Por Fábio de Oliveira Ribeiro
Minha paixão por Voltaire é tardia, confesso com orgulho.Sempre que posso volto às obras dele ou leio algo sobre ele. Entre o mestre francês e seu neófito tardio descendente de portugueses, argentinos e índios há pelo menos uma coisa em comum. François Marie Arouet foi batizado em Paris em 22 de novembro de 1694 e eu nasci em 22 de novembro de 1964. Portanto, 270 anos separam meu nascimento do batismo dele.
Minha paixão por Voltaire é tardia, confesso com orgulho.Sempre que posso volto às obras dele ou leio algo sobre ele. Entre o mestre francês e seu neófito tardio descendente de portugueses, argentinos e índios há pelo menos uma coisa em comum. François Marie Arouet foi batizado em Paris em 22 de novembro de 1694 e eu nasci em 22 de novembro de 1964. Portanto, 270 anos separam meu nascimento do batismo dele.
A crise em andamento me fez
revirar minha estante para encontrar dois livros: Candide, ou l'Optimisme,
de Voltaire, Companhia das Letras, 2012 e; Voltaire, escrita por André
Maurois, publicada no Brasil pela Editora Pongetti, Rio de Janeiro, sem
data de edição mas que certamente foi publicado antes de 02/12/1938 (data de
uma dedicatória existente no volume).
Segundo André Maurois, Voltaire
"Escrevera-o para mostrar o ridículo do optimismo de Leibnitz. 'Tudo vae
muito bem, no melhor dos mundos...' diziam os optimistas. Voltaire tinha bem
observado a vida dos homens, vivera, lutára, soffrera e vira soffrer.
Realmente, esse mundo de condemnações, de batalhas, de cadafalsos e de
molestias, não era o melhor dos mundos possiveis." * (Voltaire,
por André Maurois, Editora Pongetti, Rio de Janeiro, meados de 1938, p. 175).
O melhor dos mundos. No fundo é
isto o que a esquerda e que a direita desejam neste momento. Os dois grupos
querem a mesma coisa, mas no melhor dos mundos de um deles o outro grupo pode
ser ignorado (esquerda) ou deve ser aniquilado (direita). O conflito inevitável
(todos estão no mesmo mundo que não pretendem partilhar) não é, entretanto,
encarado da mesma maneira.
Há um certo fatalismo pessimista
na esquerda. A direita, por sua vez, parece ser impulsionada por um otimismo
irracional e suicida.
As avaliações de conjuntura, as
criticas à imprensa e as lamentações de escritores mais ou menos esquerdistas
se multiplicam. No pior dos mundos... a situação presente é identificada à de
1964. No outro, a crise lembra o que ocorreu no Chile antes de Pinochet chegar
ao poder. Alguns lembram o golpe fracassado contra Hugo Chávez em 2002, outros
comparam a situação de Dilma Rousseff à de D. Pedro II (este foi o meu caso ao
escrever o texto Vidas Paralelas: Dilma Rousseff e o Imperador D. Pedro II ). É
evidente que a esquerda brasileira teme um golpe e estado.
A direita sonha derrubar a
presidenta eleita e chegar ao poder pelas mãos das ruas. Curiosa e
contraditória esta pretensão... Se gostasse do povo a direita teria aceitado o
resultado da eleição. O quarto turno nas ruas (a direita perdeu duas eleições e
perdeu o processo ajuizado no TSE para garantir a posse do derrotado) evidencia
o desprezo que a direita tem pela soberania popular. O povo nas ruas,
descontrolado, sem rumo, revolucionando a desordem pública que sempre favoreceu
os privilégios senhoriais desde os tempos da Colônia, foi sempre o maior objeto
de temor da direita. No melhor dos mundos... o medo ancestral da
elite cedeu lugar ao otimismo.
Esta dicotomia pueril e monótona
da medíocre realidade brasileira neste momento pode ser compreendida dentro dos
limites de "Candide, ou l'Optimisme". A esquerda parece ter se
tornado discípula de Martin. Não deveria. A História só é cíclica na cabeça
daqueles que não estudam os fenômenos históricos. Além disto, há mérito
evidente no que foi feito e o povo brasileiro já provou nas urnas que sabe ser
tão generoso com o PT quanto tem sido rancoroso com o PSDB em razão do sofrimento
que lhe foi imposto por FHC no seu último mandato.
Por cinco séculos a direita
brasileira exerceu o poder sem o povo, contra o povo e calando brutalmente o
povo. Causa estranhamento, portanto, o otimismo dos novos discípulos de
Pangloss. A imprensa, coitadinha, parece acreditar que pode fazer agora o
que não conseguiu fazer antes das 4 últimas eleições presidenciais. Ledo
engano. Nada vai bem para a direita no mundo real, pois os odiados Raimundos
que povoam o país sabem o que querem e já se decidiram por Dilma Rousseff
contra a vontade da imprensa. Se esticar demais a corda a direita brasileira
corre o risco de perder o pouco controle que ainda tem da situação. Nas ruas
ninguém manda. Nem exércitos conseguirão conter o poder popular caso este venha
a ser exercitado pelo povo. Se conseguir manipular o povo para depor a
presidenta eleita, a direita corre o risco de ser deposta de maneira ainda mais
violenta assim que começar a fazer ajustes que provoquem desemprego, redução de
salários, revogação de políticas sociais, etc...
Ao contrário da direita
brasileira, que sempre exerceu o poder na segurança dos gabinetes, a esquerda
tem a experiencia nas ruas. Foi nas ruas que a esquerda destruiu a Ditadura.
Foi nas ruas que o PT construiu sua base de poder e a conservou até o presente
momento. Um golpe de estado neste momento pode dar aos petistas uma
oportunidade sem igual para virar o jogo de uma vez por todas. Se derrubar
Dilma no primeiro tempo, a direita pode perder tudo na prorrogação em razão de
ter transferido o poder para as ruas sem ter o conhecimento necessário ao
controle das mesmas sem recorrer à usual violência policial.
Neste momento cada grupo tenta
destruir o outro com ofensas na internet. Em breve, sedentos de poder ou de
vingança,os militantes de esquerda e de direita ocuparão as ruas. Os choques
entre os dois grupos serão inevitáveis. As lesões e mortes também. A única
lição valiosa que Candide aprendeu da vida e de sua convivência com Martin e
Pangloss foi que o otimismo e o pessimismo são igualmente ilusórios e que,
portanto, "É preciso cultivar nosso jardim". Refletindo sobre
a última frase do livro de Voltaire, A. Maurois afirma que "...o mundo
é louco e cruel; a erra treme e o céo fulmina; os Reis se batem e as Egrejas se
estraçalham. Limitemos nossa actividade e procuremos fazer o melhor possível
nossa pequena tarefa." * (Voltaire, por André Maurois,
Editora Pongetti, Rio de Janeiro, meados de 1938, p. 177)
O Brasil é um imenso jardim. E
somente seguirá sendo um jardim de a esquerda e a direita aprenderem a conviver
e a cuidar único país que temos e que estamos prestes a destruir. A direita não
pode ser ignorada, tampouco pode governar sem ter sido eleita. A esquerda não
deve ser aniquilada com rompimento da legalidade ou com uma revolução das ruas
que pode ganhar vida própria e devorar seus patronos. Nosso jardim não é e
nunca será o melhor dos mundos se a direita insistir em exercer um poder que
não lhe foi atribuído pelo povo ou se, sob pressão e com medo, a esquerda
reagir de maneira violenta às violências que com razão acredita que serão
empregadas contra o governo eleito. O jardim é nosso. Pode ser cultivado ou
destruído. Mas se o destruirmos nós mesmos teremos que viver numa terra
devastada. É isto o que desejamos?
* Ortografia utilizada na
composição da obra.
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