quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Bolsa família e resgate da estima feminina

CULT: Recentemente, a senhora afirmou que o Bolsa Família fez pelas mulheres o que seis décadas de feminismo no mundo não conseguiu…

Marilena: Esses dados estão consagrados em um livro feito pela Walquíria Leão Rego sobre o Bolsa Família (Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania, em coautoria com Alessandro Pinzani, Editora da UNESP). O que ela mostrou? Primeira coisa: como o dinheiro vai para as mulheres, elas foram transformadas em chefes de família. Na tradição brasileira, o dinheiro costuma ir para o homem, e só uma parte vai para a família; a outra parte vai para os gastos pessoais dele. Com o Bolsa Família, quebra-se o monopólio masculino sobre a administração da casa. Em segundo lugar, as mulheres passaram a cuidar mais de si mesmas. Juntando o dinheiro do Bolsa Família com os serviços do SUS, por exemplo, elas fizeram diminuir o número de doenças femininas. Finalmente, elas têm participado mais de atividades públicas, filiaram-se a movimentos sociais e criaram cooperativas. Há uma quantidade enorme de cooperativas criadas pelas mulheres com o que sobra do uso do dinheiro do Bolsa Família.

CULT: Qual seria o papel do Estado na promoção da igualdade e dos direitos das mulheres?

Marilena: A função do Estado não é a de promover. Ele tem de reconhecer os direitos das mulheres e decretá-los. Sua função é consignar na lei, institucionalmente, aquilo que os movimentos das mulheres exigem e produzem, mas essa ação é social. A política se faz pela sociedade. O Estado brasileiro precisa parar de agir como se não houvesse uma sociedade. A ele cabe salvaguardar tudo o que há de republicano e democrático nas ações políticas da própria sociedade. Mais do que promover, o Estado tem de garantir.

Trecho da entrevista de Marilena Chaui para a revista "Cult"

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