quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Teorias da conspiração.

O mundo doido dos grandes conluios e complôs

Por: Dean Burnett, no jornal The Guardian

Nada melhor que uma boa conspiração para acalmar o medo do desconhecido. Para dar sentido ao inaceitável ou ao inexplicável, os homens precisam de explicações. Por mais loucas que sejam...

Com as sucessivas revelações sobre o programa de espionagem Tempora do Governo britânico (sobre informações trocadas na internet) e a ameaça de guerras (na Ucrânia e no Médio Oriente), a época atual é propícia para as teorias da conspiração.

É como quando vamos à rua pôr o lixo no latão e reparamos num saco de papel esquecido: nós o agarramos e ele, de tão velho, rasga-se derramando seu conteúdo no chão. E, de repente, ficamos cercados por um enxame de moscas furibundas; corremos para dentro aos gritos e passamos três horas na ducha, tremendo. Para mim, as teorias da conspiração são um pouco isso.

Aparentemente eu próprio estou envolvido em várias conspirações. Quando a televisão inglesa Channel 5 emitiu um programa sem qualquer sentido crítico sobre a conspiração lunar (os primeiros passos do homem na Lua seriam uma farsa do Governo norte-americano e teriam sido filmados num estúdio], respondi “confessando" que era verdade e inventando outras conspirações “autênticas ", para demonstrar a que ponto a ideia era ridícula.

Imaginei conspirações tão disparatadas que pensei que ninguém ia acreditar - o que só prova a minha ingenuidade sobre aquilo de que as pessoas são capazes e aquilo em que estão dispostas a acreditar. E, como seria de esperar, disseram logo que eu tinha procedido assim por estar sendo manipulado pelos autores da conspiração lunar...

O que leva as pessoas a ver conspiração em situações relativamente menores (como um texto num blog insignificante  como o meu)? Não vale a pena analisar todos os elementos conhecidos a esse respeito. Isso não muda nada e, provavelmente, não viverei o suficiente para ver as conclusões. Mas há muitas razões pelas quais as pessoas se deixam apanhar por conspirações e muitas explicações para o fato de essas teorias se tornarem tão complexas e persistentes.

Não devemos ignorar os teóricos da conspiração, chamando-os de “excêntricos" ou de “malucos” - ou qualquer outro qualificativo que faça com que não sejam levados a sério. Um teórico da conspiração pode agir por efeito de perturbações mentais: ansiedade, paranoia, psicose. Entre outras. O seu estado pode não ser grave a ponto de exigir intervenção médica: ou pode o seu envolvimento numa teoria da conspiração ser uma maneira de controlar os sintomas, ou seja, uma forma de automedicação. A menos, claro, que a própria psiquiatria seja uma conspiração...

Contudo, perturbações mentais e teorias da conspiração nem sempre estão diretamente relacionadas: pode se acreditar na versão oficial do assassinato de Kennedy e ser-se completamente esquizofrênico.

A necessidade da pertença

Mais preocupante é o fato de haver estudos que demonstram que o cidadão comum é muito receptivo a teorias da conspiração.

Há muitas razões para isso, incluindo a tendência dos seres humanos para a pareidolia (tentativa de discernir motivos e padrões em fenômenos acidentais; por exemplo, quando vemos rostos e expressões humanas em formas aleatórias como nuvens, troncos de árvores, redemoinhos de água, etc). Então, por quê? Será que as teorias da conspiração respondem a necessidades básicas dos seres humanos? Segundo a pirâmide de Maslow, as necessidades humanas mais básicas são fisiológicas (alimentação, abrigo, etc). Nas sociedades ocidentais, temos a sorte de essas necessidades estarem, de uma forma geral, garantidas. Vem depois a necessidade de segurança. Como o medo anda muitas vezes de mãos dadas com o desconhecido, ter "conhecimento" das conspirações e maquinações urdidas por figuras misteriosas pode tornar-se útil.

Segue -se a necessidade de “pertença". Os seres humanos são criaturas sociais, têm necessidade de ser aceitos pelos outros.

As redes das teorias da conspiração surgem, para os seus adeptos, como grupos de amigos. O que leva ao nível seguinte: a necessidade de realização, de reconhecimento e de respeito. A descoberta de ligações e provas que sugerem a existência de conspirações ou de manobras para encobrir um caso garante que atraímos para nós as felicitações do grupo conspirador a que pertencemos.

Essa necessidade de pertença a uma comunidade pode também explicar a razão pela qual algumas teorias conspirativas que parecem extravagantes são tão persistentes. No seio de um grupo, passam-se coisas estranhas. A influência normativa, o pensamento em comum, a intervenção de “polícias do pensamento”, a polarização, tudo isto são fenômenos que se conjugam para manter um grupo intacto e fazer com que as opiniões dissidentes sejam rapidamente postas à margem ou liminarmente rechaçadas, o que, em termos de descrição do processo, passa por fenômenos como a distorção da confirmação (tendência para favorecer a informação que confirme a hipótese de partida).

Conspirações, Deus e o sobrenatural

Há muitas outras explicações possíveis para o comportamento dos teóricos da conspiração. Pode mesmo ser algo tão simples e intuitivo como a compreensão de que essas teorias são reconfortantes. É perturbador pensar que haja grupos de lagartos gigantes que controlam secretamente a humanidade, mas a possibilidade de vivermos num universo aleatório, onde forças desprovidas de razão podem decidir nos eliminar sem motivo, será menos perturbadora?

As redes das teorias da conspiração

Talvez seja para afastar uma eventualidade desse gênero que alguns se voltam para as teorias da conspiração, como outros se ligam em Deus ou ao sobrenatural.

E antes que as mentes racionalistas que leem as crônicas científicas do jornal The Guardian comecem a demolir o que escrevi, acrescento que há opiniões mais comuns, hoje muito em voga, que podem facilmente se encaixar nos espíritos de outras pessoas que ali não veem teorias da conspiração. O sistema de saúde britânico está sendo secretamente privatizado e os meios de comunicação social são cúmplices? Sim, seguramente. O Governo está tentando asfixiar as instituições de solidariedade social? Claro! Ah, tem “provas”? As pessoas as arranjam, sempre.

Mas talvez a má fama de que gozam os teóricos da conspiração não seja totalmente merecida. Alguns dos maiores cientistas do mundo, como Darwin ou Galileu, foram os que questionaram a versão oficial dos acontecimentos. E, claro, há sempre a possibilidade de tais conspirações serem reais. E se este blog não for uma análise da psicologia das teorias da conspiração, mas um estratagema para bater o recorde dos “comentários mais delirantes” do site do The Guardian? Nunca o saberemos...

(...)

Atração por conteúdos enganosos

Episódios desse tipo levantam questões: como são as pessoas expostas a ideias e informações falsas e como acabam por se convencer da sua veracidade? Podemos aprender muito sobre esse assunto graças ao trabalho de Walter Quattrociocchi, da Universidade de Boston, que estudou o modo como as pessoas reagem a publicações no Facebook a informações cuja inexatidão está comprovada.

Esse pesquisador, com sua equipe, estudou como foi que mais de um milhão de pessoas havia interpretado as informações publicadas no Facebook durante as eleições italianas de 2013.

Observaram sobretudo quais as mensagens de que os utilizadores “gostavam” e comentavam em função das fontes consultadas: grandes órgãos de imprensa, mídias não tradicionais ou páginas dedicadas à análise política. Depois, estudaram como essas mesmas pessoas reagiam a notícias falsas publicadas por trolls ou seja, provocadores, em páginas conhecidas pelo seu conteúdo satírico, enganoso ou sectário.

Os resultados são fascinantes. Quattrociocchi e os seus colegas analisaram a duração dos debates, contando o tempo decorrido entre o primeiro e o último comentário. Essa duração é idêntica, qualquer que seja o tipo de conteúdo. Em outras palavras,   as pessoas tendem a debater em páginas tradicionais, não tradicionais e satíricas durante o mesmo lapso de tempo: o seu grau de envolvimento é o mesmo, seja qual for a natureza da informação.

Os investigadores quiseram depois comparar a participação dos internautas nos debates em função do carácter das informações em jogo, como no caso da lei fictícia. Concluíram que algumas pessoas eram mais propensas a participarem num debate que tivesse por base um conteúdo enganoso.

Designadamente, observaram que aqueles que se exprimiam em paginas não pertencentes à imprensa tradicional eram muito mais suscetíveis de participar num debate lançado por agitadores com base em ideias falsas. “Notámos que a maioria dos internautas que interagem com a provocação obtêm as suas informações, sobretudo. de fontes não tradicionais. Por isso estão mais frequentemente expostos a dados sem fundamento."

http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/165088/Teorias-da-conspira%C3%A7%C3%A3o-O-mundo-doido-dos-grandes-conluios-e-compl%C3%B4s.htm

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