O tempo em que o Rio de Janeiro secou após destruir floresta por café
A densa floresta que hoje serve de moldura para as paisagens paradisíacas do Rio de Janeiro já foi quase careca em algumas partes. No século 19, suas árvores foram derrubadas para dar lugar principalmente a plantações de café, produto cada vez mais lucrativo naquela época. Até hoje quem caminha pela Floresta da Tijuca e Paineiras esbarra em ruínas de construções desse período.
Viajantes estrangeiros que estiveram no Rio naqueles anos escreveram que não raro a fuligem das queimadas na Floresta da Tijuca e matas adjacentes chegava a encobrir o sol do meio dia, dizem pesquisadores.
O desmatamento, somado ao aumento da população, ao clima seco em alguns anos e à falta de infraestrutura no Rio, acabou, por vezes, deixando a capital imperial sem abastecimento de água.
A consequência foi o surgimento de um mercado paralelo de venda de água, a disseminação de doenças e, alguns anos depois, o replantio de mais de 100 mil árvores, no que foi o maior esforço de reflorestamento em floresta tropical do mundo até então.
A BBC conversou com historiadores e geógrafos para reconstituir essa ocupação, o desmatamento, o impacto na população da época e o reflorestamento da mata que hoje faz parte do Parque Nacional da Floresta da Tijuca.
Em 1808, a Família Real portuguesa desembarcou no Brasil, trazendo consigo um número de pessoas para o qual a cidade não estava preparada. Nas palavras de Pedro Menezes da Cunha, diplomata, pesquisador da história das matas cariocas e ativista em defesa delas, "a Floresta da Tijuca nunca mais foi a mesma".
Segundo conta Menezes da Cunha, Dom João 6º permitiu que estrangeiros fixassem residência no Brasil e convidou para o país nobres e fazendeiros franceses que haviam deixado seu país durante a Revolução Francesa e o período napoleônico.
Esses estrangeiros – não só franceses, mas também holandeses e de outras nações europeias – compraram terras nas partes altas da Floresta da Tijuca, onde o clima mais ameno. A região virou o ambiente da alta sociedade do Rio de Janeiro, onde as famílias ricas se refugiavam do calor no verão.
Mas além disso, aquele ambiente era mais adequado ao plantio de café, avesso a temperaturas altas. "O padrão era comprar, desmatar, vender a madeira como carvão vegetal e plantar café no terreno 'limpo', descreve Menezes da Cunha em seu livro Parque Nacional Da Tijuca : 140 Anos Da Reconstrução De Uma Floresta, escrito em co-autoria com Marcos Sá Corrêa e Ricardo Azoury.
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Como o desmatamento afetou o abastecimento
(...)Segundo informações da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), a principal fonte à época era uma lagoa, que era chamada de "lagoa de água ruim". O primeiro aqueduto só foi concluído em 1723. Nireu Cavalcanti diz que já havia desde o século 17 legislação para proteger as nascentes, mostrando que o assunto já era uma preocupação antes mesmo do aumento de plantação de café.
O professor explica como o desmatamento afeta o volume de águas nos rios. A floresta, diz, é um ambiente de infiltração. Com a floresta funcionando normalmente, a água da chuva vai batendo nas copas das árvores, dissipando energia, por isso, quando chega no solo, chega com menos força. Não encontra a terra, mas a serrapilheira (camada de folhas), que é uma espécie de esponja, que acumula três vezes seu peso em água. Sem a mata, a água cai com muito força e desce morro abaixo, sem infiltrar a terra, o que seca as nascentes.
Como o desabastecimento afetava a população
Claudia Heynemann, pesquisadora do Arquivo Nacional e autora de Floresta da Tijuca: natureza e civilização, publicado em 1994, diz que "o Rio de Janeiro era uma cidade assolada – por seca, pela dificuldade de canalização da água, por doenças e epidemias, muito calor. Os relatos dos estrangeiros davam conta disso, mas havia também um tom de preconceito da parte deles", diz ela.
O historiador Nireu Cavalcanti conta que a coroa teve que colocar policiais para proteger os chafarizes. "Foram estabelecidas cotas e quem tinha fonte de água dentro de sua propriedade foi convocado a liberar o acesso para que a população pudesse usufruir também", diz ele.
Reflorestamento e soluções para o abastecimento
Com o agravamento do problema, dizem os pesquisadores, o desmatamento começou a ser apontado como causa.
"A Tijuca, cujos mananciais vinham cada vez mais sendo aproveitados para abastecimento da cidade, fez com que em 1857 a atenção do governo se voltasse para as suas florestas", contou o escritor Gastão Cruls no livro Aparência do Rio de Janeiro, publicado em 1949.
"As fazendas aí abertas uns trinta anos antes e queimadas subsequentes tinham-lhe quase completamente acabado com a pujante vegetação. Urgia reflorestá-la", escreve Cruls.
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O processo começou em 1861, quando o Visconde do Bom Retiro deu ao Major Manoel Gomes Archer a missão de replantar as árvores da floresta.
A coroa então desapropriou as terras e pagou indenizações aos fazendeiros. Segundo Cavalcanti, eles não tiveram muito espaço para manobra – o máximo que podiam fazer era contestar o valor que receberiam.
A Floresta da Tijuca foi então fundada, e o processo de reflorestamento durou décadas. Enquanto isso, foram sendo criadas soluções de curto prazo, por exemplo, a construção de caixas d'água na mata da Gávea Pequena.
Matéria Completa:
https://www.bbc.com/portuguese/geral-49530574
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