O Brasil tem assistido a surtos agudos de
primitivismo político. O fenômeno não é de direita nem de esquerda, não é de
oposição nem de situação, não é conservador nem progressista. Merece outro
adjetivo porque não aceita, por princípio, a política democrática e as regras
do jogo constitucional.
Esforça-se em corroê-las o tanto quanto pode. Não está
disposto a discutir ideias e propostas à luz de fatos e evidências, mas a
desqualificar sumariamente a integridade do seu adversário (e, assim, escapar
do ônus de discutir propostas e fatos). Cheio de convicções, é surdo a outros
pontos de vista e alérgico ao debate. Não argumenta, agride. Dúvidas seriam
sinais de fraqueza, e o primitivo quer ser tudo menos um fraco. Suas incertezas
ficam enrustidas no fundo da alma.
Há muitos exemplos desse surto. Aos interessados
num curso relâmpago sobre essa patologia, serve qualquer entrevista de um
folclórico deputado do PP (...)
O parlamentar do PP é a expressão mais caricata,
se não repugnante, do primitivismo. Fosse apenas um lembrete pedagógico de um
país que um dia existiu, ou representasse só um reduto de filhos bastardos da
ditadura, não causaria maior dor de cabeça. Mas quando notamos que ele é somente
a versão mais antipática de um Brasil que ainda nos espreita da esquina, ou de
uma mentalidade que continua a se manifestar nos jornais, na família e no
trabalho, é sinal de que o confronto não pode ser evitado. Há muito em risco
para ficar em silêncio.(...)
Incomodam ao bolsonarismo os padrões de decência
política, os direitos fundamentais e os compromissos de mudança social
pactuados pela Constituição de 1988. Esse pacto constitucional, entretanto, é
um ponto de partida inegociável e não está aberto a reconsideração. Se pensa
que nem todos merecem direitos, não entendeu bem o que são direitos. (...)
Um dos desafios para a sobrevivência da
democracia é alijar as ideias que atacam a sua própria condição de existência.
E como alijá-las sem suprimir a liberdade de expressão? Há pelo menos dois
caminhos complementares.
Primeiro, pela construção e manutenção de uma
esfera pública vigilante que defenda e rotinize práticas democráticas, algo que
depende da educação política praticada por escolas, jornais, instituições
culturais, organizações não governamentais (ONGs), etc. Práticas que seriam
facilitadas, por exemplo, pela multiplicação de espaços públicos nas cidades,
onde se possa conviver com a diferença e apreciar a pluralidade brasileira.
CONRADO HÜBNER MENDES
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,refens-do-bolsonarismo,1140280,0.htm
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