terça-feira, 3 de março de 2015

O jardim inventado e dividido chamado Brasil

Por  Fábio de Oliveira Ribeiro

Minha paixão por Voltaire é tardia, confesso com orgulho.Sempre que posso volto às obras dele ou leio algo sobre ele. Entre o mestre francês e seu neófito tardio descendente de portugueses, argentinos e índios há pelo menos uma coisa em comum. François Marie Arouet foi batizado em Paris em 22 de novembro de 1694 e eu nasci em 22 de novembro de 1964. Portanto, 270 anos separam meu nascimento do batismo dele.
A crise em andamento me fez revirar minha estante para encontrar dois livros: Candide, ou l'Optimisme, de Voltaire, Companhia das Letras, 2012 e; Voltaire, escrita por  André Maurois, publicada no Brasil  pela Editora Pongetti, Rio de Janeiro, sem data de edição mas que certamente foi publicado antes de 02/12/1938 (data de uma dedicatória existente no volume).
Segundo André Maurois, Voltaire "Escrevera-o para mostrar o ridículo do optimismo de Leibnitz. 'Tudo vae muito bem, no melhor dos mundos...' diziam os optimistas. Voltaire tinha bem observado a vida dos homens, vivera, lutára, soffrera e vira soffrer. Realmente, esse mundo de condemnações, de batalhas, de cadafalsos e de molestias, não era o melhor dos mundos possiveis." * (Voltaire, por André Maurois, Editora Pongetti, Rio de Janeiro, meados de 1938, p. 175).
O melhor dos mundos. No fundo é isto o que a esquerda e que a direita desejam neste momento. Os dois grupos querem a mesma coisa, mas no melhor dos mundos de um deles o outro grupo pode ser ignorado (esquerda) ou deve ser aniquilado (direita). O conflito inevitável (todos estão no mesmo mundo que não pretendem partilhar) não é, entretanto, encarado da mesma maneira.
Há um certo fatalismo pessimista na esquerda. A direita, por sua vez, parece ser impulsionada por um otimismo irracional e suicida.
As avaliações de conjuntura, as criticas à imprensa e as lamentações de escritores mais ou menos esquerdistas se multiplicam. No pior dos mundos... a situação presente é identificada à de 1964. No outro, a crise lembra o que ocorreu no Chile antes de Pinochet chegar ao poder. Alguns lembram o golpe fracassado contra Hugo Chávez em 2002, outros comparam a situação de Dilma Rousseff à de D. Pedro II (este foi o meu caso ao escrever o texto Vidas Paralelas: Dilma Rousseff e o Imperador D. Pedro II ).  É evidente que a esquerda brasileira teme um golpe e estado.
A direita sonha derrubar a presidenta eleita e chegar ao poder pelas mãos das ruas. Curiosa e contraditória esta pretensão... Se gostasse do povo a direita teria aceitado o resultado da eleição. O quarto turno nas ruas (a direita perdeu duas eleições e perdeu o processo ajuizado no TSE para garantir a posse do derrotado) evidencia o desprezo que a direita tem pela soberania popular. O povo nas ruas, descontrolado, sem rumo, revolucionando a desordem pública que sempre favoreceu os privilégios senhoriais desde os tempos da Colônia, foi sempre o maior objeto de temor da direita. No melhor dos mundos... o medo ancestral da elite cedeu lugar ao otimismo.
Esta dicotomia pueril e monótona da medíocre realidade brasileira neste momento pode ser compreendida dentro dos limites de "Candide, ou l'Optimisme". A esquerda parece ter se tornado discípula de Martin. Não deveria. A História só é cíclica na cabeça daqueles que não estudam os fenômenos históricos. Além disto, há mérito evidente no que foi feito e o povo brasileiro já provou nas urnas que sabe ser tão generoso com o PT quanto tem sido rancoroso com o PSDB em razão do sofrimento que lhe foi imposto por FHC no seu último mandato. 
Por cinco séculos a direita brasileira exerceu o poder sem o povo, contra o povo e calando brutalmente o povo. Causa estranhamento, portanto, o otimismo dos novos discípulos de Pangloss. A imprensa, coitadinha, parece acreditar que pode fazer agora o que não conseguiu fazer antes das 4 últimas eleições presidenciais. Ledo engano. Nada vai bem para a direita no mundo real, pois os odiados Raimundos que povoam o país sabem o que querem e já se decidiram por Dilma Rousseff contra a vontade da imprensa. Se esticar demais a corda a direita brasileira corre o risco de perder o pouco controle que ainda tem da situação. Nas ruas ninguém manda. Nem exércitos conseguirão conter o poder popular caso este venha a ser exercitado pelo povo. Se conseguir manipular o povo para depor a presidenta eleita, a direita corre o risco de ser deposta de maneira ainda mais violenta assim que começar a fazer ajustes que provoquem desemprego, redução de salários, revogação de políticas sociais, etc...
Ao contrário da direita brasileira, que sempre exerceu o poder na segurança dos gabinetes, a esquerda tem a experiencia nas ruas. Foi nas ruas que a esquerda destruiu a Ditadura. Foi nas ruas que o PT construiu sua base de poder e a conservou até o presente momento. Um golpe de estado neste momento pode dar aos petistas uma oportunidade sem igual para virar o jogo de uma vez por todas. Se derrubar Dilma no primeiro tempo, a direita pode perder tudo na prorrogação em razão de ter transferido o poder para as ruas sem ter o conhecimento necessário ao controle das mesmas sem recorrer à usual violência policial.
Neste momento cada grupo tenta destruir o outro com ofensas na internet. Em breve, sedentos de poder ou de vingança,os militantes de esquerda e de direita ocuparão as ruas. Os choques entre os dois grupos serão inevitáveis. As lesões e mortes também. A única lição valiosa que Candide aprendeu da vida e de sua convivência com Martin e Pangloss foi que o otimismo e o pessimismo são igualmente ilusórios e que, portanto, "É preciso cultivar nosso jardim". Refletindo sobre a última frase do livro de Voltaire, A. Maurois afirma que "...o mundo é louco e cruel; a erra treme e o céo fulmina; os Reis se batem e as Egrejas se estraçalham. Limitemos nossa actividade e procuremos fazer o melhor possível nossa pequena tarefa." * (Voltaire, por André Maurois, Editora Pongetti, Rio de Janeiro, meados de 1938, p. 177)
O Brasil é um imenso jardim. E somente seguirá sendo um jardim de a esquerda e a direita aprenderem a conviver e a cuidar único país que temos e que estamos prestes a destruir. A direita não pode ser ignorada, tampouco pode governar sem ter sido eleita. A esquerda não deve ser aniquilada com rompimento da legalidade ou com uma revolução das ruas que pode ganhar vida própria e devorar seus patronos. Nosso jardim não é e nunca será o melhor dos mundos se a direita insistir em exercer um poder que não lhe foi atribuído pelo povo ou se, sob pressão e com medo, a esquerda reagir de maneira violenta às violências que com razão acredita que serão empregadas contra o governo eleito. O jardim é nosso. Pode ser cultivado ou destruído. Mas se o destruirmos nós mesmos teremos que viver numa terra devastada. É isto o que desejamos?
* Ortografia utilizada na composição da obra.

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