quarta-feira, 18 de maio de 2016

A Constituição rasgada

Constituição chamada de “Cidadã” pelos seus ditames que obrigam aos governos implementarem mecanismos para a formação de uma sociedade livre, justa e solidária, sem grandes desigualdades sociais e regionais. Faz de conta que os golpistas, como afirmam, querem resgatar a dignidade do povo brasileiro.

Não é estranha para os observadores da cena nacional que a instabilidade politica é uma constante. Os altos desequilíbrios das forças sociais, institucionais, politicas e regionais fazem com que os sistemas de pesos e contrapesos não funcionem. Um dos pesos que compõe a nossa sociedade sempre se sobrepõe - mesmo que o povo escolha, pelo voto, representantes com um ideário contrário - utilizando-se de todos os meios possíveis, das chantagens aos golpes de Estado.

Forças com altos desequilíbrios entre si impedem a formação de uma sociedade equânime e justa. Há uma desestrutura organizacional crônica de origem que não permite que o Brasil construa a sua normalidade.  Sempre que os princípios fundamentais das democracias - aqueles em que o Estado age para realizar a sua tarefa de superar as desigualdades sociais e regionais - houve resistências e golpes.

Há um desprezo destruidor deste lado da balança por tudo o que possa trazer um mínimo de equilíbrio nas relações, nas funções do Estado e nas ações de inclusão e justiça. Não é à toa que os maiores ataques aos governos Lula e Dilma se deram contra os programas de equilíbrio da sociedade como os de inclusão no Bolsa Família, nas Cotas Universitárias, nos programas de proteção como o Mais Médicos, e na educação com as criticas à criação de campus e UF’s em cidades do interior.

Deste desprezo, se originam o rasgar de várias Constituições Federais, as chantagens irresistíveis que suicidam Presidentes e provoca a renúncia de outro impelido “por forças ocultas”, e outros golpes que paralisam o país ou provocam derrubada de presidentes.

O golpe de 2016. A Constituição rasgada. O que se pretende com o golpe.

A guerra é pela Constituição. A atual, denominada “Cidadã, limita o poder, organiza o Estado e define direitos e garantias fundamentais, para formarmos uma sociedade digna.

Querem derrubar o governo para impedir a aplicação dos princípios estabelecidos na nossa Constituição Federal de 1988, que vinham sendo implantados pelos governos do PT.

Logo nos seus primeiros artigos a nossa Lei Maior estabelece as ordens que deveriam nortear as ações dos nossos governos ao estabelecer:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Qualquer estudo aponta que é obrigação do Estado Nacional desenvolver políticas que tragam a dignidade ao seu povo e que se forme a cidadania. Isto nunca ocorreu na sociedade brasileira, e basta recorrer à história para se entender o que aconteceu com os nossos governos e dirigentes que tentaram realizar o que determina os princípios das democracias.

“Todo poder emana do povo”, não no Brasil que se derrubam governos eleitos, onde a participação direta da população nas decisões do País não é respeitada de forma universal pela dependência de autorização do congresso.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Este enunciado é uma inovação da Constituição de 1988, onde a Constituinte viu a necessidade de assegurar a concretização da democracia econômica, social e cultural, além de efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana e que os golpistas querem engavetar.
O artigo seguinte, que obriga aos nossos governos seguirem, dá os parâmetros seguidos pelos governos do PT e que os grupos contrários querem desfazer. O artigo impõe:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Como se vê não são apenas questões internas que motivaram o golpe contra Dilma. Não se trata apenas da resistência às questões de inclusão, de bloquear a busca de formação de uma cidadania e dos gastos com a educação e saúde do povo brasileiro. O artigo acima enuncia obrigações estabelecidas pela Constituição de 1988 e seguidas pelo PT  que desagrada ao parceiro histórico interventor e aproveitador da nossa riqueza. Os golpistas são contra o que estabelece o parágrafo único deste artigo. Querem seguir o ditame norte-americano que não deseja a formação de uma integração latino americana. Não querem a UNASUL, MERCOSUL, e nenhuma outra que se mantenha equidistante e independente dos amigos do norte. Querem rasgar a Constituição Federal.

Conclusão

Se os golpistas querem derrubar o governo pelos motivos internos e externos apontados acima, também há riscos nas outras formas de golpe sugeridos e que merecem atenção e criticas.

O parlamentarismo que alguns apontam como alternativa não irá estabilizar os desequilíbrios causadores dos golpes. Ao contrário, pela liberdade maior na destituição do mandatário irá recriar no país a troca constante de lideres em poucos meses de exercício do poder, como aconteceu inclusive com lideranças de imensa capilaridade e aceitação, como foi com Tancredo Neves cujo governo não durou nem 10 meses. Ainda, é bom lembrar, nos dois plebiscitos que houve no País para averiguar se o povo queria ou não o parlamentarismo o resultado foram duas vitórias acachapantes contra este sistema de governo.

Outra cautela deve ser tomada quando se propõe a convocação de uma Constituinte. O momento de acirramento da lateralidade, o desequilíbrio de forças ea instabilidade politica podem encerrar princípios democráticos estabelecidos na Constituição Cidadã e que foram conseguidos pelo momento seguinte de uma longa ditadura que causou dor, restrição de direitos e vários dos desequilíbrios até hoje não resolvidos.

A sociedade brasileira precisa para a sua saúde, manter os avanços conseguidos desde a redemocratização e respeitar a Constituição de 1988, concebida como instrumento de força transformadora da sociedade e por isso chamada Cidadã, para impedir que as forças retrógradas implantem uma nova constituição nos moldes liberais atuais que limite a ação do Estado somente à defesa da ordem e segurança públicas.

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