Se o governo popular quiser ter alguma viabilidade,
e conquistar uma massa de opiniões que não pertencem a correntes políticas
organizadas em partidos, sindicatos e movimentos, precisa criar condições para
a emergência de uma mídia popular.
Em 2010,
dez dias antes do primeiro turno, os institutos de pesquisa percebiam que Dilma
tinha grande chance de vencer ainda no primeiro turno. Os operadores do PSDB,
em campo, perceberam a dificuldade de ganhar votos para Serra.
O PSDB
injetou recursos na campanha de Marina e a oposição conseguiu provocar um
segundo turno. A lição ficou: para chegar viável a um segundo turno, a oposição
teria que oferecer um cardápio de opções mais variado no primeiro.
Em 2014,
Eduardo Campos foi bastante estimulado ou mesmo empurrado a lançar sua
candidatura. Marina entrou nessa chapa, já que não conseguira viabilizar seu
próprio partido, a Rede. Mas a cabeça de chapa estava errada, do ponto de vista
do apelo eleitoral.
Campos
criava uma brecha no eleitorado nordestino, mas não seduzia nada mais no resto
do País. Sua candidatura não decolava. Mas seu avião, sim, infelizmente para
ele.
O
acidente providencial (nas palavras de Marina) produziu o que os acordos de
bastidores não conseguiam: um novo ambiente para a disputa e tornou viável um
segundo turno.
Outra
surpresa estava à porta, porém: Marina cresceu além da conta e se tornou a
opção primeira (e não apenas auxiliar) da oposição. Setores do PSDB
vislumbraram uma composição inesperada: Marina ganha, o PSDB vai na garupa e
“ajuda a governar”.
Mas os
fatos iriam mostrar que era difícil chegar a essa composição, superando os
apetites dos dois lados. Aécio precisava bater em Marina – ou pelo menos
acreditava nisso.
E bateu,
associando-a ao PT, ao “mensalão” e ao amadorismo. De fato, na solução que
alguns tucanos adotavam, ele teria um papel ridículo – seria o coadjuvante a
ser prontamente descartado com a vitória da candidata do PSB.
Marina
mostrou suas enormes fragilidades, derretendo a cada declaração sua ou de seus
principais auxiliares. E as pesquisas, confiáveis ou não, forneceram a Aécio
algum gás para sonhar com a possibilidade de uma virada.
A
comparação dos mapas de votação de primeiro e segundo turnos evidencia que o PT
acertou em bater na Marina e, assim, escolher Aécio como adversário em um
segundo turno. Dilma ganhou alguns milhões de votos entre os eleitores de
Marina, o suficiente para manter-se à frente.
Imaginemos
o que ocorreria se Marina fosse o adversário no segundo turno. O PSDB teria
apoiado Marina desde o primeiro momento. Seria muito difícil, para Dilma, tirar
votos de Marina ou avançar entre eleitores de Aécio. Marina seria favorita para
um segundo turno.
Assim, ao
que parece, o PT acertou em liquidar Marina previamente. E os eleitores de
Aécio foram demasiado apressados ou gulosos – julgaram suficiente a rejeição ao
PT e pensaram que o tucano, mesmo vazio, seria suficiente para uma vitória.
Porém,
quanto mais se tornava conhecido, mais Aécio ficava vulnerável. Ao final da
campanha, sua taxa de rejeição era bem superior à de Dilma. Inclusive no seu
estado, uma derrota que o destruiu completamente.
Derrotada,
Marina viu-se na condição de apêndice necessário, mas não suficiente, de Aécio.
Vencido, Aécio tem que retornar ao Senado e convencer seu partido e aliados a
sustentá-lo como “candidato natural” em 2018, tarefa não tão simples, como se
percebe pela movimentação ardilosa de seus companheiros de partido.
Resta a
vencedora, Dilma. Os “mercados” que a ela se opunham também se reacomodam e
buscam uma coabitação que lhes convenha. Querem domar o governo, já que não
conseguiram derrubá-lo – injetar ideias, equipes, políticas.
O “não
mercado”, organizado em partidos de esquerda (não apenas o PT), sindicatos,
movimentos sociais, tenta recuperar o terreno que perdera, o entrelaçamento com
as massas populares.
Para além
dos 30 milhões de eleitores que votam sistematicamente na direita e na
esquerda, há uns outros 80 milhões de oscilantes. E milhões de não eleitores
sistemáticos, que se colocam à margem do voto, mas não necessariamente da
política.
Dois
eixos políticos para mudar o quadro atual
Vejamos o
cenário. Temos as correntes políticas, organizadas em partidos, sindicatos,
movimentos. E temos uma massa de opiniões que não estão nessas organizações.
Entre
esses dois mundos, existem os mecanismos de formação de opinião, ou de
pré-formação, de condicionamento homeopático de valores e ideias.
Não
estamos falando apenas de meios de comunicação e seus canais mais
explicitamente políticos, como revistas, jornais e telejornais. Devemos
incluir nesses mecanismos os canais de entretenimento e sedução – o jornalismo
esportivo e policial, sibilinamente políticos, a novela, a série, o programa
humorístico, os talk shows intoxicantes.
Esse é um
campo em disputa. Se governo popular quiser ter alguma viabilidade, precisa
deixar de alimentar a mídia adversária e criar condições para a emergência de
uma mídia popular. Não há razão para manter os atuais níveis de gastos do
Executivo e das empresas estatais em publicidade institucional
contraproducente.
Mas não é
apenas a mídia! Além da mídia, existe a modelagem cotidiana, a pressão da vida
diária, o modo como as pessoas ganham o pão, uma pressão permanente, que
condiciona mentes e corações.
O subsolo
dos valores neoliberais, individualistas, é uma vida cotidiana marcada pela
privatização, pela “mercadorização” de tudo – em planos de saúde, escola paga,
transporte, moradia, luz e água.
A vida
diária privatizada faz a cabeça, mais do que mil sermões. Ela cristaliza
concepções anti-Estado, supostamente “meritocráticas”.
A vida
socializada é sua contrapartida, a presença cotidiana e visível do Estado,
contrastando com o mercado. E é por aí que a esquerda tem chance de conquistar
milhões de corações que perdeu. Investindo em políticas públicas – e
abandonando a ideia de que os serviços públicos precisam funcionar à maneira do
mercado. Mudando a vida e não apenas a imagem da vida que a mídia ou conjuntos
de mídia difundem. Voltaremos a esse tema.
http://brasildebate.com.br/passado-o-vendaval-a-politica-depois-das-eleicoes-de-2014/
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