sábado, 12 de março de 2016

Vamos comemorar um tribunal que julga de acordo com a opinião pública?

Juiz Rubens Casara, no Justificando.com

Em 1938, o líder nazista Adolf Hitler foi escolhido o “homem do ano” da revista Time. Antes disso, Hitler figurou na capa de diversas revistas europeias e norte-americanas, no mais das vezes com matérias elogiosas acerca de sua luta contra a corrupção e o comunismo que “ameaçavam os valores ocidentais”. Seus discursos contra a degeneração da política (e do povo) faziam com que as opiniões e ações dos nazistas contassem com amplo apoio da opinião pública, não só na Alemanha. O apelo transformador/moralizador da política e as reformas da economia (adequada aos detentores do poder econômico) fizeram emergir rapidamente um consenso social em favor de Hitler e de suas políticas.

Diversos estudos apontam que a população alemã (mas, vale insistir, não só a população alemã) apoiava Hitler e demonizava seus opositores, inebriada por matérias jornalísticas e propaganda, conquistada através de imagens e da manipulação de significantes de forte apelo popular (tais como “inimigo”, “corrupção”, “valores tradicionais”, etc.).[1] Em material de repressão aos delitos, os nazistas, também com amplo apoio da opinião pública, defendiam o lema “o punho desce com força”[2] e a relativização/desconsideração de direitos e garantias individuais em nome dos superiores “interesses do povo”.

A “justiça penal nazista” estabeleceu-se às custas dos direitos e garantias individuais, estas percebidas como obstáculos à eficiência do Estado e ao projeto de purificação das relações sociais e do corpo político empreendida pelo grupo político de Hitler. Aliás, a defesa da “lei e da ordem”, “da disciplina e da moral” eram elementos retóricos presentes em diversos discursos e passaram a integrar a mitologia nazista. Com o apoio da maioria dos meios de comunicação, que apoiavam o afastamento de limites legais ao exercício do poder penal, propagandeando uma justiça penal mais célere e efetiva, alimentou-se a imagem populista de Hitler como a de um herói contra o crime e a corrupção, o que levou ao aumento do apoio popular a suas propostas.
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O medo de juízes de desagradar a “opinião pública” e cair em desgraça  – acusados de serem coniventes com a criminalidade e a corrupção – ou de se tornar vítima direta da polícia política nazista (não faltam notícias de gravações clandestinas promovidas contra figuras do próprio governo e do Poder Judiciário) é um fator que não pode ser desprezado ao se analisar as violações aos direitos e garantias individuais homologadas pelos tribunais nazistas. Novamente com o apoio dos meios de comunicação, e sua enorme capacidade de criar fatos, transformar insinuações em certezas e distorcer o real,...

O principal limite ao exercício do poder é formado pelos direitos e garantias fundamentais, verdadeiros trunfos contra a opressão (mesmo que essa opressão parta de maiorias de ocasião, da chamada “opinião pública”). Sempre que um direito ou garantia fundamental é violado (ou, como se diz a partir da ideologia neoliberal, “flexibilizado”) afasta-se do marco do Estado Democrático de Direito.  Nada, ao menos nas democracias, legitima a “flexibilização” de uma garantia constitucional, como, por exemplo, a presunção de inocência (tão atacada em tempos de populismo penal, no qual a ausência de reflexão – o “vazio do pensamento” a que se referia H. Arendt – marca a produção de atos legislativos e judiciais, nos quais tanto a doutrina adequada à Constituição da República quanto os dados produzidos em pesquisas sérias na área penal são desconsiderados em nome da “opinião pública”).

Na Alemanha nazista, o führer do caso penal (o “guia” do processo penal, sempre, um inquisidor) podia afastar qualquer direito ou garantia fundamental ao argumento de que essa era a “vontade do povo”, de que era necessário na “guerra contra a impunidade” ou na “luta do povo contra a corrupção” (mesmo que para isso fosse necessário corromper o sistema de direitos e garantias) ou, ainda, através de qualquer outro argumento capaz de seduzir a população e agradar aos detentores do poder político e/ou econômico...

Matéria completa :

http://justificando.com/2016/03/12/vamos-comemorar-um-tribunal-que-julga-de-acordo-com-a-opiniao-publica/

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