A Mídia tem
um papel importante no campo político, social e econômico de toda sociedade.
Através desse mecanismo essa instituição incute na população uma consciência,
uma cultura, uma forma de agir e de pensar.
O crime desperta
curiosidade na população por apresentar uma ameaça. A mídia atua explorando
essa fragilidade humana estimulando a sensação de insegurança.
A origem do
Medo
Desde muito
pequeninos aprendemos a temer o medo e a confiar em celestiais criaturas e
muitos passam a serem nossos monstros, concepções imaginárias que nos assombram
em um quarto escuro, em um sonho, em uma visita ao médico ou dentista, em
situações que estamos longe de nossos genitores e nos sentimos ameaçados. No
início de nossa existência tudo é seguro, puro e invisível aos olhos. À medida
que nos tornamos maiores – criança, adolescentes, jovens, adultos e idosos – o
medo passa a ser um de nossos principais inimigos e será ele que, em muitos
momentos, nos impedirá de seguir nossos sonhos, de arriscar uma tentativa ou de
fazer uma mudança radical.
Boldt (2013,
p.96) assinala
Tema central
do século XXI, o medo se tornou base de aceitação popular de medidas
repressivas penais inconstitucionais, uma vez que a sensação do medo
possibilita a justificação de práticas contrárias aos direitos e liberdades
individuais, desde que mitiguem as causas do próprio medo.
O medo pode
surgir das mais variadas maneiras e nascer de qualquer canto de onde vivemos,
inclusive, em nossos próprios lares. Temos medo de comida envenenada, de perder
o emprego, de utilizar transporte público, de pessoas desconhecidas que
encontramos na rua, de pessoas conhecidas também, de inundações, de terremotos,
de furacões, de deslizamento de terras, da seca. Temos medo de atrocidades
terroristas, de crimes violentos, de agressões sexuais, de água ou ar poluído,
de entrar na própria casa e de sair dela, de parar no semáforo. Temos medo da
velhice e de ficarmos doentes, de sermos ameaçados, furtados ou roubados. Temos
medo da bolsa de valores e da crise econômica. Temos medo de voar de avião. São
tantos os nossos medos que não caberia aqui relatarmos todos.
Para Bauman
(2008, p.18), riscos são perigos calculáveis. Uma vez definidos dessa maneira,
são o que há de mais próximo da certeza. Ou seja, o futuro é nebuloso e as
pessoas não deveriam se preocupar em vencer ou não qualquer situação de risco
porque, talvez, nunca se chegue a enfrentá-la. Mas, deve prever e tentar evitar
oferecendo a si mesmo um grau de confiança e segurança, ainda que sem garantia
de sucesso.
A mídia pode
ser considerada aqui uma causadora da proliferação do medo na sociedade, pois o
medo deixou de relacionar-se a estórias de contos e mitos, da imaginação
durante reuniões de família, para ser um aglomerado de imagens e informações
que a televisão transmite todos os dias dentro de cada lar e para todas as
famílias. A sociedade deixou de imaginar os contos para viver na realidade
concreta as situações que são transmitidas através dos telejornais e programas
de entretenimento.
O mundo
líquido mostrado por Bauman é uma espécie de irrealidade dentro da qual estamos
mergulhados, um mundo de aparência absoluta, de ameaças que quase nunca se
configuram reais, mas que nos são mostradas cotidianamente, principalmente pela
mídia. Diante disso, ele expõe o medo como uma forma inconstante. Podemos ter
medo de perder o emprego, medo do terrorismo, da exclusão. O homem vive numa
ansiedade constante, num cemitério de esperanças frustradas, numa era de
temores.
E, assim, passamos
a construir inimigos e fantasmas, nos deixando levar por todo tipo de
informação que nos é imposta sem nem ao menos questionar a real veracidade dos
fatos. É inegável que vivemos em uma sociedade violenta, com altos índices de
barbáries, mas o problema não está na prevenção de possíveis ameaças, mas em
considerar que tudo e todos possam ser ameaçadores. Ou seja, viver em alerta
constante, excluindo pessoas e julgando indivíduos sem nem ao menos conhecer
por medo do perigo que esse indivíduo possa lhe trazer.
O sentimento
de insegurança não deriva tanto da carência de proteção, mas, sobretudo, da
falta de clareza dos fatos. Nessa situação difunde-se uma ignorância de que a
ameaça paira sobre as pessoas comuns e do que deve ser feito diante da incerteza
ou do medo. A consequência mais importante é uma crise de confiança na vida,
uma vez que, o mal pode estar em qualquer lugar e que todos podem estar, de
alguma forma, a seu serviço, gerando uma desconfiança de uns com os outros.
A influência
da mídia e sua relação com o medo
Schecaira (apud BAYER,
2013) entende que a mídia é uma fábrica ideológica condicionadora, pois não
hesitam em alterar a realidade dos fatos criando um processo permanente de
indução criminalizante. Assim, os meios de comunicação desvirtuam o senso comum
através da dominação e manipulação popular, através de informações que, nem
sempre, são totalmente verdadeiras.
Com isso,
propagando o medo do criminoso (identificado como pobre), os meios de
comunicação aprofundam as desigualdades e exclusão dessa parcela da sociedade,
aumentando as intolerâncias e os preconceitos. Utiliza-se do medo como
estratégia de controle, criminalização e brutalização dos pobres, de forma que
seja legitimo as demandas de pedidos por segurança, tudo em virtude do
espetáculo penal criado pela imprensa.
Criam-se
normas penais para a solução do problema, porém, o Direito Penal passa a ser
apenas um confronto aos medos sociais, ao invés de atuar como instrumento
garantidor dos bens juridicamente protegidos.
Hoje,
vivemos em constante situação de emergência e deixamos de perguntar pelo
simples fato de estar provada a barbaridade dos outros. A partir daí, muros são
construídos para separar a sociedade. Há muros que separam nações entre pobres
e ricos, mas não há muros que separam os que têm medo dos que não têm (COUTO,
2011).
A
manipulação das notícias através dos meios de comunicação aumentam os medos e
induzem ao pânico, reforçando uma falsidade à política criminal e promovendo a criminalização
e repressão, ofertando ao sistema penal uma legitimação para uma intervenção
cada vez mais repressiva, criando um verdadeiro Estado Penal.
A mídia
exerce influência sobre a representação do crime e também do delinquente em
razão do constante destaque que se dá aos crimes violentos. Assim, a mídia vai
colaborando o processo de construção de “imagem do inimigo” – no Brasil quase
sempre como dos setores de baixa renda – mas também auxilia na tarefa de
eliminá-los, desconsiderando da ética e justificando a opressão punitiva.
Através de
uma seleção de conteúdos a mídia tem o poder da construção da realidade, que é
um poder simbólico. Esse poder simbólico procura reproduzir uma ordem
homogeneizada do tempo e do pensamento, com um único objetivo, a dominação de
uns sobre os outros. Com isto, criam sujeitos incapazes de contestar o que se
lhes é apresentado de forma a garantir a ordem, a torná-los submissos e
dominados.
A mídia
incute na sociedade uma política de higienização e rotulação dos desiguais que
devem ser banidos da convivência social. Diante da propagação dessa política,
cada vez mais os cidadãos são colocados diante de questões criminais que
parecem nunca se resolver provocando uma sensação de intranquilidade e medo.
Esse último, por sua vez, é agravado pela sensação de vulnerabilidade e de
impossibilidade de defesa.
A realidade
entre medo e verdade
A frequente
exposição da crescente criminalidade através da mídia cria um sentimento de
insegurança irreal, sem qualquer fundamento racional.
Há mais medo
do que medo propriamente dito. A televisão tenta retratar os fatos de forma a
tornar a informação o mais real possível aproximando os acontecimentos do
cotidiano das pessoas e fazendo-as crer que aquela situação de risco poderá
acontecer a qualquer momento dentro de suas próprias casas, nos seus grupos
sociais. Assim, os telejornais propagam informações sensacionalistas através da
exploração da dor alheia, do constrangimento de vítimas desoladas e da violação
da privacidade de algumas pessoas.
Para chamar
a atenção do público, ainda lançam mão de outros recursos semelhantes, como a
incitação de brigas entre vizinhos nos bairros populares e os crimes de
violências sexuais cometidos por membros de uma mesma família.
Desta forma,
mesmo que estejamos mais seguros do que em toda história da humanidade, mesmo
assim, as pessoas continuam a se sentir ameaçadas, inseguras e apaixonadas por
tudo aquilo que se refira à segurança e à proteção. Isso se dá através do que
Silveira (2013) chama de “cultura do medo”, ou seja, o que tem levado as
pessoas a intensificarem suas próprias medidas visando uma suposta diminuição
de vulnerabilidade, como a construção de muros e barreiras, assim como a se
isolarem dentro de suas próprias casas, evitando sair a eventos e espaços
públicos por medo da violência, o que configura uma mudança radical de
comportamento, algo que beira a paranoia.
Julga-se
importante estabelecer os limites éticos da atuação da mídia, de forma que,
respeitem a ordem legal, discipline as atividades e defina suas
responsabilidades em relação às pessoas atingidas pela informação que se
divulga, sem, é claro, que se perca o direito de informar e de ser informado. É
preciso que a mídia banalize menos e instrua mais, sem decidir por si o que as
pessoas devem pensar e a forma como elas devem agir em relação ao que foi
noticiado.
Como expõe
Loïc Wacquant: “tranque-os e jogue fora a chave’ torna-se o leitmotiv dos
políticos de última moda, dos criminólogos da corte e das mídias prontas a
explorar o medo do crime violento (e a maldição do criminoso) a fim de alargar
seus mercados”. Afinal, é esta política que ultimamente tem ganho voto e feito
os políticos se elegerem.
Agora,
quando os seus direitos e suas garantias fundamentais forem tiradas, só lhe
restará sentar no meio fio e chorar, afinal, você pode ter legitimado tudo
isso. Cuidado, muito cuidado.
Diego Bayer é Advogado criminalista, Doutorando em Direito
Penal, Professor de Penal e Processo Penal da Católica de Santa Catarina e
autor de obras jurídicas.
Raquel do
Rosário é Formada
em Letras pela Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE); Especialista em
Inglês como segunda língua pela Central Piedmont Community College (CPCC) –
Carolina do Norte / USA; Mestre em Ciências da Educação pela Universidade
Católica Portuguesa (UCP) – Lisboa / Portugal; Graduanda do Curso de Direito
pelo Centro Universitário – Católica de Santa Catarina
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