sexta-feira, 4 de outubro de 2019

O crescimento vigoroso

Por que cortar gastos não é a solução para o Brasil ter crescimento vigoroso?
folha.uol| 14 de Setembro de 2019.

Vivemos a mais longa crise econômica da nossa história e o ritmo de recuperação segue muito lento, apesar da enorme capacidade ociosa da nossa indústria, mantendo um alto nível de desemprego, incertezas sobre o futuro do país e um processo de empobrecimento de amplos setores da população.

Nesse ambiente de demanda reprimida, o governo deveria estar agindo como a experiência internacional nos ensinou após a grande crise de 2008/2009, oferecendo estímulos fiscais para que o país volte a crescer de forma consistente.

Contudo, nossas autoridades e muitos economistas ortodoxos parecem continuar reféns de um diagnóstico que dominou a narrativa política nos últimos quatro anos: a ideia de que o desequilíbrio fiscal é a raiz dos problemas econômicos e o excesso de gastos públicos é a sua causa.

Além de tal diagnóstico não ser confirmado pelos números, ele tem sido usado para defender uma política de ajuste fiscal, que reduziu o investimento público ao menor nível em 50 anos e não obteve sucesso em controlar o déficit público.

Apesar do evidente insucesso dessa política e dos prejuízos sociais que dela decorrem, alguns economistas, dos quais deveríamos esperar menos dogmatismo, insistem em manter de pé o teto de gastos --a regra fiscal que congela por 20 anos o gasto público na esfera federal, uma regra que não encontra precedentes no mundo desenvolvido e que está ameaçando paralisar a máquina pública.

O que nos remete à seguinte pergunta: a insistência em um diagnóstico e uma política equivocada reflete apenas uma fé cega ou estaria a serviço de determinados interesses econômicos e políticos?

O diagnóstico está errado: a culpa não é do gasto público

A ideia de que o governo precisa cortar gastos para voltar a crescer ganhou status de mantra. Argumentos falsos e mesmo um tanto infantis como "acabou o dinheiro" e "o Brasil quebrou", em conjunto com as frequentes comparações do Orçamento do governo com o orçamento de uma família têm promovido um ambiente que deixa pouco espaço para o debate qualificado.

Não, o país não quebrou. Não, o dinheiro não vai acabar enquanto o Estado puder exercer suas funções fiscais na sua própria moeda e alocar recursos a partir das escolhas da sociedade.
(...)
Portanto, o suposto excesso de gastos públicos não explica a evolução da dívida.

Os aumentos recentes da dívida pública decorrem principalmente dos gastos com juros e da queda do crescimento econômico, que, conforme veremos, é em parte explicada pelo corte de gastos públicos.

Não obstante, há outro mito que ronda o debate público: o mito do "crescimento acelerado dos gastos obrigatórios", pleiteado por Marcos Lisboa, Marcos Mendes e Marcelo Gazzano em artigo publicado na Folha no dia 8 deste mês (Por que o governo deve cortar gastos para o Brasil crescer?).

Um crescimento acelerado é uma referência ao aumento da taxa de crescimento. No entanto, ao contrário do que os autores argumentam, os dados mostram que a taxa de crescimento do gasto público caiu desde 2011, tanto os discricionários quanto os obrigatórios.

A taxa de crescimento real das despesas primárias do governo federal desacelerou de 5,2% ao ano no período de 2003 a 2010 para 3,5% no período de 2011 a 2014 e, finalmente, para 0,5% no período de 2015 a 2018. No entanto, a desaceleração das receitas nesses períodos foi maior, o que resultou na deterioração do resultado primário.

Ao analisar a evolução da composição das despesas entre 2002 e 2014, apontada por alguns como o período de "gastança", não se verifica um aumento substantivo dos gastos do governo federal em relação ao PIB, tampouco da proporção do gasto com pessoal, que se reduz em 0,7 p.p. do PIB.

As despesas que aumentam são as transferências para as famílias (0,6 p.p. do PIB), Educação (0,5 p.p.), investimentos (0,3 p.p.) e despesas correntes (0,3 p.p.).

Portanto, o maior aumento relativo foi dos investimentos públicos. Os investimentos cresceram em média 8,5% ao ano entre 2003 e 2010 e caíram 31% em média por ano, entre 2015 e 2018.

Remédio errado: corte de gastos não gera crescimento

Para além dos mitos criados em torno do excesso de gastos públicos, o debate brasileiro também está preso à ideia de que o ajuste fiscal e o corte de gastos contribuem para o crescimento econômico, a chamada tese da "contração fiscal expansionista", formulada por Alberto Alesina e outros economistas italianos na década de 1990.

Essa tese passou a ser desconstruída, desde 2012, pelos fatos e por novos estudos, até mesmo do FMI (Fundo Monetário Internacional), demonstrando as falhas da metodologia usada para embasar a conclusão.

Como argumentou Paul Krugman, a austeridade é um culto em decadência e a pesquisa que lhe dava suporte foi desacreditada. Há estudos que mostram que, além do efeito recessivo, a austeridade também provoca um aumento da dívida pública e uma piora da desigualdade social.
(...)
Diante do exposto, a interpretação de que a crise brasileira é decorrente de excessos de gastos não faz nenhum sentido, assim como cortar gastos não contribuirá para a retomada do crescimento.

Não se quer com isso dizer que o desempenho macroeconômico, a partir de 2015, esteja relacionado exclusivamente ao corte das despesas públicas, pois a crise brasileira deve ser estudada a partir de suas múltiplas determinações.

Entretanto, todas as evidências mostram que a virada na política econômica para a austeridade em 2015 contribuiu para o aprofundamento da recessão.

Consequências e aspectos políticos da austeridade

Como mostrado no livro "Economia para Poucos", os efeitos sociais da austeridade já podem ser notados na restrição de acesso a saúde, educação, moradia e à deterioração do ambiente. Dada a sua seletividade, tais políticas impactam mais fortemente alguns grupos, especialmente negros e mulheres.

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/por-que-cortar-gastos-nao-e-a-solucao-para-o-brasil-ter-crescimento-vigoroso.shtml

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