Para Charles Alcântara, há dois projetos de país em jogo: a
adesão ao neoliberalismo, proposta por Aécio e Marina, e o tensionamento
do modelo, por Dilma
Por Najla Passos, na Carta Maior
O auditor fiscal da Receita Charles Alcântara participa da Rede
Sustentabilidade desde as discussões iniciais que resultaram na sua
criação. Também foi um dos seus coordenadores nacionais e trabalhou
firme na coleta de assinaturas para viabilizar o registro eleitoral, o
que acabou não acontecendo. Esta semana, porém, decidiu retirar seu
apoio à candidatura de Marina Silva pelo PSB.
Segundo ele, a adesão da presidenciável ao neoliberalismo não coaduna
com os princípios da nova política que o levaram a apoiá-la.
Em entrevista à Carta Maior, ele declara que irá votar na presidenta
Dilma Rousseff, candidata pelo PT à reeleição. “O governo da Dilma
também cede ao receituário neoliberal. A diferença é que a Dilma não
cede a isso porque acredita na receita, mas porque não há força
suficiente na sociedade para enfrentar, para subverter este sistema.
Isso é diferente de aderir a ele com a convicção de que é o melhor
caminho, como a Marina vem dando demonstrações explícitas e efetivas que
o fez. (…) Isso significa que Marina vai apertar ainda mais, com mais
arrojo salarial e juros mais alto”, afirma.
Carta Maior – Apesar de ser um dos fundadores da Rede
Sustentabilidade e ter assumido a coordenação nacional do pretenso
partido, você retirou seu apoio à candidatura de Marina. Por quê?
Charles Alcântara - Até por dever de ofício, já que
sou auditor da Receita, é muito caro para mim saber como são alocados os
recursos provenientes da sociedade através dos impostos. Então, o
fundamento da minha crítica à Marina é justamente o fato dela ter
aderido a essa lógica neoliberal de perseguir um conceito de
“estabilidade” a um custo social muito alto. A Marina converteu-se a
esse pensamento e isso está muito evidente. Eu não sei se essa
conversação vem de mais tempo e eu não tinha percebido, mas muito
recentemente ela fez declarações muito definitivas sobre a linha
econômica que vai seguir, e isso para mim foi fundamental.
Existe um consenso na sociedade de que diminuir gasto público é um
crime. E eu não concordo com essa lógica. Não estou falando de gastos
com educação e saúde, lógico. Mas concordaria em reduzir o gasto com a
dívida pública, por exemplo, que é sagrado, intocado. É o maior gasto do
país e o maior responsável pela desigualdade social. Mas, em nome do
famigerado superávit primário, quase um deus para os neoliberais, se
tira recurso das áreas primárias para saldar a dívida pública. E quando a
Marina se propõe a fazer isso e ainda critica a Dilma por desarrochar a
política econômica, significa que ela irá apertar ainda mais, com mais
arrocho salarial, jutos mais altos e etc.
Então, ela precisa pelo menos dizer para a sociedade, para quem ela
está pedindo apoio e voto, que há um custo alto desta medida. E não
fazer como o Aécio, que diz que não se furtaria a tomar medidas amargas,
mas, quando perguntado, não responde quais medidas são essas. Quem está
pedindo o voto das pessoas precisa ser honesto com elas. Precisa dizer
que medidas amargas são estas. E, principalmente, amargas para quem. A
Marina não fala em medidas amargas, mas o discurso é o mesmo do Aécio:
apertar no tripé, institucionalizar a autonomia do Banco Central. Isso,
definitivamente, me impede de continuar com ela.
CM – Na Rede sustentabilidade, vocês chegaram discutir que modelo econômico apoiar?
CA - Sou fundador da Rede, participei inclusive das
discussões que levaram a sua criação, compus a primeira coordenação
nacional e fui porta-voz da Rede no Pará. Mas as discussões a este
respeito foram muito embrionárias, porque estávamos muito focados em
conseguir as assinaturas para ter o registro da rede. Não chegamos ao
ponto de discutir programa da Rede, porque sequer tínhamos um partido. O
que discutimos foram princípios estatutários da Rede, princípios para a
antecipação de uma eventual reforma política. Havia indícios de
discussão programática, e eu já me posicionava internamente, desde
aquela época, contra qualquer inclinação da Rede de sustentar as
formulas neoliberais. Eu tensionei internamente, inclusive com
documentos, já propondo desde aquela época um seminário da Rede sobre
programa econômico. Tudo bem levarem o Eduardo Gianette e o André Lara
Rezende [economistas identificados com o receituário neoliberal tucano],
mas eu queria que levassem também economistas de outras escolas. Porque
não dá para discutir apenas com o “pensamento único”. Acontece que,
quando houve o indeferimento da Rede em outubro e, logo em seguida, a
decisão de aliança com o PSB, eu divergi e me afastei da coordenação da
Rede. Então, eu não tenho elementos para dizer como se deu o debate
interno entre Rede e PSB.
CM – Por que você divergiu da decisão da Rede de se aliar com o PSB?
CA - Eu achei que a Marina deveria manter-se sem
partido, que isso tinha mais coerência com a nova política. Tudo bem,
ela não seria candidata, mas não se faz política só seno candidato. Você
faz política emitindo sua opinião. A Marina poderia exercer um papel
político importante no cenário nacional, ela é uma liderança nacional,
mesmo não disputando a eleição e até mesmo denunciando a forma como a
Rede foi indeferida por um excesso de preciosismo do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). Na minha avaliação, o PSB não representa a nova
política. No Pará, por exemplo, é um partido familiar, que passa de pai
para filho. Eu não tinha a menor condição de acompanhá-la no PSB. Até
porque eu não iria me reconhecer naquele partido. Então, eu divergi e me
afastei. Mas sem fazer alarde, sem fazer um debate público. Mas, apesar
disso, eu estava inclinado a apoiá-la. Acontece que tem coisas da velha
política de que não abro mão, como a convicção. Porque pra defender uma
candidatura, é preciso acreditar nela. É fundamental que não seja por
conveniência, por adesismo, por cálculo político.
CM – Um possível governo Marina pode ser melhor para a maioria do povo brasileiro do que um segundo mandato de Dilma?
CA - Eu tenho profundas críticas ao governo Dilma.
Mas eu não posso negar que é um governo extremamente includente, que
melhorou a vida de milhões de brasileiros que vivam esquecidos pelos
governos anteriores. Não que isso seja suficiente para mudar a
desigualdade que marca nossa sociedade. O governo da Dilma também cede
ao receituário neoliberal. A diferença é que a Dilma não cede a isso
porque acredita na receita, mas porque não há força suficiente na
sociedade para enfrentar, para subverter este sistema. Isso é diferente
de aderir a ele com a convicção de que é o melhor caminho, como a Marina
vem dando demonstrações explícitas e efetivas que o fez. Ela critica a
Dilma justamente por não ter aderido ao neoliberalismo como ela acha que
deveria. Ora bolas, isso quer dizer que Marina vai apertar ainda mais,
apesar de não ser honesta o suficiente para admitir isso para a
sociedade.
CM – Sua crítica à Marina é fundamentalmente econômica?
CA – Sim. Outra coisa que me tocou profundamente no
discurso da Marina foi essa história de que ela vai reunir todas as
pessoas de bem na mesma mesa pra discutir o Brasil. Porque, pela
primeira vez, a Marina disputa uma eleição com condições de ganhá-la. É
isso é diferente da eleição passada, quando ela estava em terceiro
lugar. Ela está mais exposta, sujeita a mais questionamentos, sendo
submetida a uma bateria de questões que não foram perguntadas antes. E
não dá para unir todas as pessoas de bem no mesmo projeto. Não me parece
uma coisa de quem está, de fato, sintonizada com nossa realidade social
e política. Não há como governar sequer um condomínio sem contrariar
interesses. Imagina um país complexo, com uma série de conflitos e
tensões. Não tem jeito. Os interesses dos banqueiros não são
convergentes com os interesses de quem está atravessando dificuldades,
de quem precisa de saúde pública, de quem carece de mais qualidade na
educação. Não tem como. É uma coisa ecumênica demais para mim. E não é a
religião que vai governar o país. Se eleita, ela vai ter que governar
com o Sarney [ex-presidente do PMDB], com o Renan [Calheiros, presidente
do Senado, também do PMDB]. Ou ela acha que não vai? Ela já está com
Heráclito e Bornhausen, dois legítimos representantes da velha política.
E vai ter que ceder cada vez mais. Aliás, já cedeu para o Malafaia [o
pastor que preside a Assembleia de Deus], e nem governa ainda.
CM – Sua posição teve impacto entre seus companheiros da Rede? Já recebeu manifestações favoráveis ou contrárias?
CA - Eu até me surpreendi. Não sou uma figura
pública, embora seja conhecido da militância pelos espaços públicos que
ocupei no governo Ana Júlia [ele foi secretário da Casa Civil da
governadora do PT no Pará] e como sindicalista da área do Fisco [foi
presidente do Sindfisco Pará e hoje é diretor da Fenafisco]. Eu
publiquei um texto no meu Facebook para justificar minha posição, e
fiquei muito surpreso com a repercussão disso entre muitos companheiros e
jornalistas. Recebi as manifestações de muitos militantes
intermediários da Rede, digamos assim.
Alguns discordaram de mim, mas uma parte concordou comigo e já está
desembarcado. Eu não tive a pretensão de convencer ninguém. Não
convoquei ninguém pra discutir posição coletiva. Foi uma posição
solitária em um espaço meu. Quem quiser concordar, concorde. Quem quiser
discordar, discorde. Quem quiser me atacar, me ataque. Tudo isso faz
parte. Mas várias pessoas estão concordando comigo.
CM – A Marina vinha afirmando que permaneceria no PSB somente
até a Rede conseguir o registro eleitoral. Essa semana, porém, ela
voltou atrás e disse, na sabatina do G1 que, se eleita, vai ficar no PSB
até o final do mandato. Como você vê o futuro da Rede sem sua principal
líder?
CA - Eu não sabia disso, mas prefiro não opinar
sobre o futuro da Rede, porque ainda está tudo muito confuso. Agora, o
mais importante é nos concentrarmos nas eleições, é percebermos que, a
grosso modo, tem dois projetos disputando o país: um genuinamente
neoliberal, que é o de Marina e o de Aécio, e um outro que conflita com o
modelo neoliberal, que é do da Dilma. Um projeto que também está
amarrado com o neoliberalismo, porque é isso o que quer nossa sociedade,
mas que tenciona com ele. Ao mesmo tempo que adere, também nega. Então,
tem uma relação conflituosa com ele.
CM – Você vai votar na Dilma?
CA – Então, o próximo passo é decidir… Aliás, eu vou
sim. E te digo isso em primeira mão. Eu saí do PT em 2010, mas uma das
coisas mais lamentáveis que considero na nossa sociedade é este
sentimento antipetista. Uma coisa tão absurda, doentia. Eu não sou
antipetista, mas ex-petista. Não tenho nenhuma relação de mágoa ou
ressentimento com o partido. Pelo contrário. Minhas divergências com o
PT se deram no campo político. Eu deixei no partido muitos amigos,
pessoas admiráveis que eu respeito e que eu sei que querem construir um
país melhor, um mundo melhor.
Então, eu não tenho nenhum constrangimento
em declarar meu voto à Dilma. Ao contrário, eu ficaria constrangido de
continuar com Marina nessas condições. Eu ficaria envergonhado de
continuar com ela sem acreditar, embora respeite sua pessoa.
http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/09/fundador-da-rede-sustentabilidade-declara-voto-em-dilma/
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