Por: Luigi Zoja
Através de um percurso subterrâneo, universal e transversal, que ataca cada povo com a
hipermodernização, nos foi imposta uma nova “ditadura”: uma hegemonia
autoritária não de certas formas políticas, mas de um universo econômico e tecnológico sem precedentes em toda a história humana.
Esse processo envolve e deforma os nossos afetos e as nossas relações
com os outros, as nossas emoções e o controle de nosso sistema
neuronal. Há tempo a crítica do consumismo exasperado nos diz
que comprando objetos e progresso, nossa atenção é desviada dos seres
humanos e é redirecionada para as compras e as coisas. Nos
últimos anos, porém, também aprendemos que a técnica gera (por exemplo,
por meio de telefones celulares) relações antes inexistentes com quem
está distante mas, em troca, leva embora o afeto por quem está perto e
nos libera das responsabilidades que isso envolvia.
São duas as causas – profundas e irreversíveis – que concorrem à atual alienação. A primeira é o anonimato da civilização de massas.
Até um século atrás, a grande maioria da população mundial (bem mais
que 90%) era agrícola: uma condição dominante também nos países então
mais ricos, na América do Norte e na Europa Central e Setentrional. A
economia e a sociedade eram prevalentemente locais: a maioria das
pessoas vivia no mesmo lugar por toda a vida (o fascínio ambíguo do
serviço militar consistia, em grande parte, em ser um dos poucos eventos
que podia levar a pessoa para longe). E a maior parte da população
conhecia apenas 200, no máximo 300 pessoas durante a vida inteira. O
animal homem, por outro lado, evoluiu, durante grande parte de sua
história, como nômade que vagava em pequenas bandas dentro de
territórios quase vazios. O seu sistema nervoso é, portanto, predisposto a reconhecer, memorizar e acolher positivamente um número bem limitado de faces.
VIDA NA CIDADE
Porém, desde 2008, segundo as Nações Unidas, mais da metade da população terrestre vive em cidades.
É uma mudança sem precedentes, mais importante que a passagem da
hegemonia mundial dos Estados Unidos para a China. A China também será
uma breve aparição no palco das eras: outros protagonistas subirão e
decairão como aconteceu com o Império Persa, e com aquele de Alexandre,
com Roma, com a Espanha e a Inglaterra. A cidade, pelo contrário, diz o Alto Comissariado das Nações Unidas, não cederá mais a primazia para o campo.
Nas cidades, o indivíduo médio que sai à rua, usa meios de transporte
públicos, visita escritórios e supermercados, vê milhares de novos
rostos anônimos: não durante a vida, mas a cada dia. O seu sistema
nervoso, os seus mecanismos (animais e naturais) de alarme frente aos
desconhecidos, são constantemente mobilizados: não percebe isso só
porque se trata de uma condição que não é específica, mas permanente. Vive
num estado (rastejante, inconsciente) de estresse e desconfiança para
com os outros. Não sorri mais reconhecendo os rostos, como faziam seus
antepassados na aldeia. Para reconhecer os rostos, liga-se a televisão.
Os sorrisos artificiais e anônimos de atores e apresentadores que nunca
encontrou lhe são familiares: são sua família, tecnológica e
pré-confeccionada.
O segundo fator de distância e perda do próximo consiste, efetivamente, na tecnologia.
A tecnologia fez coisas maravilhosas que multiplicam a possibilidade de
interagir com os outros. Mas já faz bastante tempo que o alarme foi
dado: os seres humanos não são mais capazes de usá-la, tornam-se
dependentes dela como de uma droga e perdem a capacidade de comunicar,
em vez de enriquecer essa capacidade. A esse fenômeno foi dado o nome de
“Paradoxo da internet”. Mais recentemente, publicações
científicas nos forneceram dados concretos. Entre 1987-2007, o número
de horas diárias que o cidadão inglês médio passa em frente a meios de
comunicação eletrônicos, subiu de 4 a 8, aproximadamente. No mesmo
período, o tempo passado comunicando com pessoas reais diminuiu de 6
para pouco mais de 2.
Tudo isso é mórbido, em todos os sentidos. É
injusto, nos sugere instintivamente tanto a moral leiga quanto a
religiosa. É prejudicial psicologicamente, como procurei argumentar num
breve ensaio sobre a Morte do próximo. Mas é também muito antinatural
para o nosso corpo, constituindo um grave fator patógeno: a
substituição dos contatos sociais com os eletrônicos pode, por exemplo,
favorecer alterações nos leucócitos e diminuir a resistência contra os
tumores.
Segundo a Escola de Medicina de Harvard, nas pessoas com mais
de 50 anos socialmente isoladas, a perda de memória avança com uma
velocidade duas vezes maior, a respeito daquelas integradas. E
assim por diante. Em condições similares, nos habituamos cada vez mais a
recitar as relações humanas e afetivas assim como nos são propostas
pelos meios de comunicação de massa, em vez de nos relacionarmos de
verdade. Tendo observado a aceleração desses fenômenos nos últimos
decênios e medido as consequências devastadoras nos próprios pacientes –
um psicanalista – como eu, de profissão – permitiu-se sair de seu
âmbito profissional e fazer uma pergunta a teólogos e filósofos.
Durante milênios, um duplo mandamento regeu a moral judaico-cristã: ama a Deus e a teu próximo como a ti mesmo. No
fim do século XIX, Nietzsche anunciou: Deus morreu. Passado o século XX
também, não seria hora de completarmos aquela afirmação? Morreu também o
próximo. Perdemos também a segunda parte do mandamento porque
não temos mais a experiência daquela verdade que nos era transmitida
pela tradição judaico-cristã. Tanto em hebraico, no Levítico, quando em
grego, nos Evangelhos, “próximo” significava: o seu vizinho, aquele que
você vê, sente, pode tocar.
Na complexidade das técnicas e da sociedade urbana, a experiência da proximidade parece ter desaparecido para sempre.
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