sábado, 18 de junho de 2016

Amizade líquida via facebook

A interconexão através das redes sociais interfere significativamente nos aspectos da vida social e pessoal dos indivíduos, produz novos modelos de pensamentos, de atitudes e de convivência. O que está em jogo é uma transformação radical no modo em que as relações humanas se configuram. Essas mudanças já passam a ser sentidas em vários contextos da vida cotidiana. O grande “palco” da vida passou ser o mundo virtual. Estar conectado tornou-se mais do que simples necessidade - transformou-se em obsessão.

Com a expansão das mídias sociais criamos um problema: a dependência. Os sedutores smartphones com seus fascinantes aplicativos, são agora uma espécie de extensão do nosso corpo, precisamos mais do que nunca ficar atentos ao sentido das nossas relações. Não estar conectado, por falta de sinal ou outro motivo qualquer, provoca um vazio, um “nada” – uma limitação do ser; é como se tivéssemos “fora do ar”, sem vida. Uma sensação semelhante à falta da droga para o viciado, um desconforto, desespero - angústia da crise de abstinência.

As mídias sociais tornaram-se uma representação simbólica da vida, uma espécie de segunda identidade. Os perfis são personalizados e caracterizados para chamar a atenção, atrair seguidores, uma forma estranha de expor-se para o reconhecimento público que é medido pelo número de curtidas e compartilhamentos expostos nos murais das mídias. O excesso deselfies revela um perfil individualista e egocêntrico, característico desta era de subjetividade instantânea.

Neste novo contexto social, o corpo torna-se uma espécie de design no campo da visibilidade no espaço virtual, onde cada um pode se reconstruir como uma subjetividade alter-dirigida. A profusão das mídias multiplica ao infinito as possibilidades de exibir-se ante os olhares alheios, para, deste modo, tornar-se um “Eu” visível num modelo de vida artificial que se assemelha ao que assistimos no filme Matrix.

Mas nem tudo é ruim nas teias das redes sociais. Pelo contrário. Grande parte do que elas oferecem é bom. O ciberespaço dinamiza as relações humanas, pois jamais encontramos tanta facilidade para interagir. Nas redes, podemos compartilhar informações, conhecimentos, expressar nossas ideias, divertir, namorar, conhecer pessoas, exercer a cidadania, a solidariedade, configurar amizades e potencializar as existentes, enfim, possibilitam uma aproximação das pessoas de todo o mundo, tanto nas ideias como afetivamente. O problema é saber dosar o uso, de forma que as vantagens não sejam ofuscadas pelo vício que surge dos excessos. Excesso de conexões, excesso de interações.

Alguém já mencionou que o máximo de conexões efetivas, concretas, produtivas que um ser humano pode ter seria de 150 pessoas. Ou seja, quem tem quase 5 mil "amigos" no Facebook, de fato não tem tempo nem recursos para manter uma comunicação efetiva com toda a lista - sequer conseguiria lembrar de todos. Apenas 3%, no máximo, de conhecidos na lista, o resto são desconhecidos, meros transeuntes curiosos, passando rápida e superficialmente pelo seu “perfil”.

O excesso, evidentemente, rouba o tempo da pessoa, provoca o isolamento, que passa a valorizar mais a conexão virtual do que qualquer outra atividade interpessoal ou afetiva. Ele sente uma necessidade premente de verificar as mensagens, se alguma determinada pessoa está online, fica irritado quando alguém o incomoda enquanto está fazendo outra coisa no computador ou no smartphone etc. Além disso, prefere não sair de casa, afasta-se dos amigos, da família, da namorada, do cônjuge, etc. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas também são uma armadilha perigosa.

O sociólogo Zygmunt Bauman explica que as relações de amizade no Facebook são atrativas, fáceis e superficiais, pelo motivo de existir uma grande facilidade em fazer “amizades”, assim como em desfazê-las, e isso se deve ao fato que não é necessário uma explicação para o término de uma “amizade” na rede, ou até um “namoro”. Pois não é necessário dar nenhuma justificativa, nem inventar uma mentira, não é necessário estar frente a frente, “olho no olho”, basta apenas excluir, deletar, bloquear, se desconectar.1

Então, como disse Bauman, nos dias atuais, dominados pela internet, "as relações escorrem pelo vão dos dedos" – não são frequentes, nem duradouras, não são “sólidas”, então são “líquidas”.

A posição do autor é uma forte crítica às relações sociais atuais. Se trata de começar com uma categorização nova: estamos vivendo na era da “modernidade líquida, que se contrapõe à antiga “modernidade sólida”. Uma que representa o novo mundo, a pós-modernidade, e a outra que define a modernidade, a sociedade industrial, a sociedade da guerra fria.

Para o autor, as mudanças que caracterizam uma novo forma de pensamento, de atitudes e de convivência estão centradas neste novo modelo de sociedade onde as pessoas não conseguem desenvolver ferramentas de socialização eficientes o bastante para sequer manterem uma boa conversa em um bar. É aqui onde começar uma amizade virtual, até mesmo ter um “amor virtual”, se torna algo fácil e plausível. Nós não nos relacionamos, mas nos conectamos, não pela facilidade da conexão, mas pela facilidade da desconexão. Nos conectamos por que a relação não tem mais a mesma consistência - agora é frágil como uma conexão, e quando não temos qualidade, investimos na quantidade. Sim, “adicionamos” 5 mil “amigos”. Aqui o mito da sexualidade libertada é contestada pelo autor. Só há uma nova forma de aprisionamento, uma nova delimitação das relações amorosas, uma nova configuração das maneiras de amar.2

Pois bem, atualmente fala-se muito em conexões em rede, “líquidas”, mas o que realmente nos falta é a conexão humana, sólida. Baseado em sua análise de experimentos científicos em Psicologia, além das histórias de vida de pessoas que conheceu, o pesquisador Johann Hari, em seu livro “Chasing The Scream: The First and Last Days of the War on Drugs” argumenta que os seres humanos têm uma necessidade muito profunda de estabelecer laços e conexões. Disse: “É como nos satisfazemos. Se não conseguimos nos conectar uns aos outros, vamos nos conectar com o que encontramos”.

Ou seja, os seres humanos precisam de conexões de afeto e de amor, reais e concretas – ao vivo, presencialmente. “A frase mais sábia do século XX foi ‘apenas se conecte’ (...) Mas criamos um ambiente e uma cultura que cortou as conexões, ou que favorece apenas um simulacro delas: a internet”, comenta Hari. Os excessos, o vício em internet é um sintoma da maneira como vivemos, ou seja, consequência da deterioração das relações humanas.

Além das questões de isolamento e falta de conexão, apontadas por Hari e justificadas por Bauman, não podemos desprezar a falta de conexões e de equilíbrio com o universo como um todo. Para isso, necessitamos ensinar aos nossos jovens, através do processo educativo, a exercitar o seu intelecto, a sua sensibilidade emocional, física e orgânica, além das relações sociais e afetivas. Estas são as potencialidades da vida afirmativa e o desenvolvimento pleno das capacidades humanas para uma vida feliz, sem excessos. Necessitamos, com urgência, trazer para o debate e exercitar um modelo de relações interpessoais que contemple as necessidades da condição humana: as conexões de amor, de amizade verdadeira, de segurança e de paz.

Luiz Claudio Tonchis
No blog de Luiz Nassif

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