terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O uso da ideia de pecado para impedir a emancipação feminina

Por Edson Furlan, no blog de Luís Nassif

Ainda que a lei iguale formalmente homens e mulheres, o que se observa no dia a dia é toda uma estrutura social erigida de modo a manter relações de subjugação, domínio e controle. O sistema patriarcal e o machismo em nossa sociedade não são as principais bases desse edifício. Há também sistema de ideias, conjunto de costumes, de valores, de interesses e crenças religiosas nos quais estão cravadas as grades que cercam os corpos e enclausuram as almas femininas.

Antes de estar na vanguarda da libertação, as religiões em geral situam-se na retaguarda do sistema repressor que procura manter indefinidamente o controle sobre o corpo, comportamentos, desejos e anseios femininos.

Para isso utilizam um forte instrumento que não apenas causa um enorme constrangimento pela reprovação social que o estigma causa, mas também em virtude do temor do que o futuro ao atingido espera. Esse instrumento é a ideia de pecado.

O pecado como instrumento de controle

Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações segundo nossa Constituição Federal. A igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, é o que consta em seu artigo 5°, ninguém sendo obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Tal como nossas leis, a religião exerce limitação ao livre agir do indivíduo para evitar comportamentos prejudiciais à sociedade e a outros indivíduos.  Essas alterações nas condutas individuais são operadas principalmente por meio da ideia de pecado.

Tradução do hebraico  hhattá'th ou do grego hamartía, pecado, na forma verbal  tanto hebraica (hhatá) quanto grega (hamartáno) significa errar. Do ponto de vista Bíblico é qualquer coisa que seja contrária à personalidade, aos padrões e à vontade de Deus - seja em palavra, ação, ou deixando de fazer o que deve ser feito (como exemplos temos os Dez Mandamentos da Bíblia ou os Sete Pecados Capitais da Igreja Católica). A consequência punitiva para o pecado é a morte, “porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos, 6:23).

O peso maior do pecado feminino

Criada a partir da costela de Adão, um homem - desde o início tendo sua origem sob o estigma da dependência masculina, a mulher foi o primeiro ser humano pecador, pois contrariando a vontade de Deus comeu o fruto proibido e induziu o homem, Adão, a pecar. A punição a ela dirigida por Deus não foi pequena:

“E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a dor da tua conceição; em dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará.” (Gênesis, 3:16)

Observa-se nessa e noutras passagens que a dominação exercida pelo homem sobre a mulher adquire um consentimento divino, uma superioridade moral e um embasamento religioso.

Os pecados mais intensamente combatidos pelas religiões no que se refere às mulheres são aqueles através dos quais se procura, de forma direta ou indireta, exercer controle sobre o desejo e sobre o comportamento sexual feminino.

A partir de seu entendimento da Bíblia muitas religiões consideram pecado a vaidade, a adoção de métodos contraceptivos, a realização do aborto, o divórcio, a orientação homossexual, ingestão de bebidas alcoólicas, o ato sexual antes do casamento etc.

O fato de as grandes religiões terem sido fundadas por homens explica não só o condicionamento da liberdade individual feminina à vontade masculina, mas também a própria ideia de um ente masculino ter encarnado a figura do criador, contrariando aquilo geralmente encontrado na natureza: a vida provém DA água, DA terra, DA fêmea, logo a inteligência criadora deveria advir de um ente feminino, não de um masculino. Não DO criador, sim DA criadora.

A emancipação feminina

Com a emancipação feminina, a conquista de espaços sociais e a busca da igualdade de tratamento as mulheres passaram a assumir abertamente comportamentos não aceitos por certas religiões.

A construção de “uma sociedade livre, justa e solidária” e a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, objetivos fundamentais elencados no artigo 3° de nossa Constituição Federal colidem frontalmente como muita coisa pregada em diversas religiões, que, de modo diferente da lei, cobram comportamentos que poderiam não ser benéficos para o indivíduo e para a sociedade.

A emancipação feminina é um caminho sem volta. Conseguirão as religiões continuar com velhos discursos ou precisarão se autoavaliar para adequar o “discurso divino” às novas mudanças sociais encabeçadas pelos movimentos femininos?

O que presente em cada religião pode realmente ser considerado algo divino?

Quando até leis humanas parecem mais justas que as do "sábio criador", é preciso saber discernir se não atribuíram a um o que na verdade eram em prol dos interesses de outros - no caso, homens.

Nenhum comentário:

Postar um comentário