O que é altruísmo? É o desejo de que o outro seja feliz e encontre a causa da felicidade. A empatia é a ressonância afetiva ou a ressonância cognitiva que nos diz: essa pessoa está feliz, essa pessoa sofre. Mas a empatia por si só não é suficiente. Se você se confronta sempre com o sofrimento, pode sentir angústia empática, estresse, por isso você precisa de um âmbito maior de bondade. Com Tania Singer do Instituto Max Planck, em Leipzig, demonstramos que as redes cerebrais da empatia e da bondade são diferentes. É tudo muito bem feito, então temos isso da evolução, do cuidado materno, do amor dos pais, mas temos que estender isso. Isso pode estender-se inclusive a outras espécies.
Se queremos uma sociedade mais altruísta, precisamos de duas coisas: mudança individual e mudança social. É possível a mudança individual? Dois mil anos de estudo contemplativo disseram que sim, que é possível. E 15 anos de colaboração com a neurociência e a epigenética disseram que sim, que nosso cérebro muda quando se treina o altruísmo. Passei 120 horas numa máquina de ressonância magnética. Essa foi a primeira vez, por duas horas e meia. O resultado foi publicado em muitos trabalhos científicos. Mostra, sem dúvidas, que há uma mudança estrutural e funcional no cérebro, quando se treina o amor altruísta. Só para vocês terem uma ideia: aqui está o meditador em repouso, à esquerda, fazendo meditação de compaixão, vemos toda a atividade, e o grupo de controle em repouso, nada aconteceu, em meditação, nada aconteceu. Eles não foram treinados.
Então são necessárias 50 mil horas de meditação? Não. Quatro semanas, 20 minutos por dia de meditação afetiva, consciente, já gera uma mudança estrutural no cérebro, comparado ao grupo controle. Apenas 20 minutos ao dia, por 4 semanas.
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A mudança individual é possível. Temos que esperar por um gene altruísta na raça humana? Isso levará 50 mil anos, demais para o meio ambiente. Felizmente, existe a evolução da cultura. As culturas, como especialistas mostram, mudam mais rápido que os genes. Essa é a boa notícia. O comportamento relacionado à guerra mudou drasticamente com o tempo. A mudança individual e cultural se moldam mutuamente, e sim, podemos alcançar uma sociedade mais altruísta.
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Mas a nível mais global, o que podemos fazer? Precisamos de três coisas. Aumentar a cooperação: aprendizagem cooperativa na escola, em vez de aprendizagem competitiva; cooperação incondicional dentro das empresas, pode existir certa competição entre empresas, mas não dentro delas. Precisamos de harmonia sustentável. Adoro esse termo! Nada de crescimento sustentável. Harmonia sustentável significa que agora reduziremos a desigualdade. No futuro, faremos mais com menos, continuaremos crescendo qualitativamente, não quantitativamente. Precisamos da economia solidária. O Homo economicus não pode lidar com a pobreza em meio a abundância, não pode lidar com o problema do bem comum da atmosfera, dos oceanos. Precisamos da economia solidária. Se um diz que a economia deve ser compassiva, dizem: “Não é trabalho nosso.” Mas se você diz que eles não se importam, isso é mal visto. Precisamos de compromisso local, e responsabilidade global. Precisamos estender o altruísmo ao outro 1,6 milhão de espécies. Os seres sencientes são cocidadãos neste mundo. E temos que nos atrever ao altruísmo.
Após estudos de bioquímica no Instituto Pasteur, em Paris, Matthieu Ricard deixou seu trabalho como pesquisador cientista e tomou o rumo dos Himalaias, onde se tornou monge budista. Seu objetivo: buscar a felicidade.
Brasil 247
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