quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O medo na sociedade pós-moderna como instrumento de controle e justificativa da repressão.

O uso do medo como instrumento de controle está em nossa sociedade de tal ponto que alguns chegam a tomar como natural e necessário o uso da violência para um bom estabelecimento de normas.  A defesa do linchamento feito por uma conhecida apresentadora de telejornal é um sórdido exemplo.

A constante veiculação de informações amedrontadoras demonstra que essa cultura se solidifica e a intenção é a de manter a população distraída e assustada, tornando-a potencialmente mais distante da possibilidade de reflexões mais aprofundadas sobre as causas dos problemas da sociedade.

Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania.

Essa falta de aprofundamento dos debates isolam os indivíduos na ilusão de que assim estaríamos mais protegidos, mas na realidade termina por nos colocar em permanente estado de emergência. É como vivêssemos em um estado de sítio onde as liberdades individuais podem ser contidas e a privacidade invadida com a aprovação de leis cada vez mais duras e invasivas.

O medo nos coloca em eterna situação de defesa e o imediatismo na busca da proteção urgente nos impede de questionar o próprio sistema gerador dessa insegurança e medo.

Outra consequência grave é que essa cultura leva o cidadão ao isolamento, desprezando a importância do seu envolvimento na comunidade, trazendo altos níveis de ansiedade e afastando o indivíduo dos debates políticos.

A procura infinita de proteção e a insaciável aspiração à segurança alimentam o medo e o individualismo exacerbado. Assim começamos a desconfiar das pessoas e suas intenções e passamos a suprimir a importância das comunidades. Daí a constatação dos graves problemas das “cidades inumanas” e o resultado é uma fragilidade ímpar dos vínculos humanos, lealdades comunais frágeis, debilidade de compromissos e solidariedades; é a insatisfação explodida e a crise existencial instalada.

Essa cultura do Estado de violência e de terror político causa um profundo impacto psicológico trazendo o medo, a desconfiança de coletividades, um sentimento de impotência perante autoridades estabelecidas — mesmo quando as mesmas autoridades são odiadas.

Esse contexto traz a fragmentação da sociedade,  encoraja e aprofunda a alienação pessoal, e incapacita o indivíduo a responder coletivamente às suas condições de vida em deterioração.

Essa crise atual resgatará a ação e responsabilidades coletivas, irá ressurgir a virtude da solidariedade. Mas, dependerá do desenvolvimento de uma força sociopolítica capaz de confrontar o estado de terror e substituí-lo por valores de autonomia, comunidade e solidariedade que são necessários para criar a condição de consciência por transformações sociais, política e cultural.      

Para essa evolução será necessário a transformação de valores baseados na força para que em seu lugar surja uma visão de uma nova sociedade construída em torno de valores tanto espirituais como materiais: valores de beleza e não apenas de trabalho. A solidariedade ligada à generosidade e à dignidade, onde os modos de produção estejam subordinados a esforços para fortalecer e aprofundar vínculos pessoais e de amizade.

Uma nova cultura onde as aspirações de estar sozinho, de estar na intimidade, não estejam dissociadas do ser social e coletivo. Acima de tudo, a nova visão deve inspirar o povo para que vibre o seu desejo não apenas de ser livre de qualquer dominação, mas também de ser livre para criar uma vida pessoal significativa recheada por relações de afetividade e não-instrumentailizadas, que tanto transcendam o trabalho quotidiano como inspirem as pessoas a continuarem a lutar.


Um comentário:

  1. Prezado Assis

    Vejo nossa sociedade como uma "manada dispersa", sem direção, e as fobias implantada pela alienação rotineira que a deteriora.

    Detecto que um dos responsáveis por esta alienação são as formas de como as informações são recebidas pela manada, logo, como mudar isto?

    Chomsky disse: "a imprensa pode causar mais danos que a bomba atômica e deixar cicatrizes no cérebro". Sabemos disso.

    Cito também Brizola: "precisamos de cultura para mexer na estrutura".

    Daqui a quantas gerações, poderemos colher os frutos.

    Gostei muito de conhecer seu blog.

    Abração

    Mário Mendonça

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