Nasce na colônia, por determinação do Rei de Portugal D. João III,
segue no Império com outra roupagem, sobrevive na Primeira República e
aprimora-se nos dias atuais. As capitanias hereditárias e seus
capitães-donatários são marca indelével do Brasil de todos os tempos. E
em todas as suas formas com um objetivo comum entre si: a pilhagem do
bem público.
As semelhanças entre ontem e hoje são inúmeras. Em
outro sistema, os das sesmarias, pagava-se um dízimo à Coroa. Agora, o
dinheiro enche os bolsos dos políticos, de quase todos os partidos que
compõem e representam o Estado Brasileiro.
Fala-se em 70 parlamentares. Supera-se a história de Ali Babá. Nela eram só 40 ladrões.
Caminhar
no tempo da história da corrupção crônica nacional há de tirar dos
perplexos a perplexidade que lhes assalta o espírito com o que vem à
tona no escândalo da Petrobras. Resta-lhes a indignação.
O Brasil
sempre foi guiado pela imoral e ilegal concessão de bens e serviços a
famílias privilegiadas. Disso nos indignamos há séculos.
A quem duvida, um conselho: visite a Biblioteca Nacional, no Cento do Rio, e vasculhe os arquivos da imprensa.
Outro
conselho: só faça isso se você tiver muitos, mas muitos cabelos, porque
eles vão, um a um, se arrepiar diante de tantos escândalos. Então, se
você é do tipo que insinua uma calvície, desista: haverá na biblioteca
mais bandalheiras do que cabelos em sua cabeça.
Naquela época, ganhar cartório do poder era um troco.
Então
vejamos para lembrar e refletir: o que aconteceu com os barões do
café? O presidente Getúlio Vargas determinou afundar nossos estoques de
café para valorizar o preço. Era o nosso mais forte produto na pauta de
exportação. Representava 80% das exportações brasileiras. Afundaram o
café e prejudicaram o produtor. Em compensação, o que recebeu aviso para
afundar, fundou um dos maiores bancos do Brasil.
E as licenças de importação na época da guerra? Quem tinha esse privilégio? Os amigos dos homens da Cechin?
Quais
foram as consequências para os que ganharam na bacia das almas
autorizações para exploração de minerais, alguns de grande valor militar
como o nióbio? Nenhuma.
E aqueles privilegiados com as cotas de exportação de aço? Pagaram por seus privilégios? Não se tem notícia.
E
as concessões na aviação que impediram nossa competitividade no setor e
puniu e pune os consumidores até hoje? Elas vão bem e nelas não há quem
ouse mexer.
Como também não se toca nas concessões das
comunicações. A concentração de poder de alguns grupos é inimaginável em
qualquer democracia avançada ou mesmo abaixo da Linha do Equador, e
poderia ser considerada de muito privilégio.
Recentemente, essa
interminável cadeia de privilégios manifestou-se na privatização de
muitas empresas nacionais, seja na área de telefonia ou de mineração,
caso da Vale. Em um caso, escaparam escutas telefônicas em que agentes
do estado admitiam estar no limite da irresponsabilidade na condução do
processo privatista. Em outro, vendeu-se um ativo de monumental riqueza
do povo brasileiro pelo preço de um cacho de bananas em fim de feira.
E as operações de café com o nome de mulheres? O que aconteceu?
Os crimes dos precatórios de Alagoas e Recife, o que aconteceu?
E
a operação Banestado? Filhos, mãe de governadores, políticos,
empresários que lavaram dinheiro. O que aconteceu? Não houve caducidade.
Ainda há tempo de prender esses corruptos.
O que se sucedeu com
os autores destas manobras? Nada. Vivem hoje muito bem, estão ricos,
entraram para o sistema financeiro, criaram consultorias pagas a preço
de ouro e se divertem com seus cavalos de raça no exterior.
Nem D.
João III teria ideia lá nos idos de 1534 de todos os males de seu ato.
Monarca conhecido com "O Piedoso", qual seria a reação de D. João III se
pudesse olhar através dos séculos os danos que sua política de
concessões faria àquela longínqua e promissora colônia chamada Brasil?
Imaginaria que até emenda para permitir uma reeleição seria comprada no
Congresso? Claro que não.
Nem de longe haveria de lhe passar pela
cabeça, que mais de cinco séculos depois, rentistas falidos seriam
socorridos pelo estado num estranho programa chamado Proer, aquele que
se não salvou bancos, salvou banqueiros.
Alguns, que deixaram seus
correntistas em apuros e seus funcionários à míngua, estão à porta da
felicidade e prestes a tomar do tesouro quantias na ordem de 5 bilhões
de reais e com a ajuda de um operador político recentemente condenado.
Gente sem qualquer piedade com o semelhante.
Passadores de cheques sem
fundo com autoridade de poder ministerial em pleno governo de exceção.
Para
ilustrar: um desses banqueiros era contumaz viajante à Europa. Na sede
de sua empresa, servia-lhe um elevador particular. Que parava no dia em
que se dirigia ao aeroporto e só voltava a funcionar no seu retorno. Não
importa se neste período os outros ascensores quebrassem. Que os demais
usassem a escada. Mais do que extravagância, pura arrogância e
prepotência.
É na corrente desta miríade de falcatruas que o
Brasil está chacoalhado, humilhado e avacalhado hoje pelo escândalo da
Petrobras.
Empreiteiros que sempre praticaram ilicitudes ao longo
de décadas e diferentes governos, são pilhados pela Justiça por uma
sangria de bilhões de dólares dos cofres da maior estatal verde-amarela.
Alguns flagrados até com simples anúncio de jornal.
Corromperam
funcionários públicos, políticos de diversas agremiações e juram,
despudoradamente, ter feito as obras dentro das regras e dos parâmetros
legais. Quem quiser acreditar nisso, que acredite em qualquer coisa.
Especialmente nos cínicos.
Destes empresários, sabe-se agora pelo
noticiário, que um tomou para si a tarefa de organizar o butim contra a
Petrobras. Reunia os demais malfeitores e, sob sua liderança, combinava
com os pares quem ficava com o "a mais" e em qual obra. A isso ele
denominava de O Clube. Sim, talvez o "Clube dos Cafajestes", não aquele
de boêmios, mas os cafajestes da contravenção.
Seriam mais de 10
bilhões ilegalmente desviados. Mas o congelamento de seus bens e
empresas, pelas primeiras medidas judiciais, chegam a 720 milhões, nem
um décimo do total desviado. Por que não bloquear também o patrimônio de
suas empresas? No Aeroporto da Pampulha, alguns deles já estão
transferindo suas aeronaves de milhões de dólares para outros laranjas.
Donos de estádios de futebol, donos de companhias de comunicação, donos
de estradas e de aeroportos. Aí, há justificativa porque debocham do
superfaturamento, são avisados que vão ser presos, pegam as estradas sem
serem molestados e fogem de seus aeroportos sem serem vistos.
Mas seja como for, nesta hora estão quase todos no Paraná, sem champanhe importada, carrões e poucas mudas de roupa.
Mas
conta a lenda que mesmo na cela, o Clube continua a atuar e na última
ata de reunião destes malfeitores, assinada por todos, cantarolavam o
conhecido refrão:
"Oh Zum, zum, zum, zum... está faltando um".
A esta altura o faltoso já perdeu o sono.
* Investidor e Analista de Investimentos
http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2014/11/15/das-capitanias-hereditarias-aos-poroes-de-alguns-empreiteiros/
Brilhante! Comoveu-me como torcedor dessa triste Nação.
ResponderExcluirUm retrato irretocável do Brasil corrupto, sujo, injusto, mesquinho.
Nosso povo não merece elites tão insensíveis e prepotentes. Agora, insatisfeitas com o processo de inclusão social das camadas mais exploradas, iniciado há 12 anos, continuam conspirando contra o povo.
Tentam mais uma vez o retorno aos idos de 1534, buscando no "tapetão" do Judiciário o que as urnas da Democracia lhes negou.
Osmar não enxerga quem não quer., quem prefere fazer um julgamento moral seletivo.
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