quarta-feira, 23 de março de 2016

Para APD desigualdade é mais grave do que corrupção

Jornal GGN - A Associação Advogadas e Advogados Públicos Para a Democracia (APD) foi uma das que se manifestaram em defesa do Estado Democrático de Direito, contra os abusos recentes do poder judiciário. De acordo com a entidade, o Brasil vive uma “grave crise na sua recente democracia”.

A APD reconhece o problema da corrupção que “se arrasta desde sempre corroendo as entranhas do nosso país”. Mas compreende que ainda mais grave é a desigualdade social, “o absurdo abismo que ainda separa a renda dos mais ricos da renda da imensa maioria da população, essa sim uma imoralidade que deveria nos indignar cotidianamente”.

A entidade afirma que o país não pode permitir que a presunção de inocência seja relativizada, que os mecanismos de condução coercitiva e prisão preventiva sejam conduzidos arbitrariamente, sem embasamento legal, que policiais militares ataquem instituições democraticamente constituídas, que a prisão temporária seja utilizada para obter delações.

“Ademais, não podemos permitir o comprometimento dos princípios democráticos que regulam o processo, com as operações midiáticas e vazamentos seletivos, que visam destruir reputações e interferir no debate político, além de tensionar a opinião pública para apoiar tais operações”.

Os signatários do documento são favoráveis à investigação de “todos sem exceção”. Mas acreditam que não se pode tolerar vazamentos seletivos de informação, direcionamentos políticos da operação e abusos de qualquer espécie.

Para eles, é um caminho perigoso quando a justiça se entrega à busca por justiçamento. “Acreditar no punitivismo e no recrudescimento das medidas penais como forma de “limpar” a política é um equívoco perigoso. A descrença na política e na democracia, como formas de solução dos problemas públicos, pode levar o país de volta ao autoritarismo.

Abaixo, a íntegra da nota da APD:

APD – Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia, entidade civil de fins não lucrativos ou corporativistas, criada por advogados públicos federais, e que tem por finalidade a busca da plena efetivação dos valores sociais e jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, a defesa da democracia e dos Direitos Humanos, vem a público manifestar-se sobre os nefastos acontecimentos dos últimos dias, que comprometem a Ordem Constitucional e o Estado Democrático de Direito, através da afronta aos Direitos Fundamentais insertos na Carta Magna de 1988.
O Brasil vive, no atual momento, grave crise na sua recente democracia. Durante os anos de ditadura, vários cidadãos sofreram e sacrificaram-se, para que estejamos hoje em pleno exercício dos nossos direitos.

A corrupção não é fato novo, mas se arrasta desde sempre corroendo as entranhas do nosso país e, desde a construção de um consenso mínimo para um trabalho em prol da democracia, com a crescente liberdade de expressão e de imprensa, associada ao fortalecimento das instituições, tornou-se visível inimigo a ser combatido. Mas esse é apenas um dos inimigos. O maior de todos, no Brasil, é a desigualdade social, o absurdo abismo que ainda separa a renda dos mais ricos da renda da imensa maioria da população, essa sim uma imoralidade que deveria nos indignar cotidianamente.

Contudo, à guisa de combater a corrupção, não podemos, sob pena de retrocedermos ao patamar das graves violações aos direitos dos cidadãos brasileiros, havidas durante a ditadura militar implantada pelo Golpe de 64, permitir: a relativização da presunção de inocência; expedientes arbitrários como condução coercitiva ou pedidos de prisão preventiva, sem o devido embasamento legal; ataques por parte de policiais militares a instituições democraticamente constituídas, igualmente descabidos e em desconformidade com a legalidade; utilização da prisão temporária, igualmente quando ausentes seus pressupostos previstos na legislação, com o fim de obter delações nos moldes imaginados pelos órgãos de investigação. Ademais, não podemos permitir o comprometimento dos princípios democráticos que regulam o processo, com as operações midiáticas e vazamentos seletivos, que visam destruir reputações e interferir no debate político, além de tensionar a opinião pública para apoiar tais operações.

Utilizar-se desses arbítrios, em nome de uma suposta guerra contra a impunidade e combate à corrupção, não pode ser tolerado, não pode ser aceito de nenhuma forma, sob pena de violentar nossa ainda incipiente democracia, que deve ter como premissa maior continuamente resguardar as garantias postas na Constituição Cidadã de 1988.

O artigo 5º da nossa Carta garante a todo e qualquer cidadão, que este seja presumido inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória (inciso LVII), que lhe seja garantido o contraditório e a ampla defesa (inciso LV), que ninguém seja privado de sua liberdade sem o devido processo legal (inciso LIV), além de tantos outros dispositivos que atentam quanto ao cuidado na condução à prisão (incisos LXI a LXVIII).

Acreditar no punitivismo e no recrudescimento das medidas penais como forma de “limpar” a política é um equívoco perigoso. A descrença na política e na democracia, como formas de solução dos problemas públicos, pode levar o país de volta ao autoritarismo.

Desta feita, a APD vem manifestar-se pela necessidade de observação, por parte dos juristas e operadores do direito envolvidos nos processos no âmbito da “Operação Lava-Jato”, bem como outras instituídas para investigação de crimes de corrupção, do ordenamento jurídico vigente, em especial pela necessidade do resguardo dos direitos e garantias fundamentais, cláusulas pétreas da nossa Constituição. Há que se investigar todos sem exceção, mas não se pode tolerar vazamentos seletivos de informação, direcionamentos políticos da operação, abusos de qualquer espécie.

Brasília, 14 de março de 2016.
Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia
- APD -

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