quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Violência no Brasil, Antônio Risério

O problema é que não dá pra colocar a sujeira debaixo do tapete porque a sujeira é muito maior do que o tapete.

Eu também acho isso, e cada vez maior, né? 
E vai ser sempre maior se continuar do jeito que está. As pessoas falam da violência urbana, por exemplo, e se protegem nos condomínios. Violência urbana não tem nada a ver com pobreza, apenas. Em nossa adolescência, nós vivemos numa cidade pobre, mas que tinha trato urbano, civilidade, uma cidade que não tinha violência. A violência não é fruto da pobreza. Ela é fruto da desigualdade extrema, quando o povo é escorraçado. Quanto mais as desigualdades se acentuam, mais violência elas produzem. O medo que as pessoas sentem do espaço urbano é o medo que elas sentem de um espaço urbano que foi criado por elas. Foi criado pela estupidez e a ganância da elite. Ela criou uma situação em que ela foi expulsa das calçadas. E agora, para poder andar nas calçadas, ela tem que expulsar os pobres dali. Porque os pobres ocuparam o espaço urbano. E não há alternativa. O cara vai batalhar dinheiro é na sinaleira mesmo. E não adianta vir com bolsinha compensatória de 100 reais. Porque, se você batalha dinheiro numa sinaleira, ganha mais do que isso por mês. Os pobres, impedidos de desfrutar as belezas e os benefícios que a cidade tem e produz, eles vão tomar isso. Você tem hoje uma situação de "barrados no baile". Grande parte da população está barrada no baile. A classe média, regra geral, aceita ser barrada no baile, limita-se a um muxoxo dentro de casa, a uma tristeza. É uma resignação amargurada e silenciosa. Os mais pobres, não. Muitos deles não estão a fim de ficarem barrados no baile e não vão ficar resignados ou calados como a classe média. Eles vão sujar o baile. O Bauman viu isso. Porque lá dentro está rolando uma puta festa, com salgadinho, champanhe. E, ainda mais, com uma ideologia dominante muito cruel de que o êxito é o consumo. Hoje, quando você não tem dinheiro para participar do baile, isso não quer dizer só que você não tem dinheiro. Quer dizer que você fracassou como indivíduo, desde que o ser humano se realiza no consumo. A gente vive hoje numa sociedade em que o que se incrementa é a competitividade. As pessoas têm que estar preparadas para competir no mercado. Mas competir para quê? É a competição pela competição, é o êxito pessoal, é ter acesso ao baile. Agora, muito pouca gente tem acesso ao baile. E, enquanto a classe média vai ficar se lamentando, fazendo grevezinhas ocasionais, os outros vão como na música de Cazuza: "meu cartão de crédito é a navalha".

Antônio Risério, poeta e antropólogo
entrevista a Mário Kertész (Revista Metrópole, n. 17, novembro 2008)
Reprodução de "Terra Magazine"

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