Por Johnny Gonçalves no Blog de Luis Nassif
Já vou avisando: este texto é meio
comprido. Se você é daqueles que não conseguem ler qualquer coisa com
mais de vinte linhas, procure fazer uma forcinha. Vou tentar o possível
para não complicar. Se as suas forças estão fracas pra isso, ainda mais
para pensar em temas horrorosos como política e economia, volta para o
facebook, ninguém vai ficar magoado, de vez em quando eu também vou pra
lá.
Dizem que a oposição não tem projeto de
governo. Discordo. Projeto eles têm. O problema de Aécio Neves – e
aderentes – é que eles defendem um produto vencido. Vou falar um
pouquinho sobre esse projeto/produto mais à frente. No caso, a palavra
vencido pode ser aplicada em dois sentidos: vencido porque ultrapassado,
com data prescrita, como um remédio velho e amargo que ficou no fundo
da gaveta; e vencido, também, porque já exposto em três eleições
presidenciais e sucessivamente rejeitado pelo eleitor brasileiro.
O importante agora é perceber que tudo
parece ausência de projeto porque a oposição se envergonha dele, daí
defendê-lo com meias palavras, em linguagem cifrada. Dia desses, por
exemplo, o candidato tucano reuniu-se com a nata do empresariado
brasileiro e disse que, caso eleito, adotaria medidas impopulares. Bati
três vezes na madeira. A tal da nata presente aplaudiu com efusividade.
Lógico, as tais medidas impopulares, como o próprio nome diz, valeriam
apenas para o povo, um grupelho abjeto ao qual não pertencem, portanto
nada a ver com eles. Vou escrevendo e percebo que me saem umas palavras
irritantes para os tucanos. Povo é uma delas, tucano é outra. Tem um
jornal que não aceita o termo tucano. Pelo menos não aceitava. Faz tempo
que deixei de comentar por lá. A gente precisava escrever tu.ca.no,
assim, separado por pontinhos, senão o filtro moderador (?) tesourava.
Ora, o tucano é o símbolo do PSDB. Eles passaram a se envergonhar da
própria marca. Do produto, então, nem se fala. Sem marca e sem produto,
parece que não têm projeto. Só que têm.
O modelito proposto por tucanos – e
aderentes – chama-se neoliberalismo. Quando a gente usa essa palavra, os
caras também piram. Pior pra eles. Aí é que a gente usa mais ainda o
chulo da política.
Afinal, não somos tão bonzinhos assim. Todo mundo
sabe que a verdade pode doer, principalmente quando ela desenterra
velhos fantasmas do passado, sofrimentos que foram esquecidos desde a
passagem do século. Neoliberais empedernidos, neoliberais relutantes,
neoliberais e ponto. Se a gente chamar essas pessoas apenas de liberais,
tudo bem, aceitam numa boa. Alguns lembram-se orgulhosos de Adam Smith,
David Ricardo e até de Hayek. Chiques. Mas, se botarmos o “neo” na
frente, ficam tiriricas da vida. Não que isso signifique lhes atribuir
alguma deficiência de caráter. No meio dessa turminha, tem gente bem
intencionada, mas que resiste bravamente a qualquer tipo de mudança.
Falo aqui da mudança verdadeira, que mexe com os brios de classe,
diferente daquela proposta pelo rei no Gatopardo de Lampedusa (já leu?),
em que se deve mudar para que tudo continue igual.
Boa parte dessa gente bem intencionada
que odeia o atual governo petista (ressalve-se aí uma contradição entre
ódio e boa intenção) insere-se no perfil denominado conservador, outra
palavrinha incômoda. Além de ser um rótulo besta, ninguém quer mostrar o
desejo de conservar nada, já que vivemos na era das revoluções vazias.
Quando anéis reluzentes estão em jogo, então, é melhor não dar bandeira.
A outra parcela dos bem intencionados – constituida principalmente por
jovens de pouca leitura - não sabe muito bem o que quer, apenas segue
tangida como gado pelas manchetes azedas da grande mídia. Somos
náufragos desorientados na superfície de cacos flutuantes denominada
internet. Sofremos da comichão perturbadora dos tempos modernos. Uma
raiva funda e inexplicável, você sabe como é. No meio de campo, entre
uns e outros, fulgura a tal da velha mídia.
Esta, sim, sabe muito bem o
que quer: identifica-se com o primeiro grupo, de fato é integrante do
mesmo, conhece as ferramentas sofisticadas da ilusão, domina a arte de
persuadir.
Mas, em termos práticos, no que consiste
o projeto neoliberal? Basta rever o filme ou, para quem é novinho e
está boiando, basta assistir pela primeira vez. O que foi feito nos anos
90 em nosso Brasil varonil? Basicamente, o país saía de uma longa
ditadura que mantinha a renda concentrada a ferro e fogo, deixando uma
herança perversa chamada inflação. Era preciso combater o monstro. O
método aplicado foi “lampedúsico”: mudar para deixar tudo igual – ou até
pior.
Diziam: o problema está no tamanho do
Estado, que é gastador e ineficiente. Empresas públicas passaram a ser
execradas, a sociedade precisava de liberdade para o empreendimento
individual, urgia uma nova liberdade (daí o termo neoliberal) que
expurgasse as interferências do Estado corrupto. Compramos a fórmula. A
bem da verdade, importamos a fórmula. Sabe aquele esmalte de unha que a
apresentadora platinada recomenda nos comerciais de televisão, mas não
usa? Foi assim.
Todos os países tidos como desenvolvidos possuíam Estado
forte, mas o nosso tinha que ser mínimo. E para ser mínimo, tinha que
arrancar pedaços. Vieram as privatizações e desregulamentações.
Caramba,
este texto está se transformando numa fileira de palavrões horríveis. Os
pedaços do Estado foram arrancados e entregues para aqueles mesmos que
defendiam sua redução. As amarras sufocantes da lei foram afrouxadas,
para não atrapalhar. No frigir dos ovos, vendemos quase tudo aquilo que
nossos pais e nossos avós construíram com tanto suor. Ficamos quase
pelados, tudo em nome da tal liberdade, e tudo para fazer caixa, uma vez
que o passivo da nação era imenso. Só que vendemos as chamadas joias da
coroa por um precinho camarada, mas não adiantou, saímos com roupa de
mendigos. O tal espírito empreendedor não desabrochou e o caixa do governo
afundou no vermelho. O FMI mandava fazer a lição de casa, o noticiário
falava toda hora em remédio amargo.
Por quê?
Aí entra a parte mais interessante do
projeto neoliberal-tucano-conservador. Putz, nessa hora vejo alguns dos
meus leitores imaginários franzirem o cenho e encerrarem a leitura,
contrariados. Sem problema, vamos em frente. Para baixar a inflação, os
caras precisavam reduzir o consumo. Dizem os sábios que quando a oferta
de produtos não é suficiente para atender a demanda (procura), os preços
sobem. Como reduzir o consumo? Isso é fácil: basta reduzir os salários.
Sem grana, ninguém compra nada. Nos dias de hoje, o consumismo é
desbragado. Serve até para aplacar as nossas angústias. A turminha que
ontem defendia os baixos salários reclama hoje do consumismo, e olha que
se dizem capitalistas! Não veem que ainda tem muita gente para entrar
na festa. Tem muita gente que ainda lava roupa no tanque, que esquenta
comida na lenha, que não tem casa, carro e sapato bonito. A ideia de que
o consumo é um erro do governo parte daqueles mesmos que consumiam nos
tempos de Fernando Henrique e continuam a consumir hoje, dos mesmos que
viajavam confortáveis em seus aviões, sem a companhia repelente da
plebe. Falar de aumento do salário mínimo, para eles, significa aumentar
o gasto público, um horror. Foi o que fizeram nos anos 90. Assim, o
salário não aumentava nem a pau, Juvenal.
Outra maneira de reduzir o consumo é
aumentar os juros. Quando o salário está apertado, quase todo mundo
arruma um jeito de descolar um empréstimo para comprar o carrinho em
suaves prestações. Se os juros sobem, o bicho pega, pois a prestação não
cabe no pequeno salário. Aquilo que os mercados chamam de política
contracionista deixa um efeito colateral terrível: os mais ricos,
aqueles que conseguem juntar bastante dinheiro, deixam sua grana
aplicada a juros altos e ficam ainda mais ricos. Só eles podem receber
as suas bolsas, disfarçadas com o nome pomposo de taxa Selic.
Com salários baixos e juros altos, a
economia do país vai esfriando. As empresas não vendem, não investem em
novas máquinas para produzir mais, os lucros diminuem. Adivinhe o que
acontece? As empresas demitem seus trabalhadores. Ocorre algo que,
felizmente, já estamos esquecendo: o desemprego. O Brasil vive hoje uma
situação de pleno emprego. Falta mão de obra qualificada para preencher
as vagas. Ontem mesmo, ouvi no rádio que empresas brasileiras estavam
contratando haitianos para trabalhar na construção civil e em
restaurantes. Nos tempos de Fernando Henrique, a coisa fedia. Não havia
emprego nem a pau, Juvenal.
Já deu para perceber que, com salários
arrochados, negócios em baixa e desemprego galopante, a inflação pode
até cair, mas a vida se torna um inferno. Até o Maluf, que é um cara
antiquado e conservador, dizia que é preciso pedalar para que a
bicicleta fique de pé. Os resultados das políticas neoliberais dos anos
90 foram malignos. Uma verdadeira desgraça. O Brasil ficou sem
patrimônio, sem reservas, com uma dívida gigante e uma inflação latente
(com Plano Real e tudo o mais, Lula assumiu o governo e pegou 12,5% de
inflação – hoje está pela metade e o pessoal reclama). A tal herança
maldita (novamente eles piram) significou índices de desemprego
assustadores, renda concentrada, muita pobreza e o escambau. No fim das
contas, os brasileiros ficaram de saco cheio. Já podiam votar mesmo,
botaram os tucanos pra correr, resolveram encarar o metalúrgico de nove
dedos e o país deslanchou.
Falar que deslanchou tem um pouco de
exagero, pois ainda existem grandes dificuldades. Tudo tem que ser
negociado arduamente, pois vivemos a chamada democracia de coalizão, uma
verdadeira bosta. Para conseguir tocar adiante os projetos de governo,
tem que ceder muito. Se não ceder, já viu, volta pra casinha. Pra levar
um projeto que é exatamente o oposto de tudo o que falei acima, tem que
aguentar o PMDB, o PP, o PR, a Rede Globo, o Álvaro Dias e o diabo a
quatro. Teve que fazer Carta aos Brasileiros. Teve que, no início,
nomear como presidente do Banco Central um tucano de carteirinha. Apesar
dos solavancos, a renda do brasileiro cresceu, o desemprego
praticamente sumiu, a fome desapareceu do Jornal Nacional. A miséria
absoluta está quase extinta.
Restou o discurso oposicionista contra a
corrupção, como se a oposição não abrigasse corruptos, como se a
corrupção fosse um problema recente. A maioria dos brasileiros desconfia
desse discurso eivado de hipocrisia. Não que concorde com a
roubalheira. Ela vê as notícias na TV falando de desvios de dinheiro,
fica indignada, mas sabe que isso é conversa pra boi dormir. Não fique
puto com corrupção se você já deu um dinheirinho para tirar a carteira
de motorista, se você molhou a mão do fiscal da prefeitura, se corrompeu
o policial rodoviário, se ficou quieto com um troco errado a seu favor,
se trafegou pelo acostamento. O PT também não é perfeito. É feito de
seres humanos como você. Existirá um governo perfeito? Difícil, né?
A diferença está no projeto, na maneira
de ver o mundo, uma questão ideológica, até o Cazuza falava nisso. Vão
dizer que é tudo a mesma coisa, que esquerda e direita não existem. Só
que sim! Se você acha que direita e esquerda não existem, ou ainda não
estudou bem o assunto, ou é de direita. Basicamente, a direita diz que é
preciso primeiro crescer para depois distribuir. A esquerda tenta fazer
o contrário. Um lado acha que o individual é mais importante, o outro
acha que é o conjunto. Essas visões de mundo já nascem conosco, são
difíceis de mudar. Tudo é parte de um processo civilizatório, que busca
lentamente domesticar aquilo que o sócio-biólogo Richard Dawkins (já
leu?) chamou de gene egoísta. Ainda somos todos macacos. Existe esquerda
e direita, existe o muro e até o ET de Varginha. São estas visões que
estão em jogo. O que você prefere?
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