quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Gil setentão

Existe essa história de que o tempo dá sabedoria, serenidade, equilíbrio..
Caetano diz que quem não morre fica velho. E quem fica velho amadurece, passa a ter mais escopo, mais visão, mais clareza, quietude.

Mas isso é bom para o criador? A voracidade não lhe faz falta?
Isso cria uma rarefação da atmosfera criativa. Na juventude, a atmosfera é densa, saturada de paixão, interesse, tensão, desejo permanente de apropriação da poesia, da música. Não sei se o jovem cria melhor, mas cria mais. O tempo tira a sauna a vapor, não há mais aquele desafio.

A sauna não lhe faz falta?
Olha, para lhe ser sincero eu até gosto mais hoje, eu me preparei para a velhice. Eu venho ficando velho há muito tempo, me preparo para a velhice, me preparo para a morte, coisas que não interessam a muita gente.

Se prepara para a morte?
Entro com tranquilidade em cada novo portal da vida, sendo que a morte é o último deles. Você entra em um, em dois, três, quatro, cinco... A morte é o último e faz parte da vida.

Vejamos na hora...
(Risos) Ah, na hora é outra coisa. Digo lá na última estrofe daquela música (Não Tenho Medo da Morte), como é? (Repórter cantarola "Se Eu Quiser Falar com Deus"). Não, não é essa. Essa é sobre Deus, Não Tenho Medo da Morte é sobre mim. Não tem Deus nenhum na história (risos). "Naquele instante então, sentirei quem sabe um choque, um piripaque, um baque, um calafrio ou um toque. Coisas naturais da vida, como comer, caminhar. Morrer de morte matada, morrer de morte morrida, quem sabe eu sinta saudade, como em qualquer despedida..." Isso é lindo. Só na hora que vou ver. Quem sabe eu sinta saudade, como em qualquer despedida...

E você continua não dando a mínima para o que está lá do outro lado...
Sim, porque o que está lá do outro lado não nos diz respeito. Por isso é que digo que não tenho medo da morte, mas sim medo de morrer, porque morrer é ato, me dirá respeito, estarei envolvido naquilo. "Terei que morrer vivendo, sabendo que já me vou."

A felicidade produz menos?
Sei não, os momentos de júbilo são muito generosos, eles mexem com a fantasia. Me deram muita música de festa, muita celebração.

Mas não foram nos anos de ditadura, de sofrimento coletivo e social, que formou-se uma escola de grandes metáforas? Devemos à ditadura a qualidade poética de nossas letras?
Sim, pelo menos em uma boa parte. Eu, Caetano, Chico, Edu Lobo, Vandré, Gal, Rita Lee... Vá botando nome nisso aí. A gente tinha de criar os simulacros disso e daquilo, as metáforas, a gente tinha que ficar ali fazendo o trabalho que o publicitário faz. Como é que doura essa pílula, como é que fala da revolta sem dizer o nome dela, como falar da indignação sem levantar suspeitas?

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