segunda-feira, 2 de maio de 2016

A Tolice da Inteligência Brasileira. (1)

Resenha – A tolice da inteligência brasileira, de Jessé Souza

BONS MOMENTOS

— As ideias dominantes que circulam na imprensa, nas salas de aula, nas discussões parlamentares, nas conversas de botequim – em todo lugar – são sempre formas mais simplificadas de ideias produzidas por grandes pensadores. Daí a importância de recuperar o sentido original dessas ideias que são tão relevantes para nossas vidas ainda que, normalmente, não nos demos conta disso. Afinal, a ciência herda o prestígio da religião, no contexto pré-moderno e assume, em boa parte, pelo menos, o papel de explicar o mundo moderno.

— Essa “pré-modernidade” é o núcleo, nunca explicitado, de noções hoje correntes como “jeitinho brasileiro”; da visão do Brasil e das sociedades latino-americanas como funcionando a partir de uma hierarquia comandada pelo “capital social de relações pessoais”. Seria esse capital de relações com pessoas influentes que constituiria tanto o “personalismo”, ou seja, relações de favor/proteção enquanto fundamento da hierarquia social; quanto o “patrimonialismo”, isto é, uma vida institucional que tem como fundamento uma “elite estatal”, também pré-moderna, que parasitaria toda a sociedade.

— A forma dominante de se perceber a política no Brasil foi produto de intelectuais cujas “ideias” foram associadas, de modo intencional ou não, a “interesses” poderosos. Depois de institucionalizadas, essas ideias ganham vida própria e “esquecem” sua gênese, passando a influenciar a pauta dos jornais e a imaginação dos políticos e homens de ação.

— O que existe é uma dramatização da oposição mercado (virtuoso) e Estado (corrupto) construída como uma suposta evidência da singularidade histórica e cultural brasileira. É apenas o “Estado” que passa a ser percebido como o fundamento material e simbólico do patrimonialismo brasileiro. Ora, se somos todos “cordiais”, por que apenas quando estamos no Estado desenvolvemos as consequências patológicas dessa nossa “herança maldita”? Por que o mercado, por exemplo, não é percebido do mesmo modo? E por que, inclusive, o mercado é, ao contrário, visto como a principal vítima da ação parasitária estatal?

— À personalização, subjetivação e simplificação do Estado na noção de “estamento estatal” todo-poderoso é acrescentada uma teatralização da política como ópera-bufa; deixamos de ter “interesses e ideias em conflito” e passamos a ter um mundo político dividido entre “honestos” e “corruptos”.

— É possível demonstrar que tanto a hierarquia social quanto a legitimação dessa mesma hierarquia são realizadas de modo muito semelhantes em todas as sociedades modernas, sejam centrais ou periféricas. Existe todo um caminho a ser percorrido para a construção de uma sociologia crítica contemporânea que seja capaz de ser fundada em outro terreno que não o do preconceito travestido de evidência científica…hoje em dia, boa parte dos interesses que não se podem exercer à luz do di é legitimada pela própria ciência que deveria denunciá-los.

— Em fases de crise, como agora, quando “a farofa é pouca e todo mundo quer o pirão primeiro”, então os mais ricos querem cortar os investimentos sociais e ficar com o Estado só para eles. E esta história tem larga tradição entre nós. Ela funciona do mesmo modo desde o início do século XX – quando o Brasil começa a se transformar em sociedade urbana e industrial – e reúne os mesmos elementos desde o princípio: imprensa, setores moralistas da classe méia e interventores da ordem constitucional.

— As classes populares não são apenas despossuídas dos capitais que pré-decidem a hierarquia social. Paira sobre elas também o fantasma de sua incapacidade de “ser gente” e o estigma de ser “indigno”. As classes com essa “insegurança generalizada”, como a ralé e boa parte dos “batalhadores”, estão divididas internamente entre o “pobre honesto”, que aceita as regras do jogo que o excluem, e o “pobre delinquente”, o bandido no caso do homem, e a prostituta no caso da mulher. A maioria esmagadora das famílias pobres convive com essa sombra e essa ameaça…

CURTAS

— O objetivo de um “mito nacional” é produzir solidariedade social ao criar um elo comum entre os nacionais, ainda que seja produto da fantasia. O necessário é que as pessoas “acreditem nele”. O “mito”, portanto, não possui compromisso com a “procura da verdade”, o que o diferencia da ciência.

— O que dizer do empresariado brasileiro, especialmente o paulista, que foi, no caso brasileiro, o principal beneficiário do processo de industrialização financiado pelo Estado interventor desde Vargas? Ele também é parte do “estamento” estatal? Deveria ser, pois foi quem mais ganhou com o suposto “Estado patrimonial” brasileiro.

— A única questão razoável é saber se o Estado é apropriado por uma pequena minoria privilegiada ou se pelo interesse da maioria.

— Se Buarque falava nos anos 1930, quando o Brasil engatinhava no seu esforço de modernização, DaMatta repete o mesmo raciocínio no final do século XX, quando o Brasil já tinha dado adeus ao passado rural e construído o maior parque industrial do Hemisfério Sul do globo.

— A classe média também é explorada sem disso se dar conta. Temos aqui preços exorbitantes, pagos especialmente pela classe média verdadeira, para serviços de quinta categoria, como nossa telefonia celular. Nossa taxa de lucro e juros é das maiores do mundo e representa uma forma selvagem de acumulação capitalista.

— O “saque”, como dos campos de petróleo do Oriente Médio sob a batuta das grandes petrolíferas no governo Bush, continua um método cotidiano do capitalismo dito “moderno”, desde que seja exequível militar e politicamente.

— O tema da corrupção só pode ser usado para enganar e manipular porque a definição do que é corrupção é arbitrária e pode ser aplicado ao bel-prazer de quem realiza o ataque.

O AUTOR

Jessé Souza é graduado em Direito e tem mestrado e doutorado em Sociologia. Fez também pós-doutorado em Psicanálise e Filosofia. É professor da Universidade Federal Fluminense e há cerca de um ano preside o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão do governo federal. É autor principal de 23 livros e publicou uma centena de artigos e capítulos de livros em vários idiomas. Tem 55 anos de idade.

A PUBLICAÇÃO

O livro “A tolice da inteligência brasileira – ou como o país se deixa manipular pela elite” foi publicado em 2015 pela editora Leya, com 271 páginas, prefácio do próprio autor.

Resenha do blog:

http://segundaopiniao.jor.br/resenha-a-tolice-da-inteligencia-brasileira-de-jesse-souza/

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