sábado, 7 de maio de 2016

Literatura e Humanidade: interconexão Profunda.

Do Obvious Mag

Por Yan Masetto

Todos precisam de respostas. Muitas vezes, elas não virão diretamente. Mas a Arte e suas manifestações existem para, ao menos, refletirmos, como em grandes espelhos, as essencialidades humanas. E dentre elas, encontra-se os três vértices humanos mais recorrentes: Don Quijote, Don Juan e Fausto. 

O ser humano se apresenta múltiplo, distintamente complexo e permeável por inumeráveis condições. De tal modo, não seria menos importante a discussão sobre quem realmente somos – e como vivemos – no mundo. Não, não uma discussão sobre a verdade absoluta e o porquê de estarmos aqui, senão uma condição que nos tange, em graus variados, porém sempre presentes: somos compostos de três fortes perfis – ou melhor, três grandes protagonistas de literatura ocidental. Fica a dúvida: quais? Vamos trazê-los a luz dos holofotes: todos nós somos frutos de Don QuijoteFausto Don Juan.

Em primeiro lugar quem leva o título honorífico em nossas composições está o maior cavalheiro andante: Don Quijote de la Mancha, o engenhoso fidalgo. A necessidade de sonhar, isto é, de sair desta realidade empírica em direção a uma realidade particular que nos resulte más protetora, se apresenta fortemente com sua presença. Em verdade, com olhos não muito bons se tem o costume de observá-lo, e sem dúvida, para uma sociedade que se prima o cientificismo que sempre tenta explicar o que é “Real”, quixotear tem um significado extremamente pejorativo, remetendo diretamente à loucura. Uma loucura ingênua, mas ainda sim uma loucura.
Entretanto, considera-lo como um simples personagem louco é eliminar qualquer tipo de motivação do próprio Ser até os dias atuais, tal qual um dos grandes mitos do Ocidente. O equívoco, a partir de nossa visada aqui, está em converter o cavaleiro andante em um elemento dissonante em meio da sociedade humana. Não! Ele simboliza e sintetiza puramente a vontade do Homem (com maiúscula no início), o poder infinito humano de querer sempre algo mais, de querer afastar-se dos olhos julgadores das sociedades por todos os séculos, ou pelo menos a partir de seu nascimento, em 1602, na Espanha. Quijote, o senhor fidalgo, queria redefinir-se, e por isso nos representa muito: se representa e se constitui como o primeiro vértice de nossa arquitetura (complexa) humana.

Nosso segundo protagonista é renomado e famoso: Fausto, ou melhor, doutor Fausto. Grande conhecedor e estudioso, necessitava em sua vida monótona algo novo, uma nova energia – e por que não dizer um novo objetivo vital -, e, em determinada noite, surge uma entidade inesperada em seu escritório: Mefistófeles, a presença diabólica que vem até solos terrenais para lhe oferecer uma nova vida, ou melhor, um modo novo de se levar a vida. Lhe dá poder, e este poder oferece a ele permissão a viver muitas peripécias, assim como tantos autores retrataram ele durante com o passar dos séculos: o mito fáustico se nomeia por seu pacto, pacto este infernal com o lúgubre ser dos abismos profundos, oriundos da escuridão. Todavia, que fique claro a nossa despreocupação com qualquer tipo de leitura religiosa, pois o que nos interessa está no apetite insaciável de nosso querido protagonista alemão.
Fausto, enquanto homem que recebe poderes extramundanos se converte na vontade do saber e ir além – muito além. Tal prática, aliás, tende a nossa própria vontade, uma vontade que se remete diretamente à eternização de nós mesmos. E mais: um alcance que nos permite observar o mundo ao nosso redor sem as amarras dos olhos humanos tradicionais, fazendo com que nossas capacidades sejam potencializadas – sem os limites impostos, seja pela ignorância (falta de saber), ou mesmo por condições corpóreas (o próprio fim inquestionável do corpo), se desfazem e resta apenas uma capacidade exacerbada, a de um querer entender mais e mais, sem precedentes. A insaciabilidade do querer mudar-se e ir distante dos próprios limites nos permite considera-lo o conector da aresta entre nossos protagonistas.

O terceiro vértice do triângulo formador está o protagonista sedutor, burlador e conquistador D. Juan. Esqueçamos das moralidades básicas da circunstância de boy-magia dele, ele é aquele que vive sempre no limite, no muito além das leis e das regras, além, inclusive, das imposições sociais e políticas, de tal forma que é a personificação plena do carpe diem, antropomorfizado em ações e aquele que nunca desistirá de conquistar seus desejos. Obviamente, seu tom de burla se funde ao de sedução, sem dúvida. Porém, surge uma pergunta: até que ponto burlar algo – ou alguém – não se produziria um efeito contrário e, na realidade, ele é quem se burla?
Por isso, nosso galanteador se compõe como o fechamento deste triângulo humano: viver o dia, perseguir os sonhos do modo mais intenso e ingênuo, pondo isto sempre como prioridade, uma prioridade perigosa, transgressora. Em contrapartida, muito engenhoso, pois para ultrapassar os limites (externos ou não), precisa de muita capacidade de inventar-se – e reinventar-se constantemente, e eis o verdadeiro motivo dele estar em nossa lista.

Agora, apostando humildemente em uma possível – e plausível – conclusão, fixemos em todas as palavras citadas até então e vamos suscitar uma preocupação: somos frutos de seres fictícios que carregam consigo mesmos a loucura, o transgredir leis como força motriz? Rapidamente todas as sirenes apitando, luzes se acenderiam para mostrar que estamos seguindo por um caminho muito ruim. Mas, não há porque ter preocupação: somos, sim, vértices dos três protagonistas literários. Eles são os espelhos do ser Humano, da forma humana de ser, pois, em suas respectivas essências, carregam a vontade de sempre ir além daquilo que está aí, posto, imposto e disposto.

Sem aplicação de juízos morais, pois nosso objetivo circunscreve exatamente em refletir os pontos positivos que os três nos mostram – e nos revelam – do Homem: ter um mundo próprio, ter em si seu modo particular de viver, ou com temos em nossas mãos, ao menos ao que tange o conhecimento: sempre, sim, sempre será possível adquirirmos e desenvolvermos nosso campo de saberes. Com eles, a engenhosidade de se redescobrir, de se cobrir e seguir adiante em um mundo que nos exige mais que ações: nos exige poder de ação, capacidade de adaptação. Eles proporcionam tudo isso: juntos, estes três protagonistas se fundem para que o ser viva plenamente em sua caminhada adiante – sempre!

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