Por Váber Almeida, no blog de Luis Nassif
Para um país que passou mais de quatro séculos de escravidão, com
base na negação da humanidade de negros, índios e seus descendentes, não
é de se estranhar que o déficit de consciência humanitária entre as
pessoas seja tão grande. A minha humanidade se revela quando eu sou
capaz de atribuir ao outro os mesmos valores e importância que eu
atribuo a mim mesmo; se revela quando eu, consciente de que sou feito do
mesmo material que as outras pessoas, de que as pessoas são capazes de
sentir as mesmas coisas que eu sinto, aspirar os mesmos valores e as
mesmas esperanças, passo a respeitar e reivindicar que atribuam a elas o
mesmo respeito que eu gostaria que atribuíssem a mim; e, ainda, quando
eu, perante uma injustiça cometida contra outra pessoa, sinto esta
injustiça e sou capaz de me indignar com ela como se a mesma estivesse
sendo cometida contra mim mesmo. Uma sociedade que não respeita a
humanidade de outras pessoas, mesmo sendo elas criminosas, mesmo sendo
elas diferentes, não pode ser considerada uma sociedade civilizada: é
uma sociedade fadada à pequenez, ao limbo civilizatório. Numa sociedade
que se respeitasse minimamente como civilizada, as pessoas estariam
lutando por justiça com base em valores e métodos humanizados de
julgamento e punição de acusados de crimes, não com base no ódio
(pessoal ou de classe), em irracionalidades ideológicas, sentimento de
vingança, não com base nestas formas primitivas e semianimalescas de
expiação.
O linchamento público, a humilhação, o desrespeito à pessoa humana, à
dignidade humana, aos direitos humanos, todas estas arbitrariedades que
são a marca registrada deste julgamento temerário podem ser
considerados tudo menos justiça. O Brasil perdeu muito em termos de
conquistas jurídicas civilizatórias com este julgamento. Mas, ao que se
percebe, estas perdas foram além, atingiram diretamente a cultura
jurídica das massas e expuseram não apenas o despreparo da nossa
população para a vida democrática e civilizada, como também a disposição
das verdadeiras elites que dominam e usurpam nossas riquezas e nosso
povo há séculos de continuar investindo neste tipo de cultura que só as
beneficia. Democracia e civilização são conquistas que atribuem
direitos, garantias, valorização e humanidade a todas as pessoas
indistintamente, mas as elites brasileiras sempre se sentiram os únicos
verdadeiros seres humanos que existem neste país. No fim das contas, o
Brasil um país ainda colonial e semiprimitivo em termos sociais e
econômicos, saiu deste julgamento com a grande imprensa e a justiça
primitivas e coloniais fortalecidas, além de uma cultura primitiva e
colonial também fortalecida. O terreno está preparado para um novo Golpe
de Estado e uma nova onda de barbarismos, mas, mesmo sem Golpe de
Estado, um golpe frontal aos direitos humanos e à civilização já foi
consumado e acolhido pela população com este julgamento de exceção.
http://jornalggn.com.br/noticia/a-disciplina-de-dirceu-no-presidio#comment-155521
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