domingo, 15 de agosto de 2021

Conservadorismo X Progressismo em vestimentas

O que foi a 'grande renúncia masculina', curiosa consequência da Revolução Francesa
bbc.com | 15 de August de 2021

Liberdade, igualdade, fraternidade… e uma grande renúncia, em um aspecto da vida cotidiana que nem sempre é associado imediatamente à Revolução Francesa.

Como Paris foi o epicentro desse terremoto social, não causa surpresa que as ondas sísmicas sacudissem um mundo onde a cidade ditava as regras: o da moda.

Ao longo da história, homens e mulheres no Ocidente usaram roupas e acessórios de luxo para denotar status.

Tecidos luxuosos, cores vivas, joias cintilantes, perucas enormes... um visual extravagante e pouco prático costumava ser usado para mostrar o quão rica era uma pessoa.

Mas a Revolução Francesa estourou e tudo mudou, inclusive sociedades como a britânica, em que a aristocracia rejeitava a destruição do seu modo de vida no outro lado do Canal da Mancha.

Nada parecidos com a nobreza
A mudança já havia começado com o movimento intelectual conhecido como Iluminismo, que trouxe um novo respeito pelo racional e útil, e uma ênfase na educação em vez dos privilégios.

A moda masculina se voltou para roupas mais práticas, e até mesmo os aristocratas ingleses começaram a usar vestimentas simples mais em sintonia com seus trabalhos na administração de suas propriedades no campo.

A Revolução Francesa reforçou essa tendência à simplicidade e foi ainda mais longe.

Em seu ápice, até os objetos e os costumes mais comuns se tornaram emblemas políticos e fontes potenciais de conflito político e social, e as roupas se tornaram uma forma de expressar uma visão política.

As vestimentas masculinas se tornaram particularmente emblemáticas. O traje característico dos mais militantes do movimento, os sans-culottes, eram calças largas compridas com pregas na parte inferior, uma jaqueta curta (carmagnole) e um barrete frígio (uma espécie de touca). Esses itens se tornaram um símbolo do igualitarismo jacobino.

À medida que os radicais e os jacobinos se tornaram mais poderosos, a repulsa contra a alta costura cresceu, em razão de sua extravagância e sua associação com a realeza e a aristocracia. Os cavaleiros tinham que parecer homens de ação e revolução, nada parecidos com a odiada nobreza, nem em estilo nem em substância.

Assim, as calças compridas substituíram as calças de seda na altura dos joelhos usadas pela classe alta, e detalhes como grandes fivelas de metal elaboradas com joias falsas "ao estilo parisiense" foram abandonadas, assim como as cores brilhantes.

E embora a alta moda e a extravagância tenham voltado à França durante a era do Diretório (fase da revolução entre 1795-1799), a maneira como os homens se vestiam havia mudado para sempre.

Na Inglaterra, o jovem George "Beau" Brummel (1788-1840), amigo do príncipe de Gales e referência de moda masculina na região, percebeu que a mudança tinha muito em comum com vários dos valores tradicionais ingleses, como a modéstia e a moderação.

Ele, então, desenvolveu um estilo totalmente novo e discreto. Um cavalheiro, ele disse, deve ser muito limpo, magro e elegante.

Suas roupas deveriam ser admiradas pela perfeição de seu corte e ajuste, e feitas em tons sutis e suaves.

Em suma, os homens deviam mostrar seus valores por meio da atenção aos detalhes, seus conhecimentos e suas obras, e não simplesmente se cobrindo de símbolos de riqueza.

Além disso, Beau substituiu a dependência de perfumes e pós usados para higiene pessoal pelo conceito de banho diário.

Seu estilo se espalhou de forma semelhante ao que acontece hoje: alguém influente inova e todos em seu círculo — que no caso de Beau correspondia a 1% da sociedade britânica, graças à sua amizade com a realeza britânica e ao seu charme — o imitam.

As roupas de Beau representavam uma elegância discreta que incluía um desdém por qualquer coisa "exagerada". O que ele fez no início dos anos 1800 ainda dá forma ao consenso de muitos sobre como é o bom gosto em roupas masculinas.

A mudança não agradou a todos, é claro.

Alguns acharam isso tão atroz que em 1929, no Reino Unido, surgiu o Men's Dress Reform Party, ou o movimento pela reforma do vestuário masculino, para o qual períodos como a Revolução Francesa promoveram uma forma "deprimente" de se vestir e sem criatividade, que impedia a individualidade.

O psicólogo John Carl Flugel (1884-1955), um dos membros desse movimento, dizia que desde o final do século 18 os homens haviam deixado progressivamente de usar formas de ornamentação mais brilhantes, elaboradas e variadas, "fazendo de sua própria alfaiataria a mais austera e sem novidades das artes".

Foi ele quem deu a esse acontecimento o nome de "a grande renúncia masculina", ou a ocasião em que os homens "abandonaram a pretensão de serem considerados belos" e "desde então aspiraram apenas a ser úteis".

Esse movimento defendia a melhoria da saúde e da higiene dos homens, mudando os estilos e materiais das roupas masculinas, que consideravam como cada vez mais restritivas e nocivas, em contraste com as roupas "emancipatórias" das mulheres.

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