terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Manual Do Perfeito Idiota - Parte 6

A vacina mais conhecida para a midiotice é um axioma atribuído a Sócrates – o filósofo, não o ex-jogador de futebol: “Só sei que nada sei”.

Luciano Martins Costa, via Revista Brasileiros

A querida leitora, que se diz incomodada com esta série de reflexões, pergunta: existem midiotas de “esquerda”?

Claro, pois a midiotice é uma síndrome emblemática do sistema social dominado pela mídia e pode ser contraída em qualquer ponto do espectro ideológico.

A principal característica dessa condição é o encurtamento da visão de mundo – a cosmovisão ou orientação cognitiva de uma pessoa ou de uma coletividade: o midiota orienta sua percepção da realidade num sentido adstringente, por assim dizer, ou seja, simplifica toda complexidade para que venha a caber na caixinha de suas crenças.

A vacina mais conhecida para a midiotice é um axioma atribuído a Sócrates – o filósofo, não o ex-jogador de futebol: “Só sei que nada sei”.

Porém, não são conhecidos registros dessa frase nos relatos sobre os diálogos do filósofo, e muitos estudiosos consideram que se trata de uma expressão de humildade, não condizente com o que se sabe de Sócrates.

Mais comumente, admite-se que a frase significa que a nenhum ser humano é dado conhecer algo com certeza absoluta.

Essa é, portanto, a principal característica dessa síndrome cognitiva e cultural: o midiota interpreta o produto da mídia como um retrato direto, absoluto e objetivo da realidade, sem se dar conta de seus desvios, subjetividades, contradições e malversações.

Mais ou menos como faz o crente que assiste aquelas encenações de “exorcismo” em certas igrejas e acredita que o diabo está ali mesmo, rosnando e transtornando a opção sexual do infeliz.

Por exemplo, os principais jornais do País e as emissoras de rádio e televisão dos grandes grupos de comunicação esconderam um detalhe das denúncias no escândalo da Petrobras – justamente a parte que colocava como suspeitos políticos do PSDB. Ao mesmo tempo, lançaram holofotes sobre uma suposta declaração comprometendo o ex-presidente Lula da Silva.

Em seguida, publica-se que a acusação a Lula estava num resumo que o denunciante havia apresentado ao negociar a delação premiada, mas não consta dos autos.

A semana chega ao fim com o desmentido de que houvesse tal depoimento no processo – mas o midiota segue repercutindo o que já se demonstrou não ser verdadeiro.

O que pensa o midiota sobre isso? A resposta: nada. Ele só registra a parte que condiz com seus pressupostos.

O midiota, seja qual for sua orientação ideológica, tem um aspecto típico: ele se inflama ao falar de qualquer assunto, e repete seguidamente os mantras que alimentam suas convicções. É absolutamente impermeável ao contraditório e, se alguém o corrige, tasca logo uma etiqueta na testa do interlocutor.

Aliás, as redes sociais registraram um desentendimento público entre três ou quatro dos mais ativos e reluzentes representantes da midiotice nacional, com fartura de palavrões e xingamentos.

O episódio lembra um aspecto interessante dessa síndrome: a evidente insensatez desses protagonistas cabe no que disse certa vez o filósofo Michel Foulcault sobre a absorção da loucura na vida moderna.
Esse fenômeno, que vem sendo estudado por pesquisadores como o terapeuta Peter Pal Pelbart, indica que boa parte da sociedade vive, pensa e toma decisões com a cabeça numa nuvem que podemos chamar de “desrazão”.

É aí que mora o perigo.

Luciano Martins Costa é jornalista, escritor e mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros O mal-estar na globalização, Satie, As razões do lobo, Escrever com criatividade, O diabo na mídia e Histórias sem salvaguardas.

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