sexta-feira, 9 de março de 2012

Pedagogia da Indignação

Paira na cidade de Salvador uma grande insatisfação com o rumo das coisas, e está disseminada nos mais diversos segmentos sociais. Sensação de degradação e abandono.

Há intelectuais já maduros bradando indignados. Alguns cerram fileiras com o movimento Desocupa Salvador. O humor ácido toma conta das conversas, é a pura verdade. Pergunto ao embalador de compras e ele mostra uma revolta intensa.

Mas há algo que espanta e aborrece mais ainda: uma passividade oceânica. Muita insatisfação, poucos que protestam e tomam alguma atitude cívica. Muitos comentários repetem uma constatação dolorosa: Ah, se fosse em tal ou qual lugar, o povo sairia às ruas em bloco...

O que vai acontecer com a cidade? Vai ser esquartejada entre a miséria que se espalha nas ribanceiras dos bairros-guetos e a explosão de especulações mil, que vão do Carnaval aos absurdos imobiliários?

Ora, esse sentimento de insatisfação não surge simplesmente por que as coisas ficaram piores, já que houve crescimento econômico e os carros hoje bloqueiam as ruas para as quais foram feitos. O nível de emprego subiu... Não se pode simplificar o cenário.

A raiz da insatisfação está muito mais na desarmonia daquilo que acontece, a sensação de que tudo pode ser convocado ao lucro - patrimônio, trânsito, carnaval, religião etc. - e os incomodados que se mudem.

A voracidade de um lado, e do outro a incapacidade de governar articulando interesses diversos na direção de melhorias do coletivo. E no meio, um tanto perdida, a população, que amarga serviços de pouca qualidade e péssima infra.

É do cansaço desse estado de coisas, desse modelo, que a insatisfação se alimenta. E a falta de alternativas, que no período de arbítrio era tragédia, agora é farsa tragi-cômica, com direito aos personagens de sempre.
Creio que também entra na equação uma espécie de raiva difusa que a população sente por se perceber meio indefesa já que incapaz de se articular para gerar transformações.

A enorme desigualdade da cidade torna difícil a congregação de segmentos díspares em torno de causas comuns. E a manutenção desse estado de coisas sempre interessou ao arbítrio, como se houvesse instituído uma pedagogia da passividade.

Vez por outra, percebe-se um certo agito no canavial, e surgem textos provocadores como aquele da Primavera, escrito por Risério. Será que teremos Primavera baiana?

Será que a população decidirá acompanhar passo a passo o que negociam nas legislaturas? Os acordos que vão mudar suas vidas e que ninguém percebe? Será que reagirá a tantas décadas (ou foram séculos) de comportamento passivo e mostrará mais uma vez que quando o povo quer consegue ser ouvido?

Exigirá seriedade com a coisa pública, análises e soluções concretas para os incontáveis problemas do cotidiano? Votará mais pela consciência do que pela conveniência - tornando sem efeito a pressão de cabos eleitorais que negociam tudo em cada bairro popular?

Estamos diante de um grande desafio: Como colocar em andamento uma pedagogia da indignação? E, sobretudo, de uma indignação produtiva, transformadora. Um processo que seja, inclusive, capaz de moldar o discurso dos que pretendem se eleger alguma coisa...

Como é que se deve construir um caminho de articulação produtiva desses sentimentos de revolta e de impotência? Salvador descobre duramente que o tanto de democracia que teve até hoje não foi suficiente para tanto.

Qual a solução de imaginário capaz de responder a esse desafio? (Não temos Olimpíadas como o Rio, para unificar metas e atitudes...). Não queremos ficar naquela perigosa situação onde uma gota d'água provoca inundação, ou continuar indefesos diante dos que pretendem apenas levar vantagem.

Há nessas perguntas um potencial enorme de energia política - e um desafio especial para todos os que estão pensando o ano eleitoral. Uma pedagogia da participação cívica, no caso, necessariamente, indignada e transformadora.

O que acontecerá em Salvador?

Paulo Costa Lima

Um comentário:

  1. Vasny Pinto Codispoti11 de março de 2012 às 19:41

    Muito interessante este comentario, sou de acordo com a pessoa que escreveu...

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