sábado, 29 de dezembro de 2012

Mensagem para 2013

Desejo um feliz 2013, com as reflexões do belo artigo de Juremir Machado da Silva:

O anarquismo epistemológico como voto de feliz ano novo

“O anarquismo epistemológico difere tanto do ceticismo quanto do anarquismo político (religioso).

Enquanto o cético vê tudo como igualmente bom ou igualmente mau ou desiste completamente de formular juízos dessa espécie, o anarquista epistemológico não sente escrúpulo em defender o mais banal ou o mais afrontoso enunciado. Enquanto o anarquista político ou religioso pretende afastar certa forma de vida, o anarquista epistemológico desejará, talvez, defendê-la, pois não tem lealdade permanente para com qualquer instituição, nem permanente aversão contra ela.

Como o dadaísta, a quem se assemelha muito mais do que se assemelha ao anarquista político, o anarquista epistemológico ‘não apenas não tem programa [como é] contra todos os programas’, embora, por vezes, se mostre o mais exaltado defensor do status quo ou de seus opositores: ‘Para ser um verdadeiro dadaísta há que ser também um antidadaísta’. Seus objetivos mantêm-se os mesmos ou se alteram na dependência do argumento, do tédio, de uma experiência de conversão, do desejo de impressionar a amante ou de outros fatores dessa ordem. 

Dado um objetivo qualquer, o anarquista epistemológico talvez tente atingi-lo com o auxílio de grupos organizados, talvez sozinho. Talvez recorra à razão, à emoção, ao ridículo, a uma ‘atitude de séria preocupação’ ou a quaisquer outros meios inventados pelos humanos para obter o que há de melhor em seus semelhantes. 

Seu passatempo favorito é o de perturbar os racionalistas descobrindo razões fortes para fundamentar doutrinas desarrazoadas. Não há concepção ‘absurda’ ou ‘imoral’ que ele se recuse a examinar ou acompanhar e método algum é visto como indispensável. 

Aquilo a que se opõe de maneira decidida e absoluta são os padrões universais, as leis universais, as ideias universais, como ‘Verdade’, ‘Razão’, ‘Justiça’, ‘Amor’, e o comportamento que essas ideias acarretam, conquanto não deixe de admitir que, frequentes vezes, é de boa política agir como se tais leis (tais padrões, tais ideias) existissem e como se lhes desse crédito. 

Talvez que o anarquista epistemológico se ligue ao anarquista religioso na oposição à ciência e ao mundo material e talvez que supere qualquer vencedor de Prêmio Nobel na defesa vigorosa da pureza científica, Não tem ele objeção a ver, na textura do mundo, tal como descrito pela ciência e revelado por seus próprios sentidos, uma quimera, por detrás da qual se oculta uma realidade mais profunda, e, talvez, espiritual, ou simples teia de sonhos, que nada revela e nada esconde.

Devota grande interesse a procedimentos, fenômenos e experiências do tipo relatados por Carlos Casteñeda, indicadores de que as percepções podem ser dispostas de maneira fora do comum e que a escolha de uma particular disposição ‘correspondente à realidade’, embora não sendo arbitrária (depende, quase sempre, de tradição), certamente não é mais ‘racional’ ou mais ‘objetiva’ do que a escolha de outra disposição qualquer.”
(…)

“Dessa forma, a ciência aproxima-se do mito, muito mais do que uma filosofia científica se inclinaria a admitir. A ciência é uma das muitas formas de pensamento desenvolvidas pelo homem e não necessariamente a melhor. Chama a atenção, é ruidosa e impudente, mas só inerentemente superior aos olhos daqueles que já se hajam decidido favoravelmente a certa ideologia ou que já tenham aceito, sem sequer examinar suas conveniências e limitações. Como a aceitação e a rejeição de ideologias devem caber ao indivíduo, segue-se que a separação entre o Estado e a Igreja há de ser complementada por uma separação entre o Estado a ciência, a mais recente, mais agressiva e mais dogmática instituição religiosa. Tal separação será, talvez, a única forma de alcançarmos a humanidade de que somos capazes, mais que jamais concretizamos.”

Fragmentos de “Contra o método”, clássico do físico e filósofo da ciência austríaco, naturalizado norte-americano, Paul Feyerabend, que foi professor em Berkeley, Auckland, Sussex, Yale e Londres.
*

O anarquista epistemológico não é anticientífico.
É hiper.

Pergunta sempre, ecoando o ceticismo de Agripa: o que prova que a tua prova é uma boa prova?

Vive como uma artista da desconstrução.

Não entrega nada do que é social ao olhar exclusivo de especialistas.

Só acredita na força do argumento.

Não se nega, porém, a citar especialistas, como efeito de credencial, para combater e impressionar os ingênuos ou os espertos que acreditam ou defendem isso como argumento de autoridade, ou seja, argumento autoritário.

Tem o maior interesse pela opinião dos outros.

Tem a maior dúvida sobre suas próprias opiniões.

Mas sabe separar o chute e a teoria.

Conhece os limites dos adjetivos, mas não se recusa a adjetivar os que adjetivam como respiram e depois se queixam das adjetivações sofridas.

Contra o excesso de racionalismo, defende o não-racional.

Contra a perversidade e a violência simbólica ou concreta do irracionalismo dogmático, valoriza a razão, a ciência, a argumentação e a clareza.

Contra o ideologismo disfarçado de fim das ideologias por ignorância ou má fé, não se cansa de mostrar a força ideológica no mundo e nas mentes.

Contra a ideologia como negação do demonstrável e encobrimento do provável, ataca a ideologização como falsificação consciente ou não do vivido.

Contra o bullying, pratica a autodefesa visceral.

O anarquista epistemológico diverte-se pensando por conta própria, derrubando mitos e não temendo pensar contra o rebanho.

Tampouco se recusa a seguir o rebanho quando se sente confortável e aquecido pelo calor e pela sabedoria cotidiana da massa.

Por ser assim, fiel à sua missão civilizadora e infiel a qualquer partido ou ideologia, garante a sua cota diária de insultos e elogios.

Feliz 2013!

http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=3686

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