Do Observatório da Imprensa
Por Luciano Martins Costa
Na quarta-feira (14/5), a menos de um
mês do início da Copa do Mundo, a imprensa oscila entre dois pontos
contraditórios: num deles, parece apostar no recrudescimento de
conflitos que poderiam colocar em risco o sucesso da festa internacional
do futebol; no outro, precisa que a sociedade vista a camiseta da
seleção nacional, para manter vivo o mito heroico do esporte e continuar
faturando com a publicidade.
Exemplos desse movimento ambíguo podem
ser vistos em fragmentos do noticiário econômico, na política e até
mesmo no jornalismo cultural ou de entretenimento. Selecionamos, por
exemplo, uma reportagem do Estado de S. Paulo, na qual se lê que a média
dos salários nos doze meses até março subiu 8,2%, acima da inflação do
período, que foi de 6%.
Trata-se de um paradoxo para a
imprensa, mas de um resultado lógico para quem enxerga a política
econômica com olhos curiosos, sem os antolhos do dogmatismo liberal. O
desemprego segue abaixo da linha histórica, os salários nominais ganham
da inflação, e isso compõe basicamente o atual modelo brasileiro,
explicando por que a maioria do eleitorado teme uma mudança radical
desse cenário.
Também no Estado, o leitor encontra
nova atualização do indicador IED, de Investimento Estrangeiro Direto,
onde se lê que, nos primeiros quatro meses do ano, foram realizadas 235
grandes fusões e aquisições no Brasil, média 21% superior à do mesmo
período no ano passado. Não se trata de especulação, mas de dinheiro
investido diretamente em produção. Por que será que o apetite de
investidores estrangeiros por negócios no Brasil segue alto?
Na Folha de S. Paulo, destacamos uma
entrevista com o economista francês Thomas Pikerty, autor do livro O
Capital no século 21, a ser lançado até o final do ano em português. Sua
obra, na versão em inglês, há quase dois meses entre os cem livros mais
vendidos da Amazon, está em segundo lugar entre os best-sellers, atrás
apenas de um romance para adolescentes. Suas ideias estão mudando a
maneira de pensar a economia e a sociedade, e o núcleo de seus estudos
coincide em grande parte com os preceitos da política econômica adotada
pelo Brasil na última década.
O rock errou
Agora, imagine o leitor ou leitora
dotados de senso crítico, como fica a cabeça do cidadão que toma as
manchetes da imprensa como retrato fiel da situação do Brasil.
Não erra quem afirmar que o público
típico da mídia tradicional acredita que o país está afundando, embora a
realidade mostre que a circunstância atual é melhor para a maioria,
aqueles que vivem do seu trabalho, embora ainda restem muitos problemas
estruturais a serem resolvidos.
Como disse a empresária Luiza Helena
Trajano, dona do Magazine Luiza, há cerca de dois meses, durante debate
num programa de televisão, não se trata apenas de olhar o copo “meio
vazio” ou “meio cheio”: trata-se apenas de enxergar ou não enxergar
aquilo que está diante do nariz.
Com todas as turbulências a que estão
submetidas as economias nacionais no contexto global dos negócios, a
situação do Brasil não pode ser descrita como catastrófica, como fazem
supor as manchetes. A realidade está bem escondida em reportagens que
nunca vão para a primeira página, como as que citamos há pouco.
E por que razão os jornais demonstram
diariamente essa opção preferencial pelo catastrofismo, se, afinal, um
estado de espírito derrotista prejudica até mesmo os negócios das
empresas de mídia? Porque os editores sabem que os fundamentos da
economia são apenas parcialmente afetados pelo noticiário: os grandes
investidores não costumam tomar decisões por notícia de jornal.
O interesse do noticiário negativo é o
de influenciar o cidadão comum, o eleitor, e fazer com que ele
manifeste nas urnas um desejo de mudança que foi insuflado diariamente
pela imprensa. Simples assim.
Nesse jogo, entra até mesmo a produção
cultural e de entretenimento. Veja-se, por exemplo, a extensa
reportagem do Globo sobre a volta à cena da banda de rock Titãs, com
chamada na primeira página sob o título “Um retrato pesado do Brasil”.
Na entrevista do lançamento de um novo disco, o guitarrista e compositor
Tony Bellotto repete o refrão e afirma (com o perdão pela expressão):
“É uma merda pensar como o Brasil há 30 anos ou patina, ou piora”.
Ora, o Brasil de hoje é muito melhor
do que há 30 anos, mas na sua ignorância ruidosa, o roqueiro faz coro ao
discurso da imprensa, que procura incutir no brasileiro um sentimento
de automenosprezo.
Funciona assim.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_mensagem_insidiosa_do_catastrofismo
Nenhum comentário:
Postar um comentário