quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Movimentos de 2013 e o caráter fascista

Em 2013, o movimento foi algo inesperado. Pouco antes das manifestações, eu estava dando um seminário na faculdade e ouvi um tambor pelos corredores. Me falaram: “É o movimento do Passe Livre, que está convocando uma reunião”. Havia só uns 30, 40 gatos pingados. Até que eles puseram nas redes sociais e aconteceu aquela movimentação toda. Mas na primeira manifestação tinha de tudo. Era um evento com a motivação mais diversa possível. Não estou dizendo que era um movimento totalmente despolitizado, mas que tinha um pequeno conteúdo determinado pelo grupo do Passe Livre, ao qual se juntaram outras formas de descontentamento. Foi estarrecedor ver que, na segunda manifestação, quando a juventude começou a comemorar, levando bandeiras do PT, do PSTU, do PSol, do movimento dos sem teto, apareceram jovens embrulhados na bandeira do Brasil, atacando, espancando e ensaguentando os manifestantes de esquerda. Assim, em lugar do conflito democrático, passou-se ao combate violento e à agressão ao adversário. Mas algo curioso aconteceu: construiu-se um sentido político para toda aquela movimentação. A própria mídia, que falava dos “vândalos” das primeiras manifestações, depois passou a falar de “manifestantes”. Houve uma construção política de uma manifestação que não existiu realmente como algo político. Ninguém prestou atenção nisso! Eu procurei falar do assunto e fui violentamente agredida, mesmo pela esquerda. Disseram que eu não tinha entendido o momento histórico. Mas fizeram mais: pegaram a afirmação que eu fiz sobre o caráter fascista dos jovens vestidos com a bandeira e disseram que eu havia considerado todas as manifestações como fascistas. Na época das eleições, o Fernando Gabeira chegou a escrever um artigo de uma página inteira no jornal O Globo contra mim, afirmando que, na minha opinião, a presença do povo na rua era fascismo. O que eu tinha dito era: houve um momento fascista nessas manifestações e ninguém está prestando atenção nisso. Aí, quando começaram os panelaços de 2015, ficou evidente o que eu queria dizer. O que veio a seguir? Veio a demanda de retorno da ditadura, a presença da TFP [Grupo de extrema direita intitulado Tradição, Família e Propriedade] e a afirmação da pauta conservadora dos 3Bs. (3Bs -  bancada da bala, da bola e da Bíblia)

Trecho da entrevista de Marilena Chaui para a revista "Cult"

Nenhum comentário:

Postar um comentário