terça-feira, 9 de janeiro de 2018

TV a serviço da tecnologia do racismo

Os meios de comunicação, todos eles, têm sido braço direito e esquerdo na propagação das tecnologias da estrutura racista. Isso é uma verdade que se pode comprovar com absoluta facilidade em todos os veículos de comunicação disponíveis, em especial a televisão.

O poderoso e influente jornalista Assis Chateaubriand foi o responsável pela primeira transmissão televisiva no Brasil, em 18 de setembro de 1950, pela TV Tupi.

O país seguia pouco mais de meio século de pós-abolição. Uma pós-abolição que ora tentava se livrar das sobras humanas, cuja exploração explícita já não era mais permitida pela lei, ora se valia da fragilidade dessas sobras vivas para prosseguir com os acúmulos de riqueza construída à custa da exploração histórica e não reparada.

Nesse contexto, a televisão foi, a um só tempo, o molde perfeito para os anseios capitalistas pautados pelo controle social via alienação e seletividade da informação passada e instrumento de altíssima performance que consolidaria o projeto de branqueamento de nossa sociedade mestiça, mostrando ao mundo que o país era branco, ao mesmo tempo que minava a formação da identidade e da subjetividade dos povos negros e indígenas, entre outras minorias.

"Entende-se que um processo de construção de identidade de um povo se dá através de aparelhos sociais, como a educação e a comunicação. É inegável que esses aparelhos são determinantes de valores, influenciam atitudes e formam consciência, na medida em que transmitem valores étnicos, estéticos e outros elementos que contribuem para a composição de uma identidade étnica. O ato ou efeito de identificar-se implica o reconhecimento, em si próprio, de algo que se percebe em alguém (e vice-versa), funcionando esses aparelhos como espelhos refletores da sua imagem e semelhança."
Roberto Carlos da Silva Borges e Rosane Borges, Mídia e racismo, Petrópolis, DP et Alii; Brasília, ABPN, 2012

O processo de rejeição racista da existência de sujeitos negros não foi iniciado com o advento da criação da televisão. Já era a sequência do que foi iniciado quando os primeiros negros pisaram na América, pois, para garantir a exploração de escravizados, era necessário um ralo para escoamento da culpa acumulada por uma moralidade cristã, e foi justamente o movimento de desumanização do sujeito negro que serviu nesse sentido.

Assim, seguiu-se ao longo da história da televisão brasileira a imagem estereotipada e distorcida do sujeito negro, começando pela escassez (quase) total de sua presença e passando pelo exercício de inferiorização (quase) sutil, garantindo que a representação fosse sempre prejudicada o suficiente para que o sujeito negro não sentisse orgulho de si mesmo, ao mesmo tempo que garantia ao sujeito branco a possibilidade de expressar seus ideais de superioridade por meio da compaixão e da aceitação desse sujeito contrário no seu meio social.

O mito da democracia racial foi amplamente propagado, visto que sempre nas telenovelas negros e brancos conviviam de forma pacífica, o que alicerçou na mentalidade do sujeito negro uma aceitação inexistente da negritude, pois essa convivência era claramente hierarquizada e estabelecia sem nenhum constrangimento quem era “superior” e, portanto, mandava e quem era “inferior” e, assim, obedecia.

É bem verdade que o conteúdo televisivo é pautado pela opinião pública. Entretanto, cabe observar friamente que estamos diante de uma ferramenta de comunicação que reflete mas também forma opinião, o que encerra um exercício sutil de manipulação, valendo-se dessa desculpa para continuar exercendo as tecnologias opressoras do racismo, apoiando-se na isenção de posicionamento e em uma falaciosa obediência ao que demandam os telespectadores e anunciantes.

Trechos do artigo de Joice Berth,
no Le Monde Diplomatique, diplomatique.org.br

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