quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

O Profeta

Khalil Gibran é um desses mestres da sabedoria que ensinam a arte de viver pela conquista da paz Interior nutrida na contemplação da beleza. O seu convívio intelectual apazigua as dúvidas do coração, alimenta a fé na sua superioridade espiritual do homem, num estilo ao mesmo tempo cheio de vida e simplicidade, cuja fonte é a natureza em suas aspirações mais límpidas e amáveis.

"O Profeta", publicado em 1923,  é um livro estranhamente místico no ambiente pragmático e mecanizado dos Estados Unidos.

Embora o livro seja relatado por Al Mustafa na praça do mercado, temos a impressão, ao escutá-lo, de passear com ele nas florestas e nos prados, porque ele apresenta sempre suas ideias sobre a forma de cenas da Natureza e dos trabalhos nos campos.
E esse retorno simultâneo à Natureza e aos assuntos básicos da Vida seduziu o leitor moderno pelo efeito do contraste.
Gibran abriu a barragem atrás da qual se acumulava nossa nostalgia inconsciente de outro tempo e outra vida.

No fundo, somos todos lavradores, e todos amamos os vinhedos. E nas pastagens de nossa memória, há um pastor, e um rebanho, e a ovelha perdida.

A beleza das ideias sobre os filhos, a dádiva, a religião, o prazer, o amor, o trabalho, a liberdade, a morte, é igualada pela beleza das imagens e das parábolas com que ele as reveste.

" Ide, pois, aos vossos campos e pomares, e lá aprendereis que o prazer da abelha é sugar o mel da flor.  Mas que o prazer da flor é entregar o mel à abelha".

Disse Gibran ao escrever o livro:
"Ajuda -  me,  ó Deus, a exprimir neste livro Tua Verdade envolta em Tua Beleza! "

O escritor ambicionava definir um ideal de vida para si mesmo e para todos os homens.

Ele não nos propõe o heroísmo, mas a grandeza. Não nos convida a renunciar à vida,  mas sermos dignos dela.

O seu estilo é novo, feito de música, imagens e símbolos.

Algumas passagens do livro "O Profeta":

Sobre o Amor

O amor não dá senão de si próprio e nada recebe senão de si próprio.
O amor não possui e não se deixa possuir.
Pois o amor basta-se a si mesmo. Quando um de vós ama que não diga:"Deus está no meu coração", mas que diga antes: "eu estou no coração de Deus". 

Do Matrimônio

Amai-vos um ao outro, mas não façais do amor um grilhão:
Cantai e dançai juntos, e sede alegres; mas deixai cada um de vós estar sozinho.
Assim como as cordas da lira são separadas e, no entanto, vibram na mesma harmonia.

Dos Filhos

Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da Vida por si mesma.
Vem através de vós,  mas não de vós.
E embora vivam conosco, não nos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los  como vós;
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.

Da Dádiva

É belo dar quando solicitado; é mais belo, porém, dar sem ser solicitado, por haver apenas compreendido;
E para os generosos, procurar quem receberá é uma alegria maior ainda que a de dar.
Dizei muitas vezes: "Eu daria, mas somente a quem merece".
As árvores de vossos pomares não falam assim,  nem os rebanhos de nossos pastos.
Dão para continuar a viver, pois reter é perecer.
E que mérito maior haverá do que aquele que reside na coragem e na confiança, mas ainda, na caridade de receber?
Procurai ver  primeiro, se vós próprios mereceis ser doadores e instrumentos do dom.
Pois,  na verdade,  é a Vida que dá à Vida  -  enquanto vós, que vos julgais doadores, sois simples testemunhas.

Da Alegria e da Tristeza

Elas são inseparáveis.
Vêm sempre juntas.
Em verdade, vós estais suspensos como os pratos de uma balança entre vossa tristeza e vossa alegria.
É somente quando estais vazios que estais equilibrados.

Sobre Compras e  Vendas

A vós,  a terra oferece seus frutos, e nada vos faltará se somente souberdes como encher as mãos.
É trocando as dádivas da terra que encontrareis abundância e sereis satisfeitos.
E, contudo, a menos que a troca se faça no amor e na justiça, ela conduzirá uns à avidez e outros à fome.

Da Liberdade

Só podereis libertar-vos quando até mesmo o desejo de procurar a liberdade se tornar um jugo para vós, e quando cessardes de falar da liberdade como de uma meta é de um fim.
Sereis,  na verdade, livres, não quando vossos dias estiverem sem preocupação de vossas noites sem necessidades e sem aflição.
Mas, antes, quando essas coisas apertarem vossa vida e, entretanto, conseguirdes se elevar-vos acima delas, desnudos e desatados.

Da Razão e da Paixão

Vossa razão e vossa paixão são o leme e as velas de vossa alma navegante.
Se vossas velas ou vosso leme se quebram, só podereis ficar derivando e permanecer imóveis no meio do mar.
Pois a razão, reinando sozinha, restringe todo impulso; e a paixão deixada a si, é um fogo que arde até sua própria destruição.
Portanto, que vossa alma eleve vossa razão à altura de vossa paixão, para que ela possa cantar.

Da Dor

Se vosso coração pudesse viver sempre no deslumbramento do milagre cotidiano, vossa dor não  vos apareceria menos maravilhosa que você é alegria;
E aceitareis as estações de vosso coração, como sempre aceitastes as estações que passam sobre os vossos campos.
E contemplareis serenamente os invernos de vossa aflição.
Grande parte de vosso sofrimento é por vós próprios escolhida.
É a amarga poção com qual o médico que está em vós cura o vosso Eu doente.
Confiai, portanto, no médico, e bebei seu remédio em silêncio e tranquilidade.
Porque sua mão, embora pesada e dura, é guiada pela suave mão do Invisível.

Do Conhecimento de Si Próprio

Vosso coração conhece em silêncio os Segredos dos dias e das noites.
Mas vossos ouvidos anseiam por ouvir o que o vosso coração sabe.
Desejais conhecer em palavras aquilo que sempre conhecestes em pensamento.
Quereis tocar com os dedos o corpo nu de vossos sonhos.
E é bom que o desejais.
A fonte secreta de vossa alma precisa brotar e correr, murmurando, para o mar;
E o tesouro de vossas profundezas ilimitadas precisa revelar - se a vossos olhos.
Mas não useis balanças para pesar vossos tesouros desconhecidos;
E não procureis explorar as profundidades do vosso conhecimento com uma vara ou uma sonda.
Porque o Eu é um mar sem limites e sem medidas.
Não digais: 'encontrei a verdade'. Dizei,  de preferência: 'encontrei uma verdade'.
Não digais: 'Encontrei o caminho da Alma'.  Dizei de preferência: 'encontrei a alma andando em meu caminho'.
Porque a alma anda por todos os caminhos.
A alma não marcha numa linha reta nem cresce como um caniço.

Do Ensino

Nenhum homem poderá revelar-vos nada senão o que já está meio adormecido na aurora do vosso entendimento.
O mestre que caminha à sombra do templo, rodeado de discípulos, não  dá de sua sabedoria, mas sim de sua fé e de sua ternura.
Se ele for verdadeiramente sábio, não vos convidará a entrar na mansão do seu saber, mas antes vos conduzirá ao limiar de vossa própria mente.

Da Amizade

Vosso amigo é a satisfação de vossas necessidades.
Ele é o campo que semeais com carinho e se ceifais com agradecimento.
Quando vosso amigo manifesta seu pensamento, não temeis o "não" de vossa própria opinião, nem prendeis o sim.
E quando ele se cala. vosso coração continua a ouvir o seu coração.
E na doçura da amizade, que haja risos e o partilhar dos prazeres.

Da Conversação

Vós conversais quando deixais de estar em paz com vossos pensamentos.
E quando não podeis mais viver na solidão de vosso coração, procurais viver nos vossos lábios, e encontrais então uma diversão e um passatempo nas vibrações emitidas.
E em grande parte de nossas conversações, o pensamento é meio assassinado.
Pois o pensamento é uma ave do espaço que, numa gaiola de palavras, pode abrir suas asas, mas não pode voar.
Há entre vós aqueles que procuram os faladores, por medo da solidão.
A quietude da solidão revela-lhes seu Eu desnudo, e ele prefere escapar-lhe.
E há aqueles que falam, e sem saber ou prever, traem uma verdade que eles próprios não compreendem.
E há aqueles que possuem a verdade dentro de si, mas não a expressam em palavras.
No íntimo de tais pessoas, o espírito habita num silêncio rítmico.
Quando encontrardes vosso amigo na rua ou no mercado público, deixai que o espírito que está em vós ponha em movimento vossos lábios e dirija vossa língua.
E que a voz escondida na vossa voz fale ao ouvido do seu ouvido;
Pois sua alma guardará a verdade de vosso coração, como é lembrado o sabor do vinho.

Do Bem e do Mal

Vós sois vós quando vos esforçais por dar de vós próprios.
Vós sois bons quando falais plenamente acordados.
Porém não sois maus quando adormeceis enquanto vossa língua tartamudeia sem propósito.
Vois sois bons quando andais rumo ao vosso objetivo, firmemente e com passos intrépidos.
Porém, não sois maus quando ides coxeando.
Mesmo aqueles que coxeiam não andam para trás.
Mas vós que sois fortes e velozes,  guardai -vos de coxear por complacência na presença dos coxos.
Pena que as gazelas não possam ensinar a velocidade às tartarugas! Pois o verdadeiramente bom não pergunta ao desnudo: 'onde está tua roupa?' nem áudios desabrigado: 'Que aconteceu à tua casa?'

Da Prece

Quando rezais, vos elevais até encontrardes, nas alturas, aqueles que estão orando à mesma hora, e que, fora da oração, talvez nunca encontrásseis.
Portanto, que vossa visita a esse tempo invisível não tenha nenhuma outra finalidade senão o êxtase e a doce comunhão.

Um comentário: