sábado, 9 de abril de 2016

É golpe ou não é? Uma análise jurídico-política

É golpe ou não é? Uma análise jurídico-política do momento político atual no Brasil

Por Ester Rizzi, professora e advogada

(...)Me parece que mais importante do que saber de que lado estamos nos gritos de guerra desta histeria-catarse política nacional é pensar no que virá pela frente. Pensar no “dia seguinte”.  

(Nota: neste momento, acho muito difícil escapar da polarização. Polarização que também foi fomentada e serve aos interesses de desestabilização política neste momento. É difícil - vem sendo difícil - manter uma posição de terceiro crítico reflexivo. Somos a todo momento chamados a tomar posição, e esta também é uma parte dessa história).

Assim, para pensar no depois da crise, proponho algumas perguntas:

Quer o governo Dilma Rousseff seja derrubado, quer ele permaneça, está no horizonte uma agenda de reformas que têm por objetivo reduzir direitos sociais dos trabalhadores. Modificar garantias da consolidação das leis do trabalho e da previdência social são objetivos explicitamente assumidos por Temer em sua proposta política  (e que, nesta altura do campeonato, Dilma está aceitando negociar para obter os tais dos 171 votos na Câmara).

Além dos direitos trabalhistas e da previdência social, minha leitura é de que o cenário é todo de retrocessos nos direitos. Um amigo meu disse, por exemplo, que a sua luta de agora em diante será por manter a vinculação constitucional de 25% para a educação nos municípios e 18% na União e nos Estados (art. 212 Constituição)  e 15% para a saúde (art. 198, § 2º, I CF ).

Além dessas, outras reformas virão. Do ponto de vista das garantias de direitos sociais, o cenário é de resistência para impedir retrocessos. E essa resistência terá que ser organizada. A questão é... por quem?

A quem o discurso sobre “tudo o que o Estado toca fica sujo” beneficia? A que projeto político? É benéfica, por um lado, a exposição dos mecanismos mais sujos da política “tal como ela é”? A política é só isso, esse jogo palaciano? Reduzi-la a essa perspectiva serve a quem? Mata quais sonhos e alimenta quais perspectivas de organização política da sociedade? (Estado neoliberal; Estado mínimo).

Quais são as funções que o Estado deve assumir na organização de uma sociedade? Distribuir renda e promover políticas sociais são objetivos impossíveis de alcançar por meio das instituições estatais? Se não por elas, por quais outras instituições? Ou reduzir as vergonhosas desigualdades da sociedade brasileira deve deixar de ser um desafio?

Isso leva à segunda grande pergunta dessa história toda: o que aprendemos com ela?

O que a história do PT no poder; do PT envolvido em corrupção, dos corruptos conduzindo processos de impeachment (Cunha), da organização política que termina melancolicamente expõe? O que aprendemos com essa história?

Será que há lições sobre quais são os bons caminhos para fazer política?

Será que há lições ligadas à necessidade de reforma política/financiamento público de campanha?

Será que há um esboço de resposta para a pergunta “quem controla os controladores?”  ou uma reflexão sobre o Poder Judiciário e outras instituições de controle e fiscalização no Brasil.

Será que a Lava Jato não contribuiu para expor uma nefasta forma de funcionamento em que interesses privados de grandes empresas aparelham o Estado? Será que esta grande lista da Odebrecht não tem algo a nos dizer?

Será que ser vítima de julgamentos precipitados e de exceção não nos fazem pensar sobre o quanto, em alguns grupos identitários por exemplo, também não fazemos escrachos e justiça com as próprias mãos? Será que esse procedimento é aceitável em um Estado Democrático de Direito?

Será que o fato de o Estado de Direito ser seletivo - não estendendo suas garantias para todos, como por exemplo os pobres, pretos e periféricos - deve fazer com que desdenhemos de suas garantias? Ou será que nossa luta deveria ser para que as garantias constitucionais e legais se ampliassem para todos?

Será que esse clima de polarização política extrema, de política futebolística como diz o Prof. Alex, beneficia a democracia?

Certamente o conflito político faz parte da democracia. Viver em um ambiente em que seja possível discordar e seja possível trocar é o mínimo. O que acontece, então, quando se defende que uma posição entre outras do espectro político deve ser calada? (Placa na Fiesp, ontem: “Exterminar o PT, não tem preço”.) Além do PT, todos os “vermelhos” são Petralhas, comunistas. Estamos vivendo em fascismo social disseminado contra toda a esquerda? Sem mediação institucional?

Passada a fase aguda do conflito / crise política, como sair da polarização? Redes sociais e meios de comunicação ajudam ou atrapalham? 

Para além das políticas identitárias, onde se pensa a sociedade brasileira como um todo? Onde essas questões que propus aqui (e tantas outras) serão discutidas coletivamente?

Para a esquerda no Brasil, e é desse ponto de vista que falo - apesar de ser um pouco perigoso nestes dias de perseguição difusa a quem se afirmar de esquerda - é momento de recolher os cacos. Achar pontos de identidade e solidariedade. Ficarmos juntos, mostrar organização coletiva, ocupar o espaço público. E pensar, refletir. Resistir como possível às tentativas - que virão! - de impor retrocessos sociais. E pensar e refletir mais.

Enquanto são organizadas ações de resistência, é preciso não deixar de pensar nessa história. Tudo isso ainda é muito recente e o momento de extrema polarização ainda está aí. Por vezes, parece impossível não ser levado pelo turbilhão. Não se posicionar pode parecer uma omissão inaceitável agora. Mas é preciso pensar com calma nisso tudo. E aprender com a história, para reconstruir algo melhor no futuro. 

Sempre gostei de política. A política é para mim o canal capaz de transformar em ação transformadora toda a indignação e a inconformidade contra as injustiças sociais que estão em nossa sociedade. Ação política organizada, sob a minha perspectiva, parece ser o único jeito de reverter as desigualdades que estão por aí. Que neste momento difícil as partes “feias” da política não afastem ou desestimulem os jovens a se organizar e agir politicamente. 

Matéria completa:

http://m.huffpost.com/br/entry/9628854

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