada em relação à grande massa.
Eu não estou fazendo apologia ao crime, mas quando você pratica um furto aqui, você tem uma vítima determinada. Agora, quando o governo do Estado desvia verba da saúde, ele está matando milhões de pessoas. Quando um político desvia verba da educação, ele está matando o sonho de milhões de jovens.
Então, eu cheguei aqui e o primeiro dia já foi uma grande decepção para mim. Após essa primeira semana, eu comecei a presenciar a violação de muitos direitos, vindos, infelizmente, pelo Executivo. E aí a gente tem que ter uma defesa do verdadeiro Estado Democrático de Direito. Porque todo poder emana do povo, e é exercido pelos seus representantes legitimamente eleitos. A espinha dorsal de uma democracia é a Constituição Federal.
O governo baixou oito decretos para mudar o Estatuto do Desarmamento no ano passado, anos depois de nenhuma alteração nessa lei. Além disso, dois projetos de lei com a mesma intenção tramitam no Congresso. Como o senhor vê a tentativa do Executivo de flexibilizar o acesso a armas?
(...)
Eu acho lamentável o governo tentar modificar uma lei federal, que foi o Estatuto do Desarmamento, com decreto. Isso está ferindo a Constituição Federal. Não se combate a violência armando a população, porque você está difundindo a cultura de violência, de fazer justiça pelas próprias mãos. Isso foi banido quando, pela democracia, o estado avocou para si essa persecutio criminis, esse direito de sair atrás de quem cometeu qualquer crime ou contravenção penal.
Você reduz a criminalidade e, consequentemente a violência, dando saúde pública de qualidade, que já é uma garantia constitucional, educação pública de qualidade, gerando emprego e renda, você tendo os bolsões de pobreza, mas com iluminação pública – que, infelizmente, não é todos os bairros que nós temos -, com água, com saneamento básico, com água tratada, incentivando a cultura e o esporte. É um conjunto de fatores, de forma interdisciplinar, que faz com que nós tenhamos uma segurança pública de qualidade.
Mas eu vejo que essa ação foi orquestrada de forma pensada para haver um desmonte em várias áreas. É tudo uma coisa muito bem concatenada, uma coisa orquestrada: arma a população, desmantela o meio ambiente, aumenta o número de queimadas, aumenta o número de desmatamento, dizima a população indígena, os povos originários, autoriza extração de minério em terras indígenas.
Observando todo esse desmonte, qual seria a intenção, na sua visão, do governo? É uma intenção puramente econômica? Por que desmontar tanto?
É uma intenção não inteligente. Por exemplo, na área do meio ambiente, a China já esteve aqui e falou: nós acreditamos em uma economia verde. Não adianta o Brasil autorizar a proliferação de agrotóxicos, não adianta estar desmatando, se o mundo está preocupado. O mundo está preocupado com o que está acontecendo com o Brasil. O próprio agronegócio responsável está preocupado. Não adianta você produzir se você não tem para quem vender.
Isso me assusta. E eu ouso falar uma coisa: hoje, eu vejo que a gente vive uma ditadura em plena democracia. Se você parar para fazer um perfil de quem está ocupando as principais pastas, no próprio Palácio do Planalto, são os militares. Não estou generalizando o que os militares A, B ou C são. Eu acho que a gente tem que valorizar o mérito pela pasta.
A meritocracia não faz parte desse governo. Esse governo, definitivamente, não é um governo dos pobres. Esse governo é um governo dos banqueiros, dos empresários e do fortalecimento dos próprios cofres públicos. Nós temos que lutar para que não haja mais retrocesso.
(...)
Eu fico triste quando as pessoas criticam, por exemplo, o sistema de cotas. O pobre filho de uma doméstica, de um lavador de carro, de um pedreiro, que sonha em fazer um curso de Medicina em uma universidade federal. Porque, se não for o sistema de cotas, ele não entra. A concorrência é desleal. Os filhos de camadas economicamente favorecidas, você põe ele na melhor escola de tempo integral, paga um curso de línguas, põe para fazer um intercâmbio fora. Quando ele vai fazer um Enem, a concorrência é desleal.
É tudo muito maquiavélico no sentido ruim da palavra. Eles [o governo] sucateiam a escola pública, principalmente o ensino fundamental e médio, para não oportunizar. Você vê que o nível das universidades e institutos federais são excelentes. Mas quem entra, se não for o sistema de cotas?
Como pode você ter um governo que chama todos os funcionários públicos de parasita? É parasita aquela auxiliar de enfermagem que está limpando as necessidades daquele seu parente que está lá no hospital público? É parasita o policial que está botando em risco a sua vida? Chamar de parasita aquele professor que vai dar formação para o seu filho?
Quem é parasita nessa relação? Parasita é o governo, parasita são os banqueiros, parasita são os empresários. Esses são os parasitas.
Vivemos em um de extremismos políticos. Como navegar entre os lados?
Eu acho que quem perde é a população, enfraquece a política. O extremo é muito ruim. Nós temos que ter o bom senso, o equilíbrio, a serenidade. O que vier de coisa boa desse governo, vai ter em mim um aliado, não tenha dúvidas. Eu fico triste quando falam que você é de esquerda ou de direita. Eu não sou de nada disso. Eu fui eleito para defender a Constituição Federal, para defender os direitos individuais, que estão no artigo 5º, os direitos sociais e os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Eu fui eleito para fiscalizar o Executivo. Não é questão de direita e esquerda.
Nós temos que ter uma forma centrada, coerente. Às vezes o bom é excelente. Eu não posso ter o excelente, vou me contentar com o bom. Porque, se eu ficar no extremismo, não vou ter nem o excelente e nem nada.
Eu amo ser delegado e amo ser professor. Eu estou como senador. Isso tudo passa. E aí me vem à mente aquilo que Martin Luther King diz, que o que mais assusta não é a ousadia dos ruins, mas a omissão dos bons.
Nós temos muitas pessoas boas no Brasil. Mas nós não podemos ser omissos. Se eu puder falar para todas as pessoas se filiarem a um partido político, a movimentos sociais, nas comunidades de base, nas pastorais de suas igrejas, independentemente de religião, ser mais participativo, o homem é um ser social. É isso que eu clamo. Quem sabe um dia nós teremos um verdadeiro Estado Democrático de Direito.
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