sábado, 4 de junho de 2011

Se você está indignado, buzine

Por Marcelo Carneiro da Cunha

Desde a minha majestosa laje em Pinheiros, estendo o ouvido e o que predomina ao fundo são brados e brados de indignação cívica contra tudo isso que está aí. Afinal, essa é a época dourada para quem sente que o mundo está perdido e que tem justamente a solução pra desentortar o pepino, não? Nossa época, estimados leitores, apresenta o indignado ao trombone, hoje, na forma poderosa das redes sociais que nos invadem. Você sente algo que o mundo precisa saber? Sem problemas, basta tuitar que a galáxia escuta. Tem a cura para a paralisia mental que assola o planeta? Um mail enviado para as pessoas certas - todos os milhões delas que nunca viram você mais gordo - e pimba, suas ideias estão espalhadas - mesmo que nem todos apreciem spams -, exceto os tão importantes quanto os seus.

Agora, de que serve essa explosão demográfica das expressões de ira? Sua raiva incontida por todos aqueles políticos que você também ajudou a enviar a Brasília muda alguma coisa? Sua incapacidade de ler com calma até o final o que está escrito ou falado diante da você auxilia a quem quer que seja na tentativa de construção de algo parecido com um diálogo? Você lê depois, ou antes de ler?

Vocês devem ter notado que nos últimos tempos, o sujeito nem abre a boca e já vai apanhando de algum lado. O problema não é a crítica. A gente pode criticar o quanto quiser e o que quiser, mas isso significa que a gente deve justificar essa crítica, e não simplesmente partir pro descalabro por hábito. Eu recebo emails dizendo, por exemplo, "Essa sua coluna foi a coisa mais idiota que eu li nos últimos tempos". Ok, deve ser. Mas, quantas coisas idiotas você leu nos últimos tempos, para eu poder avaliar a com o que eu estou sendo comparado, pra começo de conversa?

A intenção da democracia é podemos trocar ideias sem bordoadas, o que nos permite compreender melhor o que nos cerca. Mas abrimos mão dessa riqueza em troca de uma indignação imediatista e empobrecedora. Você provavelmente não faz ideia do que realmente esteja acontecendo lá no distante Pará, mas é a favor ou contra Belo Monte. Se for ambientalista, é contra. Se for desenvolvimentista, é a favor. Na verdade, você precisa de eletricidade tanto quanto eu, mas está disposto a um real debate sobre o tema? Está preparado para discutir nuclear versus hidro, versus biomassa, versus solar ou eólica?

A corrupção no Brasil atingiu níveis sem igual e você quer colocar fogo no Congresso. Você compara o Brasil com o que, como, a partir de quais referências? Nossas escolas públicas são um desastre. Mas desastre mesmo era o Brasil sem elas, ou o Brasil de até uns 20 anos atrás, não? Por outro lado, se você quiser discutir mesmo o retorno que esse caro e ineficiente sistema educacional oferece em troca do que a sociedade nele investe, você vai ter um debate ou vai ser vítima de uma crucificação?

Eu vivo em uma república laica. Tá lá na Constituição, podem ver. Então por que eu, ou meu governo, precisamos dar bola pra indignação daqueles pastores e bispos todos berrando com uma bíblia na mão? Você está preparado para discutir de verdade a homofobia, o aborto, o casamento gay, a produção de etanol ou de comida, a liberação da maconha ou do diesel com menos de 50 ppm? O que significou de verdade o regime militar? O horror dele nos livrou do projeto dos stalinistas para o país? Que custo pagamos por essa liberdade? Havia uma real alternativa? Sermos governados por vinte anos pelos amigos do Bolsonaro representou um custo menor do que o de uma ditadura stalinista?

A Argentina sabe o custo que pagou para se livrar da sua ditadura e ele foi o de perder a guerra das Malvinas. Nós somos capazes de fazer a nossa contabilidade? Você é?

Eu li, e faz sentido, que os indignados usam a sua indignação como forma de superioridade moral. Algo como, "Sou um cidadão melhor, um homem superior porque sou contra isso tudo que está aí. Não assino em baixo e reclamo, mesmo que para o vento".

O fato é que gritar é moleza, enquanto fazer algo que funcione se torna a coisa mais difícil do planeta. Se você tem realmente algo a dizer, provar, sugerir, com metas, métodos e capacidade de reflexão embutidos no seu pensamento, seja muito bem-vindo ao mundo. Se tudo que você tem é uma buzina, por favor, mantenha distância. Já sabemos da sua existência, escutamos o som que vem daí e ele, por não propor nada de útil, mas abusar do volume não é, não poderia ser bem-vindo em qualquer lugar tão apreciador do que é sensível e sensato quanto as nossas vidas deveriam ser.

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