(...) O homem selvagem, quando acabou de comer, está em paz com toda a
natureza, e é amigo de todos os seus semelhantes. Se, algumas vezes, tem
de disputar o seu alimento, não chega nunca ao extremo sem ter antes
comparado a dificuldade de vencer com a de encontrar noutro lugar a sua
subsistência; e, como o orgulho não se mistura ao combate, ele termina
por alguns socos. O vencedor come e o vencido vai procurar fortuna
noutra parte, e tudo está pacificado.
Mas, no homem da sociedade, é tudo
bem diferente; trata-se, primeiramente, de prover ao necessário,
depois, ao supérfluo. Em seguida, vêm as delícias, depois as imensas
riquezas, e depois súditos e escravos. Não há um momento de descanso. O
que há de mais original é que, quanto menos as necessidades são
naturais e prementes, tanto mais as paixões aumentam, e o que é pior, o
poder de as satisfazer. De sorte que, após longas prosperidades, depois
de haver devorado muitos tesouros e desolado muitos homens, o meu herói
acabará por tudo arruinar, até que seja o único senhor do universo. Tal
é, abreviadamente, o quadro moral, senão da vida humana, pelo menos das
pretensões secretas do coração de todo homem civilizado.
Jean-Jacques Rousseau, in 'Discurso Sobre a Origem da Desigualdade'
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